1 – Fez por estes dias um ano que a pandemia entrou no nosso País.
Os números – esse vício que nos agarra diariamente aos noticiários da televisão, ou ao site da Direcção-Geral da Saúde, a tentar vislumbrar um sinal positivo, mesmo que precário e incerto, como tudo parece ser nestes dias de chumbo – os números (repito), quer dizer, as trágicas estatísticas que dissolvem cada dor ou cada luto concreto, inverteram, nas últimas semanas – é um facto! - a vertigem do mês de Janeiro, que nos conduziu ao pouco abonatório lugar do fundo na comparação com os demais países.
Na verdade, entrado Março, afigura-se como uma possibilidade séria um novo ensaio – como no Verão passado –, de regresso a uma relativa normalidade.
Mas também não é seguro que assim seja.
Nos últimos dias, deixou-se transparecer a ideia de que, embora o Presidente da República convirja com o sentimento dominante, no sentido de iniciar o chamado desconfinamento – embora aos bochechos, como diria o antigo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça –, o Governo estará mais reticente, não querendo correr o risco de repetir o erro que nos levou à tragédia de Janeiro passado. No que é acompanhado pelos especialistas, ou pela maior parte deles, que diariamente concorrem com os jornalistas nos noticiários televisivos e que já são quase da família, com lugar permanente à nossa mesa.
Logo mais veremos para que lado se inclina a decisão sobre essa reabertura parcial à nova normalidade; mas uma coisa é certa: as estatísticas não têm sido tão sinistras, e isso aparece como uma aragem, para quem quer sair do pesadelo.
É talvez temeridade minha pretender tirar já algumas notas, ou conclusões, deste tempo que não pensáramos passar, tendo em conta que não estará para já o fim da pandemia.
Mas, no esforço imenso de reconstrução que vai ser necessário levar a cabo para ultrapassar os efeitos da crise, seja no plano sanitário, seja no plano social, seja no plano económico, haverá porventura vantagem em ir estabilizando algumas ideias e consolidando certas conclusões – para não debater tudo desde o início, quando chegar o tempo de recuperarmos o nosso País.
É certo que, como sempre acontece, e com mais força ainda após fracturas sociais como aquela em que ainda estamos, não faltará quem queira construir um mundo novo, desde os alicerces, renegando a herança das anteriores gerações, como se tal fosse possível, ou desejável.
Como se se pudesse fazer um “delete” do passado.
Com efeito, tempos cataclísmicos induzem por vezes utopias salvíficas, de transformação radical do mundo que nos coube – e as experiências passadas não são de molde a imitar-lhes os meios e os propósitos.
Como diria o Eng.º António Guterres, quando foi sagrado Primeiro-Ministro, a mudança quer-se tranquila.
2 – Voltemos então ao que é legítimo dar como mais ou menos adquirido, nesta precariedade difusa que marca os dias de hoje.
O processo de vacinação nos lares, que tem corrido bem, permite ter a esperança, e a expectativa, de já não variarem muito, do ponto de vista da letalidade, e em sentido negativo, os indicadores actuais.
Claro que cada morte é irremediável – e, nem agora, nem quando a pandemia nos deixar, ninguém nos trará de volta os que foram por ela ceifados.
Serão sempre muitos; serão sempre demais ...
Mas, se tivermos em conta que esta peste atinge com maior gravidade principalmente os mais velhos, e quando pensamos para o futuro, não podemos deixar de recordar que, apesar de tudo, os efeitos mortais nas pessoas residentes em lares não foram tão devastadores em Portugal como o foram nos demais países.
Portugal ficou, durante a presente vaga pandémica, no pior lugar no concerto das nações; mas é ao mesmo tempo o país onde a proporção das mortes em lares de idosos é menor.
Não há acasos: é legítimo pensar que, se temos um modelo de funcionamento e gestão das respostas sociais – designadamente do que aqui trato, a protecção dos mais velhos –, que é singular no concerto das nações; e se, nesse contexto, apresentamos resultados menos sinistros do que os demais países no volume dos casos fatais, decerto haverá relação de causa e efeito entre as duas constatações.
Não foi novidade; já o sabíamos. Mas parece fora de causa que o facto de a rede capilar de respostas e serviços de protecção social que asseguram entre nós essa obrigação do Estado estar confiada, na sua maior parte, às Instituições de Solidariedade é a razão diferenciadora de tais resultados: pela proximidade dessas Instituições às pessoas, e pela sua adaptabilidade a contextos novos ou imprevistos.
Mas isto, que parece linear, no que tem de sinal de menor margem de risco de vida nos lares de idosos portugueses do que nos dos outros países, não tem sido referido como uma característica a valorizar, no universo comunicacional.
Ora, na verdade, devia sê-lo – até para elevar o ânimo.
Sejamos francos e claros: as Instituições Particulares de Solidariedade Social têm constituído, de par com as estruturas do SNS, uma das principais frentes de combate aos efeitos do vírus: quer na manutenção da vida, da saúde e do bem estar dos seus utentes mais velhos ou portadores de deficiência; quer na manutenção da rede de respostas de referência para atendimento em creche ou jardim de infância para filhos de trabalhadores afectos aos serviços essenciais ou com necessidades educativas especiais.
Mas esse labor não tem tido eco na comunicação social.
É certo que as Instituições de Solidariedade tendem à discrição, não tendo por hábito nem por feitio andar na praça pública a vangloriar-se das suas acções – como é corrente noutros registos.
Trata-se de um trabalho as mais das vezes silencioso, minucioso e diário.
Mas agora, nesta crise, era impossível não o ver.
Tenho ouvido o Presidente da República, o Primeiro Ministro, a Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social reconhecerem a qualidade e intensidade dessa indispensável participação, das Instituições e dos seus dirigentes, neste combate que é nacional – e que é de vida ou de morte.
Percebe-se: essas Autoridades têm acompanhado, por dentro, e sem viseiras, o que tem sido a participação de todos nesse combate.
Mas a comunicação social, principalmente a televisão, e os seus comentadores vitalícios, só têm falado das IPSS por más razões; mais precisamente, por não-razões.
(Ainda agora a Ordem dos Médicos veio defender como devida a vacinação prioritária dos estudantes de Medicina, a pretexto de partilharem o espaço das instalações dos hospitais universitários – utilizando o mesmo argumento (a partilha de instalações) que lhe serviu para atacar e ofender as instituições que entenderam, e bem, vacinar todos os colaboradores que partilhassem as instalações dos lares.
Parece que ninguém deu conta da incoerência dessa corporação.)
3 - Às vezes, parece-me que ando há 40 anos a escrever sempre o mesmo; e talvez ande …
Dizem que é normalmente assim: escrevemos e rescrevemos sempre o mesmo texto, obedecendo à mesma gramática, andando às voltas, sem sair do sítio onde ficáramos.
Mas é também assim porque as ameaças são sempre as mesmas …
Já há quem sugira virar tudo do avesso, no que ao nosso modelo de protecção social respeita.
(Ainda se fosse um branco de Baião …)
É como as sezões: parece que o corpo está bem, mas, de repente, vem de novo a febre.
E a teimosia …
Post Scriptum – Comemoram-se os 100 anos do PCP.
É obra!
Tem tratado o Sector Solidário como quem o conhece.
E não lhe passam despercebidos o pulso e a realidade do País.
Não há inqueritos válidos.