No dia 15 de janeiro de 2021, a CNIS assinala 40 anos de existência e poucas dúvidas há de que desde o ano de 1981, o último ano foi o mais difícil para a Confederação, as instituições associadas, os utentes e trabalhadores das IPSS, aliás como para o todo coletivo português. O propósito das 43 instituições fundadoras, da então, União das IPSS era, acima de tudo, ser o rosto e a voz de milhares de IPSS que há muito asseguram a ação social no país. Com a mudança para CNIS, o propósito manteve-se, mas há lutas que persistem para que se alterem algumas das relações com o Estado. A sustentabilidade das instituições versus o subfinanciamento crónico do Sector Social Solidário é uma dessas lutas que persiste, mas que a CNIS insiste em ver terminada a contento de todos, em especial, das centenas de milhar de utentes e de trabalhadores que acolhem.
A 15 de Janeiro de 1981 era oficializada por escritura pública a União das Instituições Privadas de Solidariedade Social (UIPSS), a qual teve 43 outorgantes delegados de outras tantas instituições de todo o país.
Iniciava-se assim um novo capítulo no diálogo e na ação social em Portugal, consequência direta da aprovação das conclusões do II Congresso das Instituições Privadas de Solidariedade Social, no qual participaram 298 organizações, representativos de todos os distritos e das regiões autónomas, e que decorreu nos dias 14 e 15 de junho de 1980, no Porto.
“Porque, de facto, acreditamos no valor inegável das Instituições Privadas de Solidariedade Social na melhoria das condições de vida do povo português, porque, de facto, esperamos continuar a contribuir para dar a Portugal mais justiça e mais solidariedade, anunciamos a todos que não desistiremos, não deixaremos de nos bater para que seja feita justiça a quem trabalha por amor aos Homens na construção quotidiana deste país”, afirmara o padre Marinho Cia no encerramento os trabalhos do II Congresso, depois de anunciar que chegara “o momento de institucionalizar a unidade das Instituições Privadas de Solidariedade Social através da constituição de uma União que seja o verdadeiro parceiro social com que o Governo dialogue. Parceiro social com voz e voto sobre tudo o que à Solidariedade Social diga respeito”.
Ser o rosto e a voz de milhares de, à altura denominadas, Instituições Privadas de Solidariedade Social (IPSS) que por todo o país trabalham em prol da solidariedade social, sempre com o foco nos mais desfavorecidos e desvalidos da vida, era o propósito da novel organização, que pretendeu, desde início, aglutinar as IPSS, em toda a sua diversidade, não só para que a prossecução dos seus objetivos fosse assegurada de forma livre e autónoma, mas até para a própria sobrevivência das instituições, face às tentativas, diretas ou indiretas, de apropriação por parte do Estado.
No virar de século, a UIPSS consolidava-se e assistia a um aumento sustentado de filiações, contando cerca de duas mil.
No entanto, as dores de crescimento começavam a fazer-se sentir, exigindo mudanças estruturais na organização da União.
A complexidade da estrutura interna da União, assente em Órgãos Nacionais e Secretariados Distritais; o elevado número de instituições filiadas, que justificava a criação de estruturas de âmbito regional mais representativas; o facto de haver Federações associadas, com um nível associativo superior à União; a necessidade de se constituir numa estrutura representativa que pudesse acolher todas as instituições de solidariedade que quisessem aderir, independentemente da sua forma jurídica, foram razões suficientes para que começasse a emergir a necessidade de reorganização de toda a estrutura existente e, consequentemente, a correspondente alteração estatutária.
Nesse sentido, em Assembleia Geral, realizada a 7 de julho de 2001, foi deliberada a alteração da União para Confederação, bem como a respetiva reformulação estatutária, ajustada aos novos objetivos, entretanto, definidos.
Assim, através de escritura pública de 23 de janeiro de 2003, a União das Instituições Particulares de Solidariedade Social (UIPSS) dá lugar à Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS).
Nos novos estatutos estão definidos os fins que a CNIS prossegue, dando sequência à missão da sua antecessora:
- Representar as IPSS;
- Defender e promover o quadro de valores e de interesses comum às, entretanto, denominadas, Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS);
- Preservar a identidade destas instituições;
- Acautelar a sua autonomia, sobretudo ao nível da livre escolha da organização interna e áreas de ação, bem como da liberdade de atuação;
- Desenvolver e alargar a base de apoio da solidariedade, quanto à sensibilização para o voluntariado e à mobilização das comunidades para o desenvolvimento social e luta contra a exclusão social;
- Promover o desenvolvimento e apoiar a cooperação entre as IPSS, contribuindo desta forma para o reforço da sua organização e intervenção junto das comunidades.
E se, em 1980, os fundadores consideravam essencial a união e comunhão de todas as IPSS para, assim, melhor responderem às necessidades da comunidade e, ainda, melhor defenderem os seus interesses junto do Estado, os 40 anos de existência da CNIS, do que ela representa e tem feito, comprovam-no na plenitude.
