O medo instalou-se. É indisfarçável. Os números das últimas semanas anunciam o pior e as entidades oficiais confirmam. Teme-se a rotura nos hospitais. Entretanto, perante uma percentagem de ocupação de camas hospitalares que se situa em cerca de 70%, a Ministra da Saúde fez a previsão que a situação pode vir a evoluir para o dobro, isto é, muito para além da capacidade instalada nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Anunciou, porventura sem se aperceber, que a rotura vem aí. O Secretario de Estado Adjunto da Ministra da Saúde fez outra afirmação bizarra, ao dizer que quando chegar esse ponto então poder-se-á considerar a hipótese de recorrer aos setores privado e social. Então não se sabe que encetar negociações em momentos em que não existem alternativas para uma das partes está-se implicitamente a favorecer os interesses da outra parte que percebendo que o seu papel é insubstituível vai subir o seu preço. A este respeito foi degradante e desprestigiante a situação em que o responsável pela Administração Regional da Saúde de Lisboa e Vale do Tejo viu recusado um pedido de apoio ao setor privado. Na Região Norte foi possível um entendimento com uma unidade hospitalar privada, na base de umas pífias dez camas. Este é tipicamente um assunto que não deve ser do foro de serviços regionais. Como é possível não tratar deste tipo de assuntos ao mais alto nível do governo e da administração e de uma forma global? Este é mais um exemplo de que não há nem planeamento, nem uma cadeia de comando na luta contra a pandemia.
É de facto inexplicável a total ausência de planeamento para preparar respostas que se sabiam ser necessárias porque todos os especialistas nos falaram de uma segunda vaga da pandemia que seria mais intensa e forte do que a primeira. Porque não se preparou durante o verão, juntamente com o setor social e privado, um plano capaz de dar repostas eficazes a cenários como os que estamos a viver? Nesse plano deveriam estar previstas número de camas a mobilizar, pessoal a recrutar, recursos financeiros necessários, o preço do serviço prestado pelos setores social e privado ao Serviço Nacional de Saúde e a definição de um sistema de acompanhamento permanente da execução desse plano. Mais, poder-se-ia definir qual o tipo de doentes a abranger nessa colaboração, para além dos doentes Covid, para evitar que não aumentassem os cancelamentos de cirurgias, de diagnósticos e de consultas. O grave é que esse plano que deveria mobilizar, de forma coordenada, todos os recursos disponíveis no País não existe e, pelos vistos, nunca existirá. Quando a rotura acontecer, o Serviço Nacional de Saúde irá, em posição muito débil e sem nenhum poder negocial, implorar uma ajuda que não estando devidamente planeada vai ser negada, como já aconteceu em Lisboa e Vale do Tejo ou será fornecida muito cara, em ambiente de trapalhada e confusão e, quando as coisas correrem mal, assistiremos ao que é normal, a um passar de culpas de uns para outros.
A nível local reina a desorientação. Assistimos a cada município a dar palpites sobre o que deve ser feito. Não existe qualquer tipo de orientação que possa enquadrar as medidas a tomar a nível local e vai-se decidindo caso a caso. Também aqui a ausência de planeamento é gritante. Não parecia ser muito difícil de, a tempo, preparar uma espécie de tabela em que as medidas a implementar seriam tomadas por cada município em função de critérios muito objetivos, como por exemplo, o número de infetados, por dez mil habitantes e criar uma escala, por exemplo de 1 a 5, em que as medidas a tomar ficassem claramente definidas para cada um dos níveis da escala, em que o nível 5 ficasse reservado para confinamento total, como aconteceu na primeira fase da pandemia em Ovar. A aplicação das medidas seria da responsabilidade das Câmaras Municipais. Esta metodologia deveria ter sido preparada com a colaboração de profissionais especializados, com o envolvimento das Câmaras Municipais e teria a enorme vantagem de evitar decisões casuísticas e tardias, que normalmente criam confusão, instabilidade e a perceção de injustiças relativas, como aconteceu recentemente nos concelhos do Vale do Sousa.
Maia, 30 de outubro de 2020
José A. da Silva Peneda
Não há inqueritos válidos.