Só passados cerca de 60 anos e fruto da vontade férrea de Maria da Conceição Marques é que foi cumprida a última vontade de Domingos da Silva, natural de Sande (S. Clemente), concelho de Guimarães, e emigrado em Moçambique, onde faleceu. Data de 1925 o testamento em que doa a Quinta do Panco à, então, Junta da Paróquia, com o objetivo de ser utilizada em prol dos pobres da freguesia.
Depois de muitas décadas ao Deus dará, tendo mesmo algumas parcelas desaparecido dos registos prediais, a Quinta do Panco tomou o destino que o seu proprietário lhe augurou. Já proprietária da Quinta, a Junta de Freguesia, liderada, em 1985, por Maria da Conceição Marques, decide corporizar o desejo do benemérito e avançar para a criação de uma estrutura social, de que a freguesia era carenciada à altura.
“O início do que hoje é a instituição dá-se por uma ignorância nossa, porque, com aprovação da Assembleia de Freguesia, pensávamos que podíamos fazer partes sociais. Quando começámos a tratar de subsídios, fomos à Segurança Social e ficámos a saber que as ajudas não podiam ser para a Junta, mas teria que ser formada uma associação. Foi aí que iniciámos todo o processo até nos constituirmos como IPSS”, recorda a, então, presidente da Junta de Freguesia e, até hoje, única presidente do Centro Sócio-Cultural e Desportivo de Sande (S. Clemente), que não acredita que hoje fosse possível uma doação como a de Domingos da Silva: “Esta doação é como a situação que vivem as misericórdias, que dantes tinham muitos bens doados e agora não têm. Doar uma casa, ou uma propriedade já não acontece nos tempos que correm”.
No entanto, Conceição Marques reconhece que ainda há boa vontade na população, apesar de os tempos serem outros.
“Aqui quem quer ajuda ainda ajuda, de vez em quando vêm trazer-nos fruta e legumes, mas donativos tenho que ser eu a procurar os empresários e as pessoas”, refere, lamentando: “Dantes havia um maior envolvimento da comunidade em torno do Centro, mas agora esmoreceu. Não sei se por pensarem que isto agora está muito profissional”.
Foi pela infância que a atividade da instituição se iniciou, com a abertura de um ATL, no ano de 1992, recusado, inicialmente, pela Segurança Social o pedido de uma creche. Refira-se que hoje a instituição já não dá resposta em ATL, fruto da proliferação de Centros Escolares.
“A primeira resposta foi o ATL porque era aquilo que nós podíamos ter e a Segurança Social estaria disponível a apoiar. Inicialmente pensámos apoiar a infância com uma creche e um ATL, que foi o primeiro na zona”, lembra a presidente da instituição, explicando as razões da recusa da creche: “Na altura disseram-nos que não avançaria, porque as Taipas já tinham uma creche pedida e ficariam as duas muito perto. Depois de termos o ATL feito e porque Taipas não avançou com o projeto, foi então que nos deram luz verde para a criação da creche”.
Isto sucedeu um ano volvido e durante muito tempo a creche da instituição acolheu 35 crianças por ano letivo, tendo recentemente alargado essa capacidade para as 42.
Com o dealbar do novo Milénio, o Centro Sócio-Cultural e Desportivo de Sande (S. Clemente) abraçou a área sénior, lançando a construção de um equipamento, cuja última fase terminou no passado dia 18 de Dezembro, com a inauguração e bênção de novos sete quartos. A instituição passa a apoiar a população dos 4 meses aos 94 anos (ou mais).
“A área dos idosos começou também logo de início a germinar em nós, mas demorou algum tempo a ser posta em prática. E inicialmente nunca pensei em Centro de Dia ou em SAD, a ideia era logo a de um lar”, sustenta Conceição Marques, que recorda, com humor, a recetividade da população à ideia de um lar: “Uns acharam uma boa ideia, mas outros disseram logo que devia ser para pôr os meus pais porque não estava para os aturar”!
