A capilaridade do Setor Social Solidário coloca, invariavelmente, as IPSS no olho do furacão. Foi assim com a recente crise económico-financeira que Portugal viveu, com as instituições a serem a almofada social de milhares de portugueses, e, mais recentemente, foi assim com a tragédia dos incêndios de 15 de outubro na região Centro do País, tal como já acontecera em junho aquando do fogo de Pedrógão Grande. Porto de abrigo de muitas comunidades cercadas pelo fogo, as IPSS foram e têm sido essenciais no apoio a quem foi afetado pelos incêndios.
Se em junho a desgraça caiu, essencialmente, sobre três concelhos (Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pêra), a 15 de outubro o número de concelhos severamente afetados multiplicou-se bastante. Mais de 25 municípios registaram habitações destruídas.
Um dia em que as autoridades registaram mais de 500 fogos, numa área que se estendeu do distrito de Viseu até ao rio Tejo, sem esquecer que também lavraram dramaticamente em Monção e em Braga, num total de cerca de 200 mil hectares de área ardida.
Um dia devastador, em que o lume tudo dizimou à sua passagem, matando 45 pessoas, ferindo cerca de 70, desalojando muitas mais, matando e ferindo inúmeras cabeças de gado, reduzindo a cinzas habitações, fábricas, aglomerados industriais, florestas, campos agrícolas, vinhas, colmeias, etc.. O fogo florestal transmutou-se em fogo urbano e nada ou pouco escapou à sua passagem.
Esteve literalmente meio País a arder naquele que é considerado o pior dia do ano em matéria de incêndios e, muito provavelmente, de que há memória entre os vivos.
Viajar, duas semanas depois, pelos territórios afetados pelos fogos de 15 de outubro é mergulhar num território pintado de negro, de aglomerados habitacionais totalmente dizimados, em que só as paredes exteriores dos edifícios se mantêm de pé, ou de ruas salpicadas de casas totalmente ardidas lado-a-lado com outras que nada sofreram. O negro é uma presença constante, sarapintado aqui e ali por pequenos tufos verdes. Pequenas áreas que o fogo não consumiu, mas também pedaços de vida a brotarem da terra, ou não fosse a natureza uma força inquebrantável.
Os terrenos agrícolas estão sem vida aparente e também eles negros e cobertos de cinza, vinhedos destruídos, pastagens que a única coisa que têm para oferecer ao gado é… cinza.
Inúmeras unidades fabris destruídas, o que cria um grande e grave problema em termos de emprego, em regiões em que a fixação de população há muito é um problema.
À enorme tragédia que se registou a 15 de outubro e dias seguintes soma-se o drama do futuro, a nível humano, natural e económico.
A intensidade e severidade dos incêndios, sem esquecer o denso e intoxicante fumo que libertavam, obrigaram à evacuação de localidades, ao realojamento das populações e a cortar o trânsito em dezenas de estradas, sobretudo nas regiões Norte e Centro.
Cobrindo grande parte do território nacional, o mais natural é que as IPSS também elas se vissem a braços com uma situação de exceção, fosse porque o fogo também as afetava, fosse porque serviram de porto de abrigo às populações cujas comunidades elas servem ou, pelo espírito solidário que todas une, se disponibilizaram desde a primeira hora para ajudar no que fosse preciso.
Enquanto o fogo lavrava no concelho de Seia, o Centro Paroquial de Seia acolhia utentes do Centro Social e Paroquial de Sazes da Beira, que por precaução foi evacuado, em especial devido ao intenso fumo.
Para a instituição da cidade foram os utentes mais dependentes de Sazes da Beira, enquanto os demais foram para um dos três pavilhões disponibilizados pela autarquia, mas que a dada altura ficaram lotados.
Apesar de o fogo também ter andado próximo do Centro Paroquial de Seia, a instituição “esteve sempre a funcionar a 100 por cento”, isto “apesar de algumas colaboradoras estarem bastante preocupadas com as suas coisas, pois o incêndio andava nas zonas onde moram”, conta a diretora-técnica Vera Veríssimo.
Para além de ter acolhido um idoso logo na noite de 15 de outubro e mais três famílias no dia seguinte, mais os utentes de Sazes da Beira, a instituição, juntamente com outras instituições do concelho (Fundação Aurora Ressurreição Coelho Borges, Centro Social da Quinta Monterroso, Associação Humanitária, Social e Cultural de Pinhanços, Cruz Vermelha e Santa Casa da Misericórdia de Seia) serviram as refeições para quem fora evacuado e estava nos pavilhões municipais.
“Foi um grande esforço, porque algumas das instituições tinham elas também sido evacuadas, pelo que éramos menos no apoio à população”, lembra Vera Veríssimo, que viu a última família deixar a instituição quase três semanas após o sucedido.
Já o senhor, de 72 anos, que tudo perdeu no incêndio e que fora realojado no Centro Paroquial de Seia logo na noite de 15 de outubro, vai preencher uma vaga na instituição, passando a utente da ERPI.
Tal como em outros concelhos, instituições com valências residenciais forneceram ainda lençóis e cobertores para dar algum conforto a quem tinha sido evacuado e passou a noite nos recintos disponibilizados para tal.
Mas muitas outras instituições foram autênticos portos de abrigo para as populações, lugares seguros onde as pessoas se refugiaram. Isto apesar de em algumas situações as perspetivas é que nem ali estariam seguras.
Foi o que aconteceu em Midões, concelho de Tábua, distrito de Coimbra, com o Centro Social Caeiro da Matta a servir de oásis no deserto de chamas em que a freguesia se havia transformado.
Já em Cambra, concelho de Vouzela, distrito de Viseu, o Centro Social foi o derradeiro refúgio para a população da vila, que numa primeira fase fugira para a Igreja Matriz, no seio do núcleo habitacional, mas que perante a proximidade das chamas tiveram que fugir, refugiando-se na IPSS.
“Acolhemos aqui na instituição, que pela localização e pela própria construção afigura-se mais segura, cerca de 200 pessoas”, conta João Taborda, vice-presidente da instituição de Cambra, que depois de assegurar que todas as portas e janelas estavam vedadas para que o fumo não entrasse, foi ajudar a afastar o fogo de um depósito de gás junto a um restaurante no meio da vila.
Também no Centro Social de Cambra houve uma família que acabou por pernoitar na instituição mais do que apenas a noite fatídica, sendo que alguns dos desalojados, entretanto alojados nos Maristas, passaram a frequentar o Centro de Dia da instituição.
Em Midões, Beatriz Vitorino recorda a afluência de pessoas da aldeia para o equipamento da instituição, em fuga às chamas e desesperadas perante o cerco que o lume fazia à aldeia.
“As pessoas apareciam à porta a pedir socorro e é claro que as acolhemos. Ainda abrigámos aqui mais de 100 pessoas”, conta, lembrando que se o fogo pegasse na instituição “seria uma desgraça”, porque “não havia por onde fugir”.
«Vivemos momentos de grande aflição, porém, dentro do espírito de solidariedade que faz parte dos princípios subjacentes à existência desta instituição, conseguimos acolher todos os desprotegidos que nos procuraram. Acolhemos idosos, crianças, feridos, estrangeiros, animais, enfim todos aqueles que em pânico se socorreram da nossa ajuda”, pode ainda ler-se na página de Facebook do Centro Social Caeiro da Matta, numa mensagem que teve como principal intuito o descansar os familiares das pessoas que a instituição acolhe, muitos deles residentes no estrangeiro.
A diretora-técnica do Centro Social Caeiro da Matta recorda ainda que abrigou as pessoas e foi, desesperada, ao quartel dos bombeiros de Vila Nova da Oliveirinha pedir ajuda, mas não havia recursos disponíveis. Aliás, já nem ela pôde regressar à instituição, pois a aldeia estava cercada pelo fogo.
Era esperar que tudo corresse pelo melhor, pois o fogo aproximou-se de tal forma da instituição que destruiu alguns materiais de construção que estavam nas traseiras e que eram para as obras de ampliação que o equipamento está a sofrer.
Aliás, a cerca de 50 metros da instituição arderam três casas de primeira habitação, uma delas de uma funcionária do Centro.
Neste particular, a história mais trágica das instituições que o SOLIDARIEDADE visitou é a do Centro Social e Paroquial de S. Joaninho, em Santa Comba Dão, que perdeu um funcionário para as chamas, que ainda desalojaram duas funcionárias.
“Fomos um porto de abrigo para a comunidade, que aqui se refugiou do fogo”, conta Elisabete Costa, diretora-técnica da instituição, referindo ainda que a grande preocupação foi não deixar que o fogo chegasse ao depósito de gás que está no exterior da instituição e por onde as chamas rondaram.
“Temos acolhido as funcionárias e as suas famílias aqui na instituição, onde tomam refeições e fazem a higiene diária, e temos fornecido alguns alimentos a quem também ficou desalojado”, revela Elisabete Costa, que, volvidas quase três semanas, desabafa: “Só agora estamos a começar a voltar à normalidade, porque tem sido difícil a nível psicológico”.
Também bastante fustigado com o fogo foi o concelho de Vagos, no distrito de Aveiro, um incêndio que se estendeu a Mira, já no distrito de Coimbra.
A Associação de Solidariedade Social de Santo André de Vagos, preocupada com as sequelas que a tragédia pode deixar, alertou, via Facebook, os pais das crianças que frequentam a instituição para a importância de se estar “atento ao comportamento das nossas crianças, depois destes episódios traumáticos que passaram nos últimos dias”, estando a instituição disponível para fazer a ponte com as equipas multidisciplinares que a autarquia enviou para o terreno.
Por outro lado, a instituição, através da sua loja social, está “a doar roupas e móveis, entre outras coisas, para as muitas pessoas que foram afetadas”, revela a diretora-técnica Virgínia Pinho, sublinhando: “No concelho de Vagos o fogo só não chegou a uma freguesia, todas as outras foram afetadas”.
Em Oliveira do Hospital, o Centro Paroquial de Solidariedade Social de Santa Ovaia, apesar de evacuado, “por causa do fumo, porque apesar de o jardim ter ardido, as instalações nada sofreram”, explica a diretora-técnica Laura Santos, a instituição “acolheu um desalojado durante uma noite e tem trabalhado em articulação com a Junta de Freguesia em tudo o que é pedido”.
Em resposta a esses pedidos, a instituição acolheu durante um fim-de-semana uma equipa de psicólogos que trabalharam na zona, para além de “recolher e distribuir bens a quem não se pode deslocar a Oliveira do Hospital” onde está a ser centralizada a ajuda às vítimas do concelho.
Também em Monção o fogo não deu tréguas, tendo os lares de Merufe e de Barbeita, valências do Centro Paroquial e Social de Barbeita, sido evacuados por precaução, face ao intenso fumo.
“Até ao momento nada nos foi pedido para ajudar, mas se nos pedirem, cá estaremos para ajudar, pois estas casas existem para isso mesmo”, assevera o padre Américo Alves, presidente da instituição, sintetizando o espírito que norteia as IPSS espalhadas pelo País.
Apesar de algumas também terem sido vítimas indiretas dos incêndios, as IPSS estão desde a primeira hora na ajuda às comunidades que servem, fosse servindo de porto de abrigo no auge do incêndio, seja no apoio indireto às populações nos dias que correm, já que a coordenação desse apoio está centralizado nas autarquias.
Prova disso é a mensagem deixada no Facebook pela Casa do Povo de Tábua: «A Casa do Povo de Tábua associou-se desde a primeira hora com a onda solidária para acolher as vítimas dos incêndios e continua obviamente pronta para ajudar no que for necessário, quer em termos logísticos (com a cedência da nossa carrinha) quer com os nossos recursos humanos”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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