A CNIS, ao longo dos anos, tem crescido e tem consolidado a sua posição como interlocutor privilegiado das IPSS, sendo-lhe amplamente reconhecido o mérito pelo trabalho desenvolvido.
Têm sido muitas, duras e desgastantes as batalhas, especialmente quando a crise económico-financeira que se abateu sobre Portugal ali pelos anos de 2008, 2009 e 2010 ou, exemplo maior, a pandemia que o país e o mundo vivem atualmente.
Não é de mais lembrar que na crise de 2010, as IPSS foram consideradas pela generalidade das entidades nacionais “a almofada social do país”, um momento muito difícil para os portugueses e que só a ação abnegada das IPSS conseguiu atenuar.
Mas também os tempos atuais não têm sido fáceis e a crise pandémica da Covid-19 exigiu às IPSS e à CNIS esforços redobrados para poderem acudir a quem precisa. Se numa primeira fase, e até pelo encerramento de algumas respostas sociais – como as creches, o pré-escolar e o ATL ou os centros de dia, os centros de convívio ou os CAO para a deficiência, entre outras –, as instituições tiveram que se adaptar e recriar rapidamente para apoiar muitos destes utentes no domicílio ou à distância, no momento atual muitas delas lidam já com as consequências económico-sociais da primeira fase da pandemia. E, uma vez mais, aí estão elas na primeira linha a apoiar quem mais precisa.
Também aqui o papel da CNIS foi essencial, congregando vontades e meios para auxiliar as instituições, por exemplo, com equipamento de proteção individual, na disseminação das recomendações da Direção-Geral da Saúde, dando voz aos problemas sentidos pelas instituições e na defesa do reconhecimento do trabalho das IPSS.
Salvaguardar e robustecer o papel essencial que as IPSS desenvolvem na sociedade portuguesa tem sido a missão da CNIS ao longo de quatro décadas de existência.
No entanto, há problemas, como o subfinanciamento do sector ou as intromissões e inspeções abusivas, entre outros, que continuam a afetar a vida das instituições, apesar dos constantes alertas da CNIS junto dos gabinetes ministeriais e dos departamentos do Estado.
À cabeça das preocupações da CNIS há muito que está a sustentabilidade das instituições, provavelmente, a maior e mais longa batalha da Confederação.
Entre os muitos e significativos contributos da CNIS, ao longo dos 40 anos da sua existência, a participação na elaboração e subscrição do Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, a 19 de dezembro de 1996, é, seguramente, um dos mais relevantes, por ter, de certa forma, balizado e estabelecido a articulação entre o Estado e o Sector Social Solidário em termos de ação social e não só.
Este é um momento histórico na relação entre as duas entidades, que este ano assinala 25 anos, sendo que, nos dias que correm, se designa por Compromisso de Cooperação para o Sector Social Solidário e tem duração bianual.
É também aqui que a CNIS encontra um dos seus principais argumentos na luta pela sustentabilidade das IPSS, pois emana do documento de 1996 que a comparticipação do Estado às IPSS pelos serviços prestados não deve ser inferior a 50% dos custos, sendo que atualmente se situa perto, mas ainda abaixo, dos 40%.
E se esta luta se prende, acima de tudo, com exigências em manter a qualidade dos serviços, a verdade é que outros problemas crónicos preocupam os dirigentes da CNIS e das IPSS, como seja a reestruturação de muitas respostas e o seu financiamento e a (baixa) remuneração dos trabalhadores.
Para quem dúvidas tivesse, nunca como antes desta pandemia que vivemos foi tão evidente a importância dos dirigentes e trabalhadores das IPSS, sejam técnicos, auxiliares ou outros. A sua abnegação, dedicação, resiliência e competência foram postos à prova e, face a todos os condicionalismos, constrangimentos e incertezas, é impossível pedir-se-lhes mais.
Disso mesmo deu nota o presidente da CNIS, num encontro público, no final de 2020, com o primeiro-ministro António Costa.
Valorizando a abnegação com que dirigentes e trabalhadores das IPSS têm enfrentado “um misterioso vírus que em poucos meses colocou o mercado financeiro em alerta, desacelerou a economia global, modificou os hábitos quotidianos, reavivou medos ancestrais e pôs em xeque os líderes do planeta”, o padre Lino Maia defendeu ainda que “há compromissos e lealdades, profissionais ou voluntários, que não se pagam com ‘salários’, mas com ‘honorários’ quer dizer com reconhecimento social a quem, para além das suas obrigações legais, presta uma atenção de excelência correndo riscos, porque sabe que na relação assistencial não só se joga a dignidade da pessoa atendida (acariciada, alimentada, cuidada, educada, lavada, protegida ou tratada), mas o próprio projeto de autorrealização pessoal”.
Diga-se que, olhando a realidades de países vizinhos e bem próximos, o ataque da pandemia nos lares residenciais das IPSS, sejam elas de terceira idade ou de deficiência, salvo um ou outro caso mais grave, foi bem distinto… para melhor.
E, talvez, senão mesmo, o mais importante é que ninguém foi abandonado. Nas instituições ou no domicílio, fossem utentes ou desvalidos da pandemia, ninguém ficou para trás.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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