Constituindo uma espécie de braço social da Junta de Freguesia, proprietária do terreno, a instituição propõe ao organismo a execução de um projeto de lar, a que a Assembleia de Freguesia anuiu, tendo ficado logo ali estabelecidas as regras, os critérios de entrada, que “é, em primeiro lugar, para os habitantes da freguesia”.
Erguida a primeira fase do edifício, começam em simultâneo a funcionar três respostas sociais: Centro de Dia, com 15 pessoas, SAD, com 10, e o Lar com 13, mas com capacidade para 15 utentes.
“O lar é a resposta mais solicitada e numa situação em que as pessoas vêm já acabadas. Vêm para cá quando as famílias já têm dificuldade em as ter em casa”, afirma Conceição Marques, ao que Maria José Ferreira, diretora-técnica da instituição, acrescenta: “Há pessoas que vêm para o Centro de Dia e é a própria pessoa que acaba por pedir para ficar. Algumas destas pessoas têm retaguarda familiar, mas outras não. Temos de tudo. Já os utentes que temos no SAD são pessoas muito dependentes. A maior parte delas já são grandes dependentes, algumas com família, mas que não consegue e, por vezes, não sabe como cuidar deles”.
Estávamos em 2003 e nove anos volvidos é inaugurada nova ala no edifício, aumentando a capacidade do lar para 23 utentes. Em sentido contrário, as outras duas respostas à terceira idade mantêm-se inalteradas, mas a explicação é simples.
Segundo a diretora-técnica, “as respostas de Centro de Dia e de SAD têm uma boa resposta por instituições à volta de Sande”, ao que a presidente acrescenta: “Nós não queremos entrar no território dos outros. Há quem queira, mas nós não queremos. Parecendo que não, é uma deseconomia muito grande, porque fazem grandes distâncias para servir pessoas na área de outras instituições”.
Apesar do aumento de 15 para 23 camas, sendo que se mantiveram apenas 15 contratualizadas com a Segurança Social, a exploração da valência ERPI ainda não era a mais satisfatória, pelo que a instituição avançou para a conclusão da obra, com a construção de mais sete quartos, o que representa mais 15 camas
“Foi por levantar alguns problemas que quisemos logo aumentar a obra com mais oito quartos, logo na segunda fase, porque em termos de pessoal não houve grandes alterações, uma vez que a estrutura base já existia”, sustenta a presidente, que Maria José Ferreira complementa, dizendo que “as exigências em termos de pessoal tornava a situação muito difícil apenas com 15 camas, mas algumas dificuldades mantêm-se com as 23, por isso quisemos aumentá-lo com mais estes sete quartos”.
Para Conceição Marques, os problemas financeiros com os rácios pessoal/utente foram amenizados com a integração do pessoal de forma faseada e sempre recorrendo ao Centro de Emprego.
“Ao longo do tempo fomos conseguindo manter a situação financeira equilibrada, muito porque fomos pedindo pessoas ao Centro de Emprego, estágios profissionais e contratos-emprego de inserção, beneficiando dos apoios à contratação, o que ajudou muito”, sublinha a fundadora da instituição, recordando como angariou as verbas para a construção do equipamento: “A primeira obra foi patrocinada por um subsídio da Câmara, com a venda de uns lotes da quinta e uma candidatura ao PIDDAC. Depois, o primeiro aumento foi com a ajuda de alguns mecenas. Contámos ainda com duas ajudas do Fundo de Socorro Social e recorremos a
Um empréstimo de 100 mil euros no âmbito do crédito bonificado do Montepio Geral para a segunda fase da obra, que orçou em 200 mil euros”.
De forma orgulhosa afirma que “no fim do ano a instituição tem sempre saldo positivo”, mostrando estranheza com algumas realidades que pululam por este País fora: “Ainda há tempos li no Solidariedade que uma instituição tinha todos os meses um défice de 10 mil euros, ou seja, 120 mil euros no final ano, e eu pergunto com é que isto é possível? Não percebo isto!”.
Nos últimos anos, fruto das obras de ampliação, a situação piorou um pouco, mas Conceição Marques assegura que, “no final do ano, a instituição apresentava sempre um saldo positivo de 50, 60 mil euros”.
