Dentro de três semanas, as eleições para as autarquias locais vão novamente chamar os cidadãos a escolher os seus representantes para o exercício das funções políticas na escala de maior proximidade com os representados.
É certo que, com a reforma da organização autárquica da lavra de Miguel Relvas, parte dessa proximidade se esvaiu: o mecanismo da fusão de freguesias, em que fundamentalmente se traduziu a dita reforma, com o alegado propósito de racionalização da organização do território, acabou por sacrificar, em nome da eficiência, as inegáveis vantagens dessa proximidade.
E, embora o actual Governo tenha manifestado abertura para a revisão desse processo de aglutinação e para a restituição às populações afectadas da identidade da sua freguesia, o certo é que as eleições - as segundas eleições autárquicas sendo António Costa Primeiro Ministro – vão realizar-se sem que o mapa autárquico tenha sido revisto nesse sentido.
Verdadeiramente, não se compreende: tendo-se oposto à Reforma Relvas, na ocasião, quer o PS, quer o PCP, quer o Bloco de Esquerda, que razão explica por que não se entenderam, durante a primeira Geringonça, para fazer aprovar no Parlamento esse regresso à casa de partida?
Ou mesmo durante a segunda Geringonça – a actual -, sabendo-se que o Partido Comunista, que tem apoiado o Governo, é porventura o partido nacional que mais convictamente defende o regresso à anterior configuração do mapa das freguesias.
Tenho para mim que estamos como na Monarquia Constitucional ou como na Primeira República – em que os principais partidos partilhavam o território em círculos eleitorais talhados a feitio, de forma a assegurarem por via administrativa o maior número de mandatos para deputados dos partidos de poder.
Deste modo, reforma feita por um governo de um partido do bloco central, é certo que perdurará quando o outro partido desse bloco lhe suceder no pastoreio da Pátria – posto é que a reforma sirva os interesses eleitorais de quem sucessivamente talha o País a seu jeito.
É um pouco como a regionalização: o PSD é contra quando está no poder; e a favor quando na oposição.
Simetricamente, o PS é a favor quando está na oposição; e a favor, mas num futuro longínquo (como se diz na minha terra, no dia de S. Nunca, à tarde, nunca é oportuno) - o que é o mesmo que ser contra -, quando no poder.
O que importa a ambos é adiar, à vez, esse imperativo constitucional de instituir um nível de representação intermédio, entre as autarquias locais e o poder central e deixar que continuem a ser os directórios dos partidos a decidir, numa primeira escolha, os que podem ser eleitos.
2 – Ora, se há coisa que os dirigentes das Instituição Solidárias sabem é de proximidade às pessoas e às suas carências.
E sabem também que é essa proximidade que permite chegar mais depressa aos problemas dos outros e com maior eficiência resolvê-los.
Assim também com o processo de escolha dos eleitos locais: são tão próximos que os conhecemos – nós, os eleitores, os que mandamos.
Sabemos das suas qualidades e defeitos, antes de querermos saber das qualidades e dos defeitos dos partidos – como sucede com as eleições a nível nacional, em que apenas sabemos dos programas dos partidos e nada ou pouco sabemos dos candidatos.
Embora a alteração da lei eleitoral que veio admitir a apresentação de candidaturas independentes aos órgãos das autarquias locais seja muitas vezes desvalorizada, sob o pretexto de que tem permitido a transumância de eleitos locais em conflito com o seu partido de origem, pelo qual haviam sido eleitos – pelo que não seriam verdadeiros independentes, mas dissidentes ressentidos -, o certo é que a sua posterior reeleição sob outro toldo representa a confirmação de que são eleitos por si próprios e pelos seus próprios méritos, priorizando os eleitores a proximidade em detrimento da vinculação partidária.
Como deve ser!
E também é certo que as referidas alterações à lei eleitoral têm permitido a apresentação vitoriosa de candidaturas independentes em sentido próprio, muitas vezes com resultados arrasadores, perturbando a doce harmonia com que nas questões essenciais do poder os grandes partidos se costumam estender …
3 – Trata-se de uma questão muito actual, a reflexão sobre as causas do desinteresse generalizado dos cidadãos pelos procedimentos típicos das democracias, a começar pelas eleições - pedra angular da legitimação do exercício do poder.
Principalmente no que diz respeito às eleições se âmbito nacional, que são as que determinam quem pode governar-nos (ou desgovernar-nos, consoante…).
Uma das causas que tem sido apresentada para esse desinteresse está no desconhecimento por parte dos eleitores de quem são os candidatos, escolhidos que são pelas direcções partidárias e enfiados, ao molhe, numa lista em cuja composição os eleitores não podem mexer.
A SEDES, prestigiada associação de reflexão e intervenção política, constituída antes ainda do 25 de Abril e defensora desde o início do modelo de democracia liberal como a que nos rege hoje -, actualmente presidida pelo militante socialista Álvaro Beleza -, apresentou recentemente uma proposta de alteração à lei eleitoral para a Assembleia da República, propondo um modelo que privilegie também o princípio da proximidade nas eleições para o Parlamento, sugerindo a criação de círculos uninominais e a divisão dos círculos distritais de grande concentração urbana – os que elegem mais deputados – em circunscrições correspondentes à divisão territorial desses círculos, de maneira a diminuir o número de deputados por círculo e assim obrigar os partidos a indicar gente mais capaz, porque mais susceptível de escrutínio o critério de escolha.
Tal alteração seria combinada com uma outra, que permitisse aos eleitores alterarem a ordem por que os candidatos surgem na lista, permitindo eleger uns, figurando no fim da lista, e excluindo outros, porventura mais bem propostos pelos directórios.
Sempre com o objectivo de reforçar o princípio da proximidade entre eleitores e eleitos, base das democracias liberais, aumentando a qualidade dos representantes do povo e a estima deste pelos valores da liberdade da democracia.
Pressinto que esta proposta vai ter o mesmo destino que a regionalização.
Mas ficados todos a perder!
Henrique Rodrigues – Presidente de Centro Social de Ermesinde
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