HENRIQUE RODRIGUES

Os cavaleiros do Apocalipse

1 - Na crónica do mês passado, a propósito da invasão da Ucrânia pela Rússia, interrogava-me eu, na esteira de Jorge de Sena, e interrogava do mesmo modo os meus leitores, sobre como será o mundo que nos espera, e principalmente o que espera os nossos filhos e netos, agora que essa agressão fez regressar o cenário e os horrores da guerra ao Continente e entre países da Europa, após mais de sete décadas de paz.
Pensava eu então que, estando em presença de uma desproporção incomparável de forças, recursos e poder militar, entre invasor e agredido, em favor daquele, o fatal destino seria o da submissão do mais fraco, ao fim de escassos dias, aos pés do mais poderoso – e que continuaria a ser o domínio do mais forte sobre o mais fraco, como sempre fora, a marcar as relações internacionais.
E que o mundo do futuro seria mais ou menos o que foi o do passado.
Creio que, nessa previsão, estava acompanhado por quase todos os que têm acompanhado o curso da guerra.
Mas, todavia, a Ucrânia resiste ainda ao invasor, dando razão ao dito, atribuído ao Marquês de Pombal e destinado ao embaixador de Espanha, que ameaçava de invasão Portugal, de que cada um em sua casa pode tanto que, mesmo depois de morto, são precisos quatro homens para o retirar dela.
O espaço mediático arredou das notícias a epidemia por Covid-19, para colocar no centro das atenções a invasão.
E, não obstante a doença continue a fazer vítimas entre nós, persistindo como ameaça real da nossa vida e saúde, o certo é que o dealbar de Abril não nos trouxe, como previsto, nem o regresso da normalidade sanitária, nem a paz no extremo leste de Continente.
Seria talvez oportuno que uma não nos fizesse esquecer a outra, de resto duas faces do mesmo mecanismo regulador dos excessos da população que a peste e a guerra sempre tiveram ao longo dos séculos – dois dos Cavaleiros do Apocalipse.
Calhou-nos coincidirem no tempo uma e outra – embora a nós a guerra só afecte no espírito, já que anda por longes, embora também próximas, terras; e ao povo da Ucrânia afecte no que mais conta, na vida e na paz e tranquilidade dos dias.
Mas não deixa de ser revelador da, apesar de tudo, hierarquia das preocupações, que, nas constantes e minuciosas reportagens que nos dão conta do dia-a-dia da vida na Ucrânia, a Covid-19 permaneça fora dos sinais visíveis desse dia-a-dia.
Desde as manifestações contra a ocupação, que vemos com frequência na televisão, até às reportagens nos hospitais, após os bombardeamentos russos, ou mesmo ao acompanhamento de grupos de mulheres e crianças em fuga, para zonas do território até agora mais poupadas, ou em direcção a países de acolhimento, não se assinala a presença de uma máscara, nem se dá conta de qualquer preocupação de distanciamento social – salvo no que diz respeito a Putin, sentado ao topo de uma longa mesa.
Mesmo na luta conta o mal, há prioridades – e, apesar de tudo, umas ameaças são mais prementes de que outras.

2 -  A retirada russa de algumas zonas da Ucrânia que ocupara veio, nos últimos dias, fazer-nos aceder à informação iniludível sobre a violência exercida pelos ocupantes sobre os ocupados, configurando crimes de guerra, num cortejo comum aos cenários de invasão de territórios alheios ao longo dos séculos, confirmando que os avanços da civilização e a prioridade contemporânea dos direitos humanos não lograram afeiçoar a matéria bruta de que somos feitos.
Para quem pensava que a guerra moderna se travaria apenas por meios electrónicos, mais assépticos, sem vítimas, limitada à destruição cirúrgica de bens e equipamentos, por mísseis teleguiados ao centímetro, aí está, com o rigor das imagens da televisão ou das fotografias dos jornais, a comprovação de que esta invasão agressiva vem acompanhada de toda a miséria moral e violência física individual e colectiva que associamos ao comportamento do mais forte, e que é a mesma de todas as guerras do passado.
Os corpos de ucranianos mortos, abandonados no meio das ruas, após execuções sumárias, são bem a metáfora dessa miséria e dessa violência.
Por outro lado, a cobertura que a imprensa vem fazendo dos campos de batalha, por vezes com risco efectivo de vida por parte dos jornalistas, tem permitido que o partido que é normal tomarmos pelo mais fraco ou agredido seja confortado pela realidade concreta, não havendo contra-propaganda que aguente a força das imagens que diariamente recebemos.
O acompanhamento da guerra em directo torna mais forte e mais motivada a solidariedade com o invadido e mais determinado o repúdio e exautoração do agressor: não há cinismo que sobreviva à evidência, ao que os olhos viram e as palavras relatam.

3 – A actualidade da guerra e a persistência da infecção não distraíram da nomeação e posse do novo Governo.
A longa pausa pós-eleitoral, por causa do episódio pícaro da contagem do voto emigrante, não foi de molde a proporcionar grandes surpresas.
Como o Presidente da República explicitou, quem foi sufragado foi o Primeiro-Ministro.
Ora, o Primeiro-Ministro é o mesmo.
Importará, pois, ver se a governação segue o mesmo rumo; e apurar, pela prova dos factos, se há distinção entre governar em geringonça e governar a solo.
Isto é, saber se a composição pluripartidária da base de apoio aos dois anteriores governos se traduzia ou não em diversidade das políticas prosseguidas; e se as políticas novas, se diversas, serão melhores ou piores do que as antecedentes.
Se foram piores, está aberto o caminho para a recuperação eleitoral, quer do PCP, quer do Bloco de Esquerda; se foram melhores, será ao contrário.
Mas a posse ficou também marcada pelo aviso do Presidente da República de que, por ter sido personalizada a unção conferida pelo eleitorado, o Primeiro-Ministro estará vinculado ao cargo até ao fim da legislatura, devendo abandonar devaneios, se os tinha, de rumar a Bruxelas a meio do mandato, como fez Durão Barroso.
Se partir para esse lugar dourado – preveniu ainda Marcelo Rebelo de Sousa -, teremos eleições novamente antecipadas, a fim de evitar a réplica da confusão que sucedeu com a nomeação de Santana Lopes como Primeiro-Ministro, quando Durão Barroso saiu para Presidente da Comissão Europeia – e que acabou por entregar o báculo a José Sócrates.
Tenho ouvido vários comentadores, de vários quadrantes, explicarem-nos quanto é importante para Portugal ver um político seu nacional ocupar um alto cargo em Bruxelas – mesmo que para isso o nosso País regresse à instabilidade política.
Tenho as minhas dúvidas, e tê-las-ei enquanto me lembrar da troika, e de quem a compunha, e do case-study que quiseram fazer de Portugal – para nos darem uma lição de austeridade.
Não foi “porreiro, pá”!

Henrique Rodrigues (Presidente do Centro Social de Ermesinde)

 

Data de introdução: 2022-04-07



















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