CASA DO POVO DE ABRUNHEIRA, MONTEMOR-O-VELHO

Da quase falência a instituição de referência

A Casa do Povo de Abrunheira surgiu em 1961, mas a construção da sede, um projeto marcadamente do Estado Novo, foi pela mão do, então, Centro de Recreio Popular, extinto após a obra terminada. E quando nasceu tinha como base a Cultura, o Desporto e o Recreio. Aliás, onde hoje se ergue o Complexo Social Sénior era um campo de futebol de 11.
“Inicialmente, a Casa do Povo não desenvolvia trabalho social, mas tinha uma área cultural bastante forte, tal como a desportiva. E é só em 1994 que a Casa do Povo envereda pela área social, uma altura em que surgiram muitas IPSS pelo País”, conta José Carvalho, presidente da instituição, recordando: “A vertente social começou a ser desenvolvida com o ATL e com um Centro de Dia, sem nunca descurar as vertentes cultural, desportiva e recreativa”.
Contudo, a saúde que a instituição exibe atualmente nem sempre foi pujante, recorda o dirigente: “Em 2002, era eu presidente da Junta de Freguesia, a Direção da Casa do Povo, praticamente, decretou a falência devido às muitas dívidas. Não se percebe muito bem como, mas aconteceu... Ao ver a situação da única instituição da freguesia que dava apoio aos idosos e às crianças, senti-me na obrigação moral de arranjar uma equipa e impedir que as chaves fossem entregues ao Governador Civil ou à Câmara. Foram momentos complicados, porque a instituição e o próprio edifício estavam moribundos, mas avançámos e ainda bem que o fizemos”.
Apesar de alguns sacrifícios, como despedimentos entre o corpo de sete funcionários – “Havia muitos vícios instituídos e era preciso mudar a situação e criar confiança nas outras entidades” –, a nova equipa diretiva conseguiu por a instituição de pé novamente, tendo contado com a preciosa ajuda da área cultural da instituição.
Com um edifício em que era muito difícil prestar serviços à população, depois de obras de requalificação da sede, a instituição avançou com candidaturas a financiamentos.
“Nessa altura, tudo o que houve de possibilidades de financiamento, nós concorremos. O Estado não financiava lares mas sim a construção de Centros de Noite. Nós trabalhámos muito bem o Centro de Noite, só que a maioria das instituições que abriram esta valência não o fez devidamente e criou-se um problema. É que as pessoas, por vezes, adoeciam e não podiam ficar no Centro de Noite, mas também não ficavam bem sozinhas em casa. Confrontado com esta situação, o Governo Guterres viu-se na necessidade de pedir à União Europeia para reconverter os Centros de Noite em Lares. Nós aproveitámos essa reconversão, até porque mais cedo ou mais tarde a iríamos fazer. Como o lar dá uma resposta mais completa, ampliámos o Centro de Noite com uma sala de estar, transformando-o em Lar com capacidade para 25 pessoas”.
Estava dado o primeiro passo do que seria um forte e contínuo investimento na área social, numa altura em que as outras vertentes perdiam alguma importância na dinâmica da instituição, mas não a atenção dos dirigentes.
Pela mesma altura, a instituição ampliou e requalificou igualmente o Centro de Dia, que hoje integra uma sala de fisioterapia, uma outra para descanso dos idosos e uma lavandaria. Recorde-se que o Centro de Dia foi a primeira resposta social da instituição, a par do ATL, entretanto extinto. Aliás, atualmente a área da infância é apenas trabalhada na vertente desportiva, com as escolinhas de ciclismo, nas variantes de Ori-BTT e BTT-Downhill.
Para além de um conjunto de equipamentos que servem as diversas respostas sociais, como o ginásio, ou a piscina de água quente, a Casa do Povo de Abrunheira oferece como respostas sociais: três ERPI, num total de 81 camas; Centro de Dia, com 15 utentes, mas com capacidade para 40; Serviço de Apoio Domiciliário (convencional, de 24 horas e integrado), com 16 utentes.
A área complementar da saúde tem sido uma aposta forte da instituição, que criou uma equipa multidisciplinar, através da prestação de serviços de enfermagem, fisioterapia, terapia da fala e psicologia, em consultório e ao domicílio.
O excelente trabalho realizado na área da saúde tem granjeado fama à instituição, levando muitas unidades hospitalares a recorrerem-lhe para a convalescença de alguns doentes, especialmente vítimas de AVC.
“Temos sempre umas camas reservadas para internamentos temporários, porque temos uma excelente equipa a lidar com as questões dos AVC e os hospitais reencaminham os doentes para aqui fazerem a sua convalescença inicial, antes da reabilitação”, revela José Carvalho, acrescentando: “Criámos confiança nas unidades de saúde que faz com que acolhamos pessoas de todo o distrito enviadas por elas. Penso que prestamos um melhor serviço do que as unidades de Cuidados Continuados. E também trabalhamos com as medicinas alternativas, tibetanas, chinesas e outras, porque as medicinas tradicional e alternativa complementam-se”.
