ARCIL – ASSOCIAÇÃO PARA A RECUPERAÇÃO DE CIDADÃOS INADAPTADOS DA LOUSÃ

Há 40 anos a trabalhar o conceito da inclusão

Leva 40 anos de existência e a sua já considerável vida conta-se, grosso modo, em quatro capítulos e ao longo dos quais se percebe como a Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã (ARCIL) se fez o que é hoje, uma instituição de referência a nível nacional.
“A ARCIL tem, nesta área da reabilitação, um percurso um bocadinho sui generis, até tendo por base a nossa localização geográfica, porque é uma instituição que surge em 1976, num pequeno centro, afastado dos grandes centros urbanos, e numa altura em que, a nível nacional, havia duas grandes correntes de desenvolvimento de instituições, as APPACDM e as CERCI. Facilmente a ARCIL podia ter tomado boleia de uma delas e, pelo que sei da história, isso foi ponderado, mas resolveu criar um percurso sui generis, e quando digo sui generis não digo solitário”, sublinha Rui Ramos, presidente da instituição.

Como conta o presidente que está em fim de mandato, os responsáveis pela criação da ARCIL optaram por “criar um percurso que respondesse às necessidades com as quais se confrontava”, por isso diz que o primeiro capítulo da história da ARCIL é o momento fundador: “Houve a sorte e a coincidência de haver um conjunto de pais que também eram professores, portanto, já estavam ligados a um sistema, que serviram de facilitadores para o início desta aventura. E houve um conjunto de decisões, logo à partida, que fizeram com que a ARCIL fosse uma instituição, realmente, diferente”.
A singularidade da ARCIL acabou por ser reconhecida por todos e são muitas as instituições que hoje já a acompanham. No entender de Rui Ramos, a particularidade da ARCIL observa no facto de a instituição não ter seguido a corrente dominante na altura e apostar tudo num conceito.
“O primeiro pilar, que logo nos primeiros anos foi um ponto assente e era perfeitamente inovador em Portugal, foi trabalhar, não só uma instituição, mas trabalhar um conceito. Isto agora é alargado e reconhecido por todos e não é mais do que o conceito de inclusão”, argumenta, explicando: “Na altura ainda era com a designação de integração, mas o trabalho que grande parte das instituições que estava a começar fazia nessa altura era mais um trabalho de escolas de ensino especial, ainda numa ótica da visão da segregação e que foi importante na altura. A expetativa da ARCIL nunca foi essa, a ARCIL sempre quis trabalhar um conceito e estes 40 anos, mais do que 40 anos de uma instituição são 40 anos de uma ideia, que foi sendo reconhecida lá fora, ampliada e melhorada. Neste momento, quase todas as instituições trabalham com uma visão inclusiva, mas esta foi a nossa deixa para o trabalho de todos”.
E quatro décadas volvidas, “o balanço é muito positivo e a maior evidência passa por andar pelas ruas da Lousã”, diz o presidente da instituição lousanense, exemplificando: “A naturalidade com que a deficiência existe na Lousã é a evidência do sucesso do trabalho da ARCIL. Não é um sistema perfeito, nem temos a arrogância de pensar que é, mas o balanço é muito positivo”.
Alicerçada neste pilar conceptual, a ARCIL “começa a crescer rapidamente ao longo da década de 1980”, altura em que volta a inovar: “Há uma opção que torna a ARCIL diferenciadora e que foi o facto de conseguir trabalhar em todas as fases da vida da pessoa com deficiência ou incapacidade, tentando encontrar soluções para essas pessoas e que fossem muito para além do que estava regulamentado quer para as escolas de ensino especial, quer para as respostas sociais mais fechadas”.
Foi logo nos primeiros anos da década de 1980 que surgem “um conjunto de estruturas para trabalhar algo extremamente importante na vida adulta”, que é o emprego.
“Nessa altura tentaram-se as primeiras experiências de inclusão de pessoas com deficiência, mas como o mercado de trabalho não absorvia todas as pessoas que precisavam a ARCIL desenvolve uma componente comercial e industrial, paralelamente à área da reabilitação”.
De início foram designadas por Unidades Produtivas, mas em 2014, ainda com a crise a fazer-se sentir fortemente em todo o País, a instituição alterou o nome para Unidades de Reabilitação em Contexto Produtivo. “Não são fábricas, nem empresas normais, são empresas que estão no mercado aberto e concorrencial, em que a função é também gerar meios para que a ARCIL seja mais autónoma na sua sustentabilidade, mas, ao mesmo tempo, pretende trabalhar na formação e na inclusão das pessoas”, explica o presidente da instituição.
Em meados dos anos 1990, após uma fase de crescimento, nuvens muito negras abatem-se sobre a instituição.
“A instituição, em meados da década de 1990, é confrontada pela primeira vez, a sério, com graves problemas financeiros”, recorda Rui Ramos, contando: “Foi público na altura e é algo que não escondemos da nossa história, mas houve um desfalque muito grande na instituição, o que obrigou a ARCIL, não a mudar de trajetória, mas a abrandar profundamente”.
O que parecia a todos um golpe fatal para a instituição, os seus novos responsáveis, fruto de uma alteração de estratégia, transformaram em algo de motivador.
“A ARCIL conseguiu dar volta a essa situação com um ambicioso plano de reestruturação, já na década 2000, e que é o terceiro marco. É quase o levantar das cinzas, embora a instituição nunca tenha ficado perto das cinzas, porque manteve sempre a solidez”.
E, com 15 anos de trabalho, “baseados num modelo de qualificação mais executiva, com altos e baixos”, durante os quais os anos da crise fizeram a instituição abanar várias vezes, apesar das “muitas dificuldades”, a ARCIL “não quis alterar o rumo e foi trabalhando com outro tipo de exigência, com menos recursos do que os desejados, mas não alterou o rumo”.
Nos dias que correm, a ARCIL oferece um vasto leque de respostas, na esmagadora maioria vocacionadas para a área da deficiência ou incapacidade intelectual, sendo que as unidades produtivas ocupam um lugar de estaque, não apenas pelo trabalho inclusivo que fazem, mas também pelo contributo (30%) que dão para o orçamento da instituição.
Com um corpo de 265 funcionários, a ARCIL tem as seguintes respostas sociais: CAO – 147 utentes; Formação Profissional – 110, Lar Residencial – 62; Lar de Apoio – 18; Inclusão Escolar – 171; Centro de Emprego Protegido – 55; SAD – 28; Centro de Recursos de avaliação e inclusão social – 301 (IAOQE – 131; Apoio à colocação – 108; Apoio Pós-colocação – 62); e CATL – 18.
“Temos duas grandes Unidades de Reabilitação em Contexto Produtivo, uma nos serviços e outra na venda de produtos. Assim, a ARCIL Saúde é a maior unidade que temos na prestação de serviços e é uma clínica de saúde que desenvolve maioritariamente trabalho na área da medicina física e de reabilitação, mas também tem medicina dentária, psicologia e outras intervenções terapêuticas, como terapia ocupacional e da fala, serviços que prestamos de forma aberta à comunidade”, começa por explicar Rui Ramos, prosseguindo: “A maior unidade na venda de produtos é a ARCIL Madeiras, que é uma serração industrial que vende, sobretudo, soluções de transporte e armazenamento de mercadorias, ou seja, paletes industriais e ainda caixas de transporte de minério. A ARCIL Madeiras é a unidade mais antiga. Depois a ARCIL Cerâmica, uma unidade que embora tenha um volume de negócios relativamente pequeno, é emblemática e ajudou a criar uma marca da ARCIL”.
Estas sãos as maiores e mais emblemáticas unidades da ARCIL, mas, entretanto, outras nasceram e que dão algum suporte à logística da instituição. São os casos da ARCIL Verde, uma empresa de construção e manutenção de espaços verdes, a ARCIL Lav, uma lavandaria industrial que “surge no sentido de rentabilizar a lavandaria das respostas sociais”, e a ARCIL Agro, que “está neste momento em reestruturação”.
Trata-se de uma quinta onde o forte era a atividade agrícola, mas que a ARCIL está a desenvolver projetos na área do turismo e da sustentabilidade ambiental, “que permitem uma exploração mais intensiva do espaço”, explica Rui Ramos.
Depois do rombo financeiro de meados de 1990 e ao cabo de 15 anos de reestruturação, o presidente da ARCIL afirma que “as contas estão equilibradas”, porque a instituição “tem trabalhado a sua robustez financeira”.
“A ARCIL é progressivamente mais autónoma, mas a forma de financiamento ainda é muito dependente do Estado e será sempre enquanto não houver alterações… Costumo dizer que tenho um problema para classificar o dinheiro que o Estado dá à ARCIL, porque temos que o considerar como um subsídio, mas sentir-me-ia muito mais confortável se o contabilizasse como uma prestação de serviços. Se a ARCIL está a substituir o Estado, logo não é um subsídio, porque está a prestar um serviço”, critica Rui Ramos.
O presidente da ARCIL não teme a mudança de cliente, e afirma-o de forma clara: “Mesmo em ambiente competitivo, as nossas respostas são válidas e de qualidade. O que acontece é que o Estado não paga com a regularidade desejada. O que constatamos, mesmo em períodos de maior irregularidade, e estamos a atravessar um deles, sobretudo com as medidas de formação profissional e emprego, é que muitas instituições entraram em colapso financeiro. A ARCIL com estes atrasos, de mais de meio milhão de euros, não só na formação profissional, mas em todas as medidas de emprego, há seis ou sete anos teria entrado em colapso, mas hoje não está com nenhum incumprimento. Pode-se dizer que a ARCIL está num crescendo de robustez financeira”.
Quanto ao futuro, e por estar em fim de mandato, Rui Ramos não quer adiantar muito, mas sempre vai dizendo que estão a ser estudadas para ser implementadas algumas soluções que tentam “dar resposta às maiores fragilidades” da instituição, “que é na capacitação da resposta residencial”.
Para além do reforço da capacidade de alojamento, a instituição tem ainda outros dois focos: “Um é a qualidade dos serviços, para serem cada vez melhores, e o outro a sustentabilidade, não só financeira, mas também da intervenção social da ARCIL”.
E como seria a Lousã, e os concelhos limítrofes (Miranda do Corvo, Góis, Arganil e Pampilhosa da Serra), sem a ARCIL?
“Não consigo imaginar, mas provavelmente seria como passar de uma televisão Full HD para uma televisão de cinescópio a preto e branco. Tenho a certeza que seríamos todos muito, muito mais pobres”, remata Rui Ramos.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2016-08-30



















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