HENRIQUE RODRIGUES

Arado ou fresa

1 - Acabei por estes dias a poda da vinha – mais tarde do que é costume, já que o tempo livre foi curto e muitos sábados (dia que dedico à lavoura), ao longo deste ano, desmentiram o ditado: “não há sábado sem sol, nem domingo sem missa”.
(Na verdade, nem uma coisa, nem outra: pouco sol aos sábados, pouca missa aos domingos.)
Os tempos estão difíceis para quem, como é o meu caso, tem esta ambição de juntar ao exercício diuturno e semanal da profissão uma espécie de vício benigno para o fim-de-semana, como é o caso da agricultura.
Como se sabe, nenhum lavrador que se preze deixa de produzir o seu próprio vinho, emblema maior do ciclo rural: desde o “erguer uma videira/como uma mãe que faz a trança à filha”, como bem anotou Miguel Torga, até ao momento misterioso em que o mosto, pela fermentação, se transmuda na bebida dos deuses.
Durante muitos anos, o ritual associado ao processo de feitura do vinho não tinha particulares dificuldades: plantação, condução, poda, tratamentos, vindima, adega.
Mas, desde o ano passado, o Governo resolveu dificultar os procedimentos, obrigando-me a possuir uma espécie de alvará para poder sulfatar as videiras, alvará só emitido após frequentar um curso de formação profissional a preceito, o mesmo se exigindo para a simples compra na cooperativa dos produtos para os tratamentos.
Assim, ao prejuízo que todos os anos suporto alegremente com este vício, resolveu o Governo agravar-me os custos e dificultar-me a vida com esta bizarria.
Presumo que sejam exigências europeias, que, no que respeita à agricultura, regulam minuciosamente todos os nossos passos, desde o calibre dos tomates à especialidade das castas, desde os produtos fito-sanitários aos limites de produção por hectare.
Ao contrário da generalidade dos lavradores, porém, não insisto com os meus amigos na ideia de que o vinho que produzo é o melhor do mundo – até porque não é, de facto.
Por tal razão, não deixo de, todos os anos, ir comprando, para conhecê-los e bebê-los, outros vinhos, novos ou antigos, assim ficando com uma ciência mais diversa do que se mantivesse uma fidelidade estrita à minha própria produção.
E, já que vou mantendo o hábito de, todos os anos, pelo Verão, ir passar férias à Galiza, não deixo para outros o prazer de tomar assento numa esplanada junto ao mar, acompanhando com o albariño um prato de percebes, de manchego ou de jámon ibérico.
Gasto, assim, muito dinheiro em vinho: a maior parte, no prejuízo que tenho com o vinho que produzo e não bebo; mas também com as compras que faço, já que tenho como regra variar no que se pode.

2 – Suponho que estarei, por essa única razão de gastar dinheiro em vinho, na mira de Jeroen Dijsselbloem e na sua diatribe contra as tribos do sul da Europa.
Mas, com este sol, esta luz mediterrânica e este mar que nos percorre o corpo e a alma, de Finisterra, a norte, à Ponta de Sagres, a sul, quem poderá levar a mal que prefiramos o esplendor solar de uma esplanada à beira-mar aos corredores cinzentos e burocráticos de Bruxelas ou de Frankfurt?
Nem por isso alguma vez pedi dinheiro emprestado, a não ser para comprar o andar onde moro, que todavia paguei no prazo.
Mas isso não impediu Jeroen Dijsselbloem e os seus sócios de me apresentarem na mesma a conta dos empréstimos, que todavia não pedi, nem recebi.
Na verdade, não é só no tamanho das maçãs, ou dos tomates, ou no número autorizado de folhas de couve, que as ordens de Bruxelas nos comandam; nem nas licenças para o tratamento da vinha, ou nas castas autorizadas.
Pelo que percebi, foram os nossos parceiros da União Europeia que nos obrigaram a vender o Novo Banco, à pressa.
(Nem sei se se pode chamar venda àquilo, já que não houve preço!)
Parece que, entre fundo de resolução e garantias, andaremos por cerca de 8.000 milhões de euros de perdas públicas com a operação.
Ficou-me, a mim, por cerca de 8.000 euros – e ficou o mesmo custo a cada português.

3 – A venda a patacos do Novo Banco veio apenas continuar o percurso de boa parte da banca nacional, desde o BPN – cuja nacionalização Teixeira dos Santos nos assegurou não custar um cêntimo aos contribuintes – ao BPP, desde o BANIF ao Novo Banco – sobre o qual nos dizem agora o mesmo que Teixeira dos Santos dissera há uns anos.
Claro que a divulgação de elementos dos processos judiciais que vão correndo ou estagiando nos tribunais, relativos aos rombos sofridos nesses bancos, merece censura.
Mas, por outro lado, essa devassa permite-nos confirmar o particular conúbio entre a alta (ou baixa) finança e os partidos do até há pouco chamado arco da governação – quer dizer, CDS, PSD e PS – e monitorizar a transumância entre ex-governantes e seus acólitos e as empresas que lhes servem de recuo.
Com predominância de uns partidos nuns casos; dos outros, noutros casos.
Aqui, nestas crónicas, saudei várias vezes a higiene política que o abandono da ideia anti-democrática do “arco da governação” significava, pela redução das soluções de governo.
Mas essa maioria – CDS, PSD e PS -, conquanto estilhaçada pela geringonça no plano do governo, continua viva no plano dos interesses.
E agora o Montepio?
PCP e BE permitirão que os recursos para combater a pobreza – como são os da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – sejam postos ao serviço da especulação financeira?
Virão a coincidir o arco da governação e o arco europeu?
O arado lavra em profundidade; a fresa, só à superfície!

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2017-04-13



















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