Nos últimos tempos não tem sido assim e a justificação é fácil de encontrar: “Tem sido pior porque temos o quadro de pessoal praticamente todo estabilizado. Agora com o aumento destes sete quartos é que voltámos a pedir contratos-emprego de inserção. Depois, somos muito criteriosos na aplicação das mensalidades, no sentido de quem tem paga o que tem e quem não tem não paga, porque, por vezes, também nos querem iludir com reformas baixas, quando sabemos que a pessoa não vive só com aquilo ou até tem património”.
Por isso é que a presidente assegura que a situação financeira do Centro é “equilibrada”.
“O contabilista diz que estamos sempre na tangente, nem estamos bem, nem estamos mal, recebemos e pagamos. Eu acho que a instituição está boa, ele acha que financeiramente não deve ser assim, mas considero que temos uma situação equilibrada. Neste momento noto que há uma despesa a crescer, porque houve muitos aumentos de preços ao longo do ano que acabou”, argumenta, sublinhando: “Esta Direção não dá um passo maior do que a perna e por isso temos feito a obra aos poucos. Tem um dinheirinho, então, avança com um bocado de obra, depois amealha mais um pouco e faz mais obra. Por isso é que quando liquidar estas contas todas, que esperemos seja durante este ano, vamos pensar em melhorar o campo de jogos”.
Este é um dos projetos de futuro, mas a responsável máxima pela instituição quer “ganhar fôlego”.
“O projeto para agora é estabilizar as finanças e ganhar fôlego. Terminar esta última fase de alargamento do lar, porque ainda falta colocar todo o equipamento e, depois, respirar um bocadinho. E, então, poderemos pensar nessa ideia do albergue na antiga casa do Domingos da Silva”, revela Conceição Marques, acrescentando: “O projeto para a casa não pode ser para já, mas tem que ser feito, antes que a Junta de Freguesia dê a casa para outra coisa. É um projeto a pensar nessas pessoas que não têm uma casa digna para viver, sem-abrigo que por aqui temos, que não são bem sem-abrigo, mas que vivem em casas partilhadas, ou no carro, ou em garagens”.
Esta é uma realidade que os responsáveis pelo Centro só se aperceberam a partir do momento em que abriram a Cantina Social, que abrange 27 famílias e serve uma média de 67 refeições por dia.
O outro projeto passa por requalificar o piso do campo de jogos, numa fase em que a instituição está a incluir o equipamento desportivo na sua atividade, como se fosse mais uma valência.
Em suspenso está ainda o apoio que a instituição se disponibilizou, no âmbito da PAR – Plataforma de Apoio aos Refugiados, para acolher uma família refugiada, mas que para já esbarrou na inércia das autoridades competentes em trazerem os refugiados para Portugal.
E se muitas IPSS aderiram à PAR, disponibilizando equipamentos que não têm utentes, ou casas do património próprio, o Centro Sócio-Cultural e Desportivo de Sande (S. Clemente) dispôs-se a alugar uma habitação, comprometendo-se ao pagamento da renbda e ao fornecimento de alimentação e outras coisas, mas espera encontrar junto da população disponibilidade para ajudar no pagamento da água, luz e gás.
“Tratámos de alugar uma casa e estivemos quase a assinar o contrato, mas a demora na chegada dos refugiados fez-nos parar para já”, afirma Conceição Marques, que confirma a adesão da população: “A comunidade não reagiu mal e até houve algumas pessoas que se disponibilizaram a ajudar, com trabalho voluntário, financeiramente ou de outras formas. O problema em Paris é que baralhou um pouco as pessoas”.
Para desmistificar um pouco as coisas, a instituição, juntamente com a PAR e a CNIS, vai promover uma sessão de esclarecimento para a inclusão a propósito do acolhimento de refugiados.
“A nossa ideia é fazer uma ação de sensibilização para a comunidade a respeito desta questão do acolhimento aos refugiados e queremos aproveitar para chegar aos pais dos meninos da creche, cujo projeto educativo versa os Direitos das Crianças”, explica a diretora-técnica.
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