A retórica da banalidade

A TSF passa, algumas vezes por dia, um conjunto de frases, ou ditos, de portugueses ilustres, frases essas, ou ditos, que tenham marcado o espaço e o tempo noticioso das semanas anteriores.
A selecção procura agrupar frases fortes, que de alguma forma representem o pensamento dos ilustres antologiados.
Por exemplo, no que agora tem corrido naquela estação, o Dr. Durão Barroso aparece a dizer que os portugueses dizem muito mal de si próprios, e da pátria, mas que "Portugal é um grande país, Portugal é um belíssimo país".
Esperávamos nós que, sobre a depressão que duradouramente nos afecta, o Presidente da Comissão Europeia, ex-Primeiro Ministro de Portugal e antigo tribuno estudantil fosse soltar um grito de alma e, pela justeza do raciocínio, pelo brilho de argumentação ou pela profundidade do pensamento, congraçar os portugueses numa cruzada contra o desânimo e o pessimismo atávico que nos tolhe; e saem-nos duas frases pífias e banais, ao nível raso do chão, sem a sombra duma ideia e sem a chispa de uma iluminação.
Apenas isso - que os portugueses não devem lamentar-se, pois que "Portugal é um grande país, é um belíssimo país".
Que diria D.João II, ou mesmo D.Sebastião, de um seu sucessor no mando que sobre o destino da pátria não dissesse mais do que isso?

Os comentadores têm salientado que também nas intervenções do Eng. José Sócrates sobra em frases feitas e clichés o que escasseia em ideias, ou em argumentação virada para a inteligência dos ouvintes.
Há nelas dois tiques que sobressaem:
Um, é a frequência com que introduz nas frases o advérbio de modo "verdadeiramente". Como se soubesse - e deve sabê-lo - que dos políticos que nos saíram nas sortes estamos mais à espera da mentira do que da verdade, e fosse necessário explicitar a verdade do que diz.
Outro, é a forma como costuma terminar os seus discursos, com a invocação e repetição retórica de "os portugueses", e de "Portugal". Deste jeito: "Estas medidas que o Governo prepara são o melhor para Portugal; são o melhor para os portugueses".
Não é melhor do que os arroubos do Dr. Durão Barroso.

Tenho para mim que este primarismo retórico, em tão insignes figuras, não provém de nenhuma incapacidade delas; mas da convicção em que estão, e que estes últimos anos de democracia reforçaram, de que isso basta para os destinatários - para o povo. E de que este mantém para com o esforço intelectual o mesmo desprezo que mostra pelo trabalho físico.
Há aí, de resto, uns resultados e umas vitórias anunciadas nas autárquicas do próximo domingo que me parece que lhes dão razão.

Uma outra banalidade que percorre a moderna retórica é esta - sempre que se aponta um constrangimento económico, uma crise política, um risco social, logo se conclui: "vamos transformar este problema numa oportunidade". Dentro da nossa tradicional maior afeição pela imaginação que nos planta um oásis de oportunidades virtuais em cada esquina do que pelo trabalho esforçado que é a única forma de resolver os problemas.
A vantagem de estas banalidades serem repetidas é que vai havendo cada vez mais gente que se convence de que são verdadeiras. (Pois se até as mentiras muitas vezes repetidas passam por verdade...)
De modo que o Governo tem agora uma ocasião de transfomar em oportunidade a ameaça - se ameaça for - que criou às IPSS quanto ao funcionamento dos ATL, por via do alargamento do horário escolar do Ensino Básico.
É certo que o Governo já explicou que a ideia não é essa, nem se pretende cortar nas despesas sociais; pelo contrário, os cortes que está a fazer na função pública, na segurança social, nas magistraturas, na tropa, na polícia, são em nome do reforço do Estado Social e da luta contra a exclusão.
Por outro lado, a gestão dos ATL é normalmente deficitária, sendo a comparticipação da Segurança Social digna de Job.
Assim, a nossa proposta é a de que os actuais acordos de cooperação sejam revistos, com reformulação dos recursos humanos e centrando as actividades no início ou no final do dia, no que se refere aos quatro primeiros anos do Ensino Básico; e com progressivo alargamento até ao fim da escolaridade obrigatória.
Com reforço do financiamento; com adaptação às novas circunstâncias; e com maior qualificação da resposta.
Nas IPSS estamos mais habituados ao trabalho do que à prosápia.
Mas, se esta retórica de banalidades nos aponta um caminho que convença, por que não segui-lo?
Não foi sempre esse - a persuasão - o objectivo da retórica? 

* Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde

 

Data de introdução: 2005-11-05



















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