Durante 10 semanas alguns idosos em lar devem ter feito um exercício semelhante aos reclusos que riscam nas paredes os dias que faltam para recuperarem a liberdade. A 7 de Março, quando Portugal registava 21 casos de infeção e nenhuma morte por causa da Covid-19, as visitas a hospitais, lares e estabelecimentos prisionais da Região Norte eram suspensas temporariamente, num anúncio da ministra da Saúde, Marta Temido.
72 dias depois, a 18 de maio, a Direção-Geral da Saúde aceitou agendar o início do regresso das visitas, tendo publicado uma informação que definia os requisitos para que elas fossem retomadas nas Estruturas Residenciais para Idosos e Unidades de Cuidados Continuados Integrados.
Foi o dia da liberdade para muitas dessas pessoas que foram privadas de contactos sociais e familiares sem aviso prévio, pedido de desculpas ou explicação. Quantas dessas pessoas terão vivido estes dois meses e meio sem encontrarem razões para a suspensão da linguagem dos afetos? Quantas dessas pessoas terão vivido a privação das manifestações sentimentais como se de um castigo injusto se tratasse?
Sendo os mais idosos o principal grupo de risco do novo coronavírus a medida foi tomada sem consulta aos próprios, mas com o supremo argumento da própria proteção sanitária. Por outras palavras: para reduzir a probabilidade de morte.
No conjunto do Sector Social Solidário (União das Mutualidades, União das Misericórdias, Confecoop e Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade), haverá cerca de 1.500 lares, com cerca de 80.000 utentes. Só para que se tenha uma ideia, o sector emprega cerca de 340 mil trabalhadores e apoia cerca de 800 mil utentes dos quais 300 mil são idosos.
Para além desses lares do Sector Social Solidário há, também, lares do sector lucrativo e muitos lares ilegais.
No universo das associadas da CNIS, pelo menos 900 Instituições têm lares, com Serviço de Apoio Domiciliário e Centros de Dia e algumas delas também têm Cuidados Continuados. Só no continente são 847 Instituições e cerca de 50 nas Regiões Autónomas. Para além desses lares de idosos há, também os lares residenciais, para pessoas com deficiência.
Em síntese, estima-se que, ao todo, cerca de 150 mil idosos passaram por esta reclusão sanitária a propósito da Covid-19.
Quando ocorreu a primeira morte em Portugal atribuída à pandemia, no dia 16 de março, o Norte do país era geograficamente o principal foco de contágio e os lares de idosos, à imagem do que se passava noutros países, começavam a ser apontados como o principal alvo da doença, com muitas críticas à mistura pela forma como não se tinham preparado para a situação de emergência. Soube-se, entretanto, que na Casa de Saúde da Idanha, em Belas, arredores de Lisboa, 10 utentes estavam infetados; um lar em Vila Nova de Famalicão fica sem funcionários depois de oito terem dado positivo à Covid-19; em Vila Real, o presidente da Câmara alertava para a existência de 20 utentes e funcionários de um lar infetados com Covid-19. Havia razões para temer o pior.
A organização do sector social solidário, desde os dirigentes máximos aos voluntários, a ligação direta com os responsáveis políticos, a cooperação ativa com as autarquias, o profissionalismo, a disponibilidade e a versatilidade dos recursos humanos das IPSS, a compreensão e a confiança das famílias, a colaboração cúmplice dos utentes e o exercício estrutural da solidariedade, como modo de intervenção, fizeram com que a situação ficasse sob controlo.
A 9 de maio, a diretora-geral da Saúde, Graças Freitas, dava conta de 450 mortes em lares em Portugal devido à covid-19, mas fazia questão de referir que a situação estava controlada, com uma mortalidade “abaixo” de outros países europeus. “Existe mortalidade nestas instituições, mas em Portugal, felizmente, os números em termos percentuais até se colocam abaixo do que tem sido reportado a nível da Europa”, afirmou a responsável, falando na conferência de imprensa diária relativa à evolução da pandemia no país. Graça Freitas adiantava uma explicação: “Reflete, creio eu, o que tem sido o cuidado intensivo de todas as entidades envolvidas junto destes lares”, falando numa “intervenção precoce” feita pelas autoridades, nomeadamente através de rastreios e da deteção e separação de casos positivos.
