Em democracia, nada é definitivo. E nada é definitivo, porque a democracia pressupõe a realização cíclica de eleições, e os resultados dessas consultas podem alterar, muitas vezes significativamente, o cenário político vigente até à sua realização.
Vem isto a propósito das eleições presidenciais brasileiras, cujos resultados foram largamente comentados dentro e fora daquele país, como aconteceu em Portugal. No nosso caso concreto, esse interesse compreende-se perfeitamente, tendo em conta os laços históricos e afectivos que ligam os dois povos. De qualquer modo, o peso económico e político que o Brasil tem na América Latina e no mundo justifica perfeitamente o interesse mediático com que foram acompanhadas estas eleições A primeira volta traduziu-se numa vitória clara do candidato da direita, ou da extrema direita, em que o situava a maioria dos comentadores internacionais. De qualquer modo, muita gente ficou ainda com alguma esperança em que a segunda volta pudesse mudar o rumo dos acontecimentos. Mas aconteceu o que se sabe: o resultado definitivo das eleições veio confirmar uma clara viragem à direita naquele país.
As razões desta viragem já foram motivo de muitas análises, mas para além de naturais diferenças interpretativas, parece haver uma explicação comum e mais ou menos consensual: a de que os resultados do dia vinte e oito de outubro traduziram uma clara rejeição da classe política dominante, a qual os eleitores atribuíram a responsabilidade pela degradação moral e económica a que o Brasil chegou. E como o PT se transformou no símbolo dessa degradação, o seu representante na corrida à presidência, Fernando Haddad, acabou por ser o grande derrotado desta consulta eleitoral. O grande derrotado, sobretudo porque, ainda por cima, perdeu para um candidato sem qualquer prestígio, um candidato sujeito sistematicamente a acusações políticas e pessoais de toda a ordem e que seria, por isso, pelo menos aparentemente, incapaz de convencer o povo brasileiro a escolhê-lo para o mais alto cargo político do país. Apesar disso, o delfim de Lula da Silva perdeu redondamente e, com ele pode dizer-se que perdeu também toda a esquerda brasileira, mas não só.
Nos anos noventa do século passado e na primeira década deste século, muita gente falou da deriva esquerdista que parecia estar a inundar a América Latina, desde Cuba aos novos bastiões marxistas ou filo marxistas deste subcontinente, como a Venezuela, a Nicarágua ou a Bolívia. Agora, com a tragédia social que atinge a Venezuela, as tensões que agitam a Nicarágua, e a derrota do candidato do PT no Brasil, bem se pode dizer que a deriva é outra…
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