A Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade (CNIS) é, e assim tem de continuar a ser, uma Organização não confessional. Durante os vários anos em que colaborarei com o, então, Secretariado Distrital da IPSS de Setúbal e, depois, com a CNIS, fui sempre perentório na recusa da existência de uma outra Confederação ou mesmo União confessional. A minha opção é a de uma maior participação dos dirigentes das instituições confessionais nas iniciativas das atuais Uniões e nas da CNIS.
Também não aceito que uma instância como a CNIS tenha um ideário político vinculado a qualquer ideologia partidária, mas que mantenha sempre a equidistância necessária à defesa da sua autonomia. Como, também, não tem de ser uma instância de oposição a qualquer governo, pese embora haver momentos de desentendimento sobre propostas de medidas políticas, de modelos de cooperação e de apoio às instituições. Pode até ser necessário tornar públicas as discordâncias e de assumir estratégias que incomodem, seja o Governo que for, mas que o único objetivo seja o desejo de uma maior coesão social.
Sempre pensei assim. Mas, a propósito de uma intervenção que me comprometi fazer, reli e aprofundei o capítulo V da magistral Carta Encíclica Fratelli Tutii sobre a Fraternidade e a amizade social. Independentemente das opções religiosas, crentes ou não crentes, seria muito bom para os dirigentes das IPSS a leitura desta Carta. Tendo em conta os desafios que a Europa, e com ela o nosso país, irão enfrentar nos próximos anos, permitam que partilhe convosco o pensamento do Papa sobre alguns temas do capítulo já referido relativo à área política conexos com a identidade, missão e valores das IPSS.
Escreve o Papa: Existem líderes populares capazes de interpretar o sentido de um de um povo, a sua dinâmica cultural e as grandes tendências de uma sociedade. O serviço que prestam, congregando e guiando, pode ser a base para um projeto duradouro de transformação e crescimento, que implica também a capacidade de ceder lugar a outros na busca do bem comum. (…) Mas degenera num populismo insano quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos, a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder. (…) E o caso agrava-se quando se pretende, com formas rudes ou subtis, o servilismo das instituições e da legalidade. Um povo vivo, dinâmico e com futuro., é aquele que permanece constantemente aberto a novas sínteses, assumindo em si o que é diverso. E fá-lo não se negando a si mesmo, mas com a disposição de se deixar mover, interpelar, crescer, enriquecer por outros, e assim poder evoluir.[1] Este é o maior desafio hodierno que se coloca aos dirigentes das IPSS. Por um lado, apresentarem-se como expressões organizadas do povo da área geográfica abrangente e estabelecerem, com regularidade, formas de diálogo e relação com esse povo; por outro, procurarem estar atentos às transformações que vão acontecendo e abrirem-se a programas, estratégias e ações inovadoras para não travarem a evolução das suas IPSS; há ainda que cuidar, com determinação, da autonomia das instituições, recusando qualquer forma, como diz Francisco, de servilismo ou de determinações legais, mas que possam não ser justas ou desajustadas à realidade do povo que representam; finalmente, ter-se a convicção de que nenhuma IPSS sozinha conseguirá resolver, com eficácia, qualquer problema e que o isolamento só enfraquece, devendo, por isso, estarem disponíveis para fazerem parcerias, que o sejam, de verdade, e não como muitas que existem em que há discriminação institucional, dando maior preponderância a umas que a outras, contrariando o princípio fundamental da democracia que é o da participação livre. As IPSS são espaços propícios à evolução pela proximidade que têm às realidades concretas de cada comunidade humana. Por isso, são indispensáveis para a construção de um progresso integral.
Voltemos ao pensamento de Francisco: …através dos vários recursos que as instituições de uma sociedade organizada, livre e criativa são capazes de gerar. (…) O amor ao próximo é realista e não desperdiça nada que seja necessário para uma transformação da história, que beneficie últimos. (…); entretanto, a multidão dos abandonados fica à mercê da possível boa vontade de alguns. Isto demonstra que é necessário fazer crescer não só uma espiritualidade da fraternidade…[2] A solidariedade social, que se alicerça, no mínimo, na designada “amizade social”, mas que será mais consistente se tiver como fundamento o amor. Este maior valor humano tem uma expressão muito nítida no respeito e defesa da dignidade humana, com particular atenção pelos que pertencem à “multidão dos abandonados”. É por isso, que nenhum ser humano deve ficar sem apoio de qualquer IPSS só por não ter meios monetários. Seria uma traição à identidade e missão que alguma IPSS excluísse dos seus apoios cidadãos e cidadãs pela sua incapacidade financeira. É óbvio que estas instituições têm como finalidade a inclusão social e não promoverem qualquer tipo de guetização. Ou seja, não defendo que as IPSS sejam só para os abandonados pela sociedade, mas devem dar lugar, preferencialmente, a esses. Para isso o apoio estatal tem de ser maior e positivamente diferenciado. Porque considero importante propor à reflexão dos leitores, fundamentalmente aos que gerem instituições sociais, permitam-me que continue, nos próximos textos, a sublinhar alguns apontamentos do pensamento de Francisco. Julgo que proporcionará um enriquecimento pessoal e como cidadãos comprometidos. Atrevo-me até a sugerir que estas minhas propostas, que não substituem a riqueza de conhecer todo o conteúdo da Carta Encíclica em análise, possam ser, até mesmo, comentadas numa das próximas reuniões de Direção de cada uma das IPSS.
A prática da cidadania tem vindo a enfraquecer-se. Com a COVID 19, por razões já conhecidas, mas por outras que ainda devem ser objeto de