O País tem andado a ouvir todo um conjunto de ideias com vista a serem aproveitados os muitos milhões de euros provenientes da Europa. Sobre o que é preciso fazer as coisas parecem mais ou menos claras, embora escasseiem ideias sobre prioridades a definir. Também não se tem discutido uma questão, para mim decisiva, e que tem a ver com o como se vai fazer e com quem. Dou um exemplo que os dirigentes das IPSS conhecem bem: uma coisa é afirmar que vão ser criadas uns milhares de camas destinadas a doentes que carecem de cuidados continuados, outra coisa é dizer onde e como vão ser criadas. Em instituições do Estado, no setor privado, nas IPSS, ou nas Misericórdias, ou nas quatro? E se as novas camas forem repartidas por esses quatro tipos de instituições qual a percentagem que o Estado pensa outorgar pelos serviços prestados? Não basta afirmar apenas o que se vai fazer. É preciso saber como fazer e com quem. E sobre isso há apenas ideias muito vagas. Daí tenho de concluir que não me parecem existir ainda condições para um envolvimento de múltiplos atores para as coisas corram bem e depressa.
Outro exemplo resulta de um estudo divulgado recentemente pelo Professor Augusto Mateus sobre a Reforma da Saúde em que a ideia central é que seja criado um compromisso formal entre o Estado e os setores social e privado para que as suas atividades sejam devidamente articuladas em benefício do bem comum. Trata-se de uma excelente sugestão que vai de encontro às tendências do nosso tempo em que só há a ganhar quando uma sociedade consegue atingir plataformas de equilíbrio que suscitem que cada grupo não se sente marginalizado nem injustiçado na distribuição de tarefas que lhe estão cometidas e se consegue criar elevados níveis de compromisso que a todos envolva e responsabilize. E, por falar em desequilíbrios, não podem existir dúvidas que na área social de há muito que existe um profundo desequilíbrio entre o valor real dos serviços prestado à sociedade pelas IPSS e Misericórdias e o valor porque são comparticipadas pelo Estado. Este tipo de situação pode ser tolerado por um determinado espaço de tempo, até porque se trata de instituições que têm uma missão associada a valores identificados com o bem comum e que têm revelado uma notável capacidade de imaginação, adaptação às circunstâncias e muita resiliência. Apesar disso, não podemos ignorar os efeitos ligados a sentimentos de desespero, de desmotivação e de perda de esperança que os sinais de injustiça, permanentemente exibidos, sempre provocam.
No último dos programas dessa extraordinária profissional que é Fátima Campos Ferreira intitulado “Prós e Contras”, falou-se da necessidade de haver um “chão comum”, como algo de imprescindível para que todos se envolvam nos desafios que o País tem de enfrentar. Temos de ter a consciência que hoje esse chão não está em bom estado. Está sujo, com lama e exibe sinais de severa podridão. Basta ver os níveis de corrupção que envolvem figuras e instituições que deveriam, em tempos normais, estar acima de qualquer tipo de suspeita. Se um “chão comum” limpo é condição para a existência de um verdadeiro contrato social, então há que começar por organizar a sua limpeza.
Vem isto a propósito do País ir ter acesso a avultadas verbas provenientes da União Europeia verbas, entre as quais se conta muito dinheiro com origem no chamado programa “Next Generation Europe” para serem investidas entre 2021 e 2023, com a condicionante de 70% das autorizações terem de ser dadas em 2021 e 2022 e as restantes 30% em 2023, o que evidencia a grande pressão que é colocada na urgência da preparação de projetos.
Dada esta condicionante de urgência, seria aconselhável que muito rapidamente as autoridades nacionais definissem uma espécie de “voucher”, destinado às Instituições Sociais, em que ficasse claro o volume financeiro disponibilizado e o tipo de projetos que poderiam ser financiados. Na definição desse “voucher” deveria ser ainda previsto a forma de gerir todo o processo. O maior risco que identifico na situação que vamos atravessar é que parte significativa dessas verbas venham a ser canalizadas para cobrir despesas correntes dos Ministérios. Daí que recomende muito vivamente que todo o processo fosse gerido através de um Comissariado, com uma forte delegação de poderes e em que as Instituições Sociais teriam de estar devidamente representadas.
Maia, 3 de outubro de 2020
José A. Silva Peneda
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