Neste sentido, os responsáveis pela instituição adquiriram uma residência anexa ao edifício-sede, onde já funciona uma ERPI com 12 camas, mas com uma ideia mais ambiciosa em mente.
“Adquirimos uma residência onde estamos a desenvolver um projeto interessante na área das demências e do Alzheimer. A intenção é fazer um projeto maior, talvez com apoio do Portugal 2020, numa oferta ligada ao Alzheimer e demências equiparadas”, revela José Carvalho, destacando: “Aliás, somos reconhecidos pelos Centro Hospitalar da Universidade de Coimbra como a melhor estrutura, no distrito de Coimbra, a trabalhar esta área e a segunda melhor da Zona Centro. Nesse sentido, queremos criar um projeto diferente em que as pessoas com Alzheimer ou demência equiparada sintam o espaço como se vivessem o mais normalmente possível o quotidiano. É uma resposta para que as pessoas não sejam desenraizadas da vida quotidiana”.
Mas este não é o único projeto que a Casa do Povo pretende implementar. “Um outro projeto que temos, para o qual até já fizemos umas candidaturas que não vieram aprovadas, é o de um espaço neuro-sensorial. Cada vez mais temos que prolongar a vida das pessoas com qualidade e esse espaço servirá para estimular cognitivamente as pessoas que sofrem de demência, mas não só. Já existem algumas salas Snoezelen que têm esse estímulo, mas queremos ir mais longe, porque queremos um espaço em que as pessoas sejam obrigadas a reagir a estímulos, sejam eles quais forem. Vai sair-nos caro mas será uma realidade dentro em breve”, sustenta o presidente da instituição, que deixa uma crítica ao Instituto da Segurança Social (ISS): “A ERPI tem que ser muito mais do que um local que acolhe idosos. Porém, o ISS, ou as suas delegações, tem trabalhado um pouco em termos de compadrio político e amizade na atribuição da comparticipação por cama e financia maioritariamente os armazéns de carne humana, em vez das instituições que pretendem dar qualidade à vida dos utentes”.
Nesse sentido, José Carvalho recorda que até há pouco mais de um mês os Acordos de Cooperação atribuídos à instituição tinham uma taxa de 25%, tendo entretanto passado para 50%.
“No entanto, temos aqui concorrentes diretos, que não têm a qualidade que nós temos, que têm 100% e mais de 90%. Isto não é justo, nem é moral. É o próprio Estado e as entidades ligadas ao Estado a promoverem uma concorrência desleal entre instituições”, acusa.
E as críticas aos serviços sociais do Estado não se ficam por aqui.
“O lar do Complexo Social Sénior foi projetado para 36 camas, fruto das regras demasiado exigentes da época. Hoje já temos capacidade para 43, mas queríamos mais e não conseguimos. O ISS não acompanha a evolução das IPSS, a necessidade social das pessoas, nem a necessidade de criação de emprego e está constantemente a impugnar o que está escrito na lei e a vontade do Estado em fazer aumentos de capacidade. O ISS da maneira que funciona, com os burocratas que tem lá dentro e com a muita incompetência que tem no seu interior não acompanha a evolução do País, nem a mentalidade das IPSS, e faz um contravapor às instituições que querem que o Estado progrida e crie emprego”, acusa José Carvalho, que lembra: “A Casa do Povo de Abrunheira é considerada pelo Instituto Nacional de Estatísticas a instituição que mais cresceu nos últimos 12 anos, que mais emprego criou e que mais património criou”.
Financeiramente, a Casa do Povo de Abrunheira não vive sobressaltos, até porque “no caso de uma situação financeira de emergência a relação de confiança com a Caixa de Crédito Agrícola facilita a resolução”.
José Carvalho considera que “não há problema com a situação financeira porque a gestão é minuciosa”, fazendo uma curiosa comparação: “Aqui funciona o sistema de quem pode pagar paga também para pagar por aqueles que não podem. Somos uma espécie de Robin dos Bosques do social. Há pessoas que estão aqui de borla, mas há quem pague 1.200 euros. Uns têm que dar para os outros e é o que nos dá equilíbrio. Depois, a fama de qualidade e de mérito que conseguimos também facilita a chegada de pessoas que podem pagar”.
Para além dos muitos campeões nacionais e ibéricos que envergam as cores da Casa do Povo de Abrunheira nas vertentes mais alternativas do ciclismo, a instituição granjeia ainda grande fama culinária, com destaque para a «Lampreia Quinhentista», cuja receita, descoberta em Itália, era utilizada pelos navegadores portugueses no tempo dos Descobrimentos.

 

Data de introdução: 2016-09-27



















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