O presidente da CNIS, em entrevista à edição de Maio do SOLIDARIEDADE afiançava que “está reinstalada uma certa serenidade e confiança. Durante algum tempo parece que alguém desejava que algo semelhante a outros países acontecesse entre nós. Mas devo referir que a realidade portuguesa é muito diferente: estas instituições, que brotam das comunidades, têm muita qualidade, têm dirigentes voluntários muito diligentes e têm trabalhadores muito dedicados.” Como dizia Lino Maia, o trabalho das IPSS fez a diferença: “nunca resvalámos para uma situação incontrolável. Houve problemas e continuará a haver problemas. Mas houve controlo para conter a sua dimensão. E há muita arte e muita dedicação, muito coração e muito engenho para minorar e vencer as dificuldades.”
O padre Lino Maia foi o primeiro a falar na necessidade dos idosos voltarem a ter direito ao afeto a que estão habituados nos lares que frequentam. “As instituições têm recorrido a muitos meios para manterem as famílias em contacto com os seus Idosos em lares. Pelo telefone, pela Internet, por mensagens e pelos meios que as novas tecnologias proporcionam… Os idosos estão encerrados nos seus lares há mês e meio… Temos de começar a anunciar que esta situação não é para eternizar, que vai ter um fim e, quanto possível, temos de situá-lo…”
18 de maio. Foi a data anunciada contra a vontade da União das Misericórdias que defendia a necessidade de mais tempo para se preparar o desconfinamento.
A Direção-Geral da Saúde determinou que as instituições deviam criar um plano de operacionalização das visitas e identificar um profissional responsável pelo processo, informando os familiares e os visitantes sobre as condições das visitas. Devem ser agendadas previamente e deve haver um registo dos visitantes com registo de dados como a data, hora, nome, contacto e residente visitado. Todas as visitas devem cumprir regras de distanciamento físico, etiqueta respiratória e higienização das mãos. As pessoas com sinais ou sintomas de Covid-19 ou que tenham contactado com um caso suspeito ou caso confirmado nos últimos 14 dias não devem realizar ou receber visitas. Além de serem marcadas previamente, as visitas devem ter um tempo limitado, não devendo exceder os 90 minutos. Os visitantes devem utilizar máscara, preferencialmente cirúrgica, durante todo o período de permanência na instituição e não devem levar objetos pessoais, géneros alimentares ou outros produtos. É recomendado que cada utente tenha uma visita por semana, mas este limite “pode ser ajustado mediante as condições da instituição”. Os visitantes não devem circular pela instituição nem utilizar as instalações sanitárias dos utentes, sendo que poderá ser definida uma instalação sanitária de utilização exclusiva pelos mesmos. A instituição também deve acautelar uma série de medidas, nomeadamente que a visita decorre em espaço próprio, amplo e com condições de arejamento (idealmente, espaço exterior), não devendo ser realizadas visitas na sala de convívio dos utentes ou no próprio quarto, exceto nos casos em que o utente se encontra acamado.
O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade, no balanço do primeiro dia de visitas, considerava que o país estava "dentro de uma nova normalidade de visitas a lares", que são "poucas, cuidadosas e programadas", para diminuir o risco de infeção dos utentes, que representam o segmento da população com maior risco de mortalidade associado à covid-19.
Lino Maia, duas semanas depois do desconfinamento dos idosos em lares, diz ao SOLIDARIEDADE que “as visitas estão a decorrer com satisfação e sem quaisquer problemas e já há muitas instituições em que todos os seus idosos, nomeadamente os não acamados, já receberam uma primeira visita”.
V.M.Pinto texto
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