JUNHO 2018

COOPERAÇÃO (Conclusões do Encontro Nacional)

1. A rede capilar de serviços sociais prestados pelas IPSS em todo o País, a todos, mas preferencialmente aos mais desprotegidos, desde o litoral urbano às periferias despovoadas do interior, corresponde a um mandato e possui um fundamento constitucional, integrando a arquitectura do modelo português de protecção social. São, com efeito, os artigos 63º (4) e 84º da Constituição da República que impõem ao Estado o dever de apoiar as Instituições Particulares de Solidariedade Social e de as integrar no sistema integrado, participado, descentralizado e universal da Segurança Social, como um dos pilares desse sistema.
A atividade desenvolvida pelas IPSS no âmbito da Solidariedade e Segurança Social é prosseguida, assim, em nome e por direito próprio, na sequência e com uma legitimidade que radica numa tradição e numa História multissecular de serviço aos outros, que a Constituição da República consagrou.
A previsão normativa que vem estabelecendo o modo como a acção solidária das IPSS se desenvolve, nas sucessivas Leis de Bases da Segurança Social e nos diplomas estatutários das mesmas Instituições, não corresponde a um arbítrio, embora virtuoso, dos sucessivos governos e maiorias parlamentares, antes traduz o cumprimento de um dever supralegislativo, conformador da forma e dos valores como se organiza o Estado.
Tal dever impõe-se a todas as forças políticas que se vão revezando no exercício do poder executivo, inscritas no âmbito dos valores e princípios constitucionais – no chamado “arco parlamentar”.
A ação das IPSS não é, pois, desenvolvida por delegação do Estado, em vez do Estado ou por favor do Estado – constituindo, pelo contrário, um pilar a par do Estado no prosseguimento do bem comum.
É por tal razão que a articulação entre as IPSS e o Estado, no que à acção social diz respeito, não é uma relação de complementaridade, mas de parceria e cooperação – para que nenhum dos pilares se desequilibre e faça desarticular-se a estrutura.
Não é só a razão formal do imperativo constitucional que impõe o papel acima descrito para as IPSS; elas asseguram serviços sociais de qualidade, com a proximidade que permite o foco na pessoa do outro e com a humanidade que assegura a solidariedade concreta, direta, pessoa a pessoa.
E serviços também mais baratos – embora isso não seja um bem em si, mas apenas o modo de, num País em que os recursos foram sempre escassos, chegar a mais beneficiários e assim aproximar-se do objetivo da universalidade do acesso aos bens públicos de que as Instituições, em cooperação com o Estado, dão provisão.

2. Esta “otimização dos recursos disponíveis, de modo a possibilitar melhores prestações sociais, assentes nas relações custo/benefício/qualidade dos serviços” constitui, aliás, objetivo explícito constante do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, na sua Cláusula II, 1., e).
Ainda a este propósito, importa desmistificar a alegação, normalmente apresentada de forma hostil, de que são avultados os recursos públicos afetos à política de cooperação.
Mais de 60% dos valores do Orçamento do Estado atribuídos aos acordos de cooperação retornam ao perímetro orçamental, do Estado ou da Segurança Social, através da tributação e da TSU.
O Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, de 19 de Dezembro de 1996, subscrito pelo Primeiro-Ministro, pelos Presidentes da ANMP e da ANAFRE e pelos dirigentes das organizações representativas das Instituições de Solidariedade e consagrado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 21/97, de 12 de Fevereiro, traduz, com grande fidelidade e atualidade, estes princípios e objetivos acima elencados, acrescendo-lhes, inovatoriamente, designadamente no seguinte:
- o alargamento da parceria e da cooperação, para além da área tradicional da Segurança Social, às áreas da Saúde, da Educação, da Qualificação e do Emprego, da Justiça, do Equipamento, Planeamento e Administração do Território e das Finanças;
- o estabelecimento da orientação de que o apoio financeiro relativo às modalidades de cooperação terá por base o custo médio das respostas sociais.

3. Não obstante este enquadramento, que corresponde ao quadro normativo e regulador ainda vigente, o espírito da cooperação e da parceria nem sempre está facilitado: alguns Serviços do Estado amiúde lidam mal com a autonomia e a identidade das Instituições, preferindo uma equívoca relação de tutela, entre senhor e súbdito, de duvidosa legitimidade jurídica, à paridade que resultaria do compromisso constitucional.
Os instrumentos fundamentais da política de cooperação, como os Compromissos bienais ou os Protocolos celebrados sempre de boa fé, nem sempre são respeitados pela parte pública.
Os serviços de acompanhamento da Segurança Social, que assumiam em regra uma posição de colaboração e de pedagogia na relação de proximidade com as Instituições, vêm sendo convertidos a uma perspetiva fiscalizadora hostil e marcada pela suspeição como sistema, com prejuízo para a tranquilidade da gestão da grande maioria das Instituições – gestão cuja qualidade é o oposto ao preconceito que vem sendo induzido contra a sua transparência e bom serviço.
Essa alteração não tem como origem apenas a reconhecida diminuição dos recursos humanos do ISS, ao longo dos anos.
Decorre também da progressiva concentração e centralização em Lisboa de grande parte das competências que se encontravam historicamente atribuídas às entidades regionais do sistema público de Segurança Social, o que representa um retrocesso no princípio da proximidade que deve marcar as políticas sociais – aliás, de constitucionalidade duvidosa, tendo em conta o princípio da efetiva descentralização do sistema de Segurança Social consagrado pelo art.º 63º, 1 da Constituição.
As razões que porventura possam valer para justificar a unificação centralista do sistema de pensões e das prestações do regime contributivo não só não valem, como são incompatíveis com os princípios da ação social, como a flexibilidade e a proximidade.
Os grupos de trabalho constituídos no âmbito dos Protocolos e Compromissos de Cooperação, com vista ao diagnóstico conjunto dos constrangimentos atualmente existentes na política de cooperação e à sua sanação, têm vindo a ser adiados no seu percurso.
Mantendo a insegurança no que toca a domínios de ação das Instituições tão relevantes como são a educação pré-escolar e o acompanhamento do RSI, ambas previstas na Cláusula IV do Pacto de Cooperação.
O mesmo sucedendo na indeterminação dos custos médios, o que tem conduzido à progressiva asfixia financeira da gestão das Instituições e à sua insustentabilidade a breve prazo.
A participação das organizações representativas das Instituições no processo legislativo relativo a medidas que lhes digam respeito, estabelecida como vinculação no Decreto-lei nº 120/2015, de 30 de Junho, não tem sido tão concretizada nem eficaz como a cooperação o supõe e exige.
Urge avançar com o processo de revisão legislativa, prevista desde a Adenda ao Compromisso de Cooperação para 2016, tendo como objetivo a discriminação positiva das instituições de solidariedade no quadro fiscalizador e sancionatório, bem como a finalidade de assegurar a sua sustentabilidade, permanece imóvel.
Mesmo perante todas as dificuldades, as Instituições não transigirão nunca no que respeita ao cerne da sua matriz: garantir o acolhimento preferencial das pessoas e famílias em situação de maior desfavorecimento.

Lino Maia

 

Data de introdução: 2018-06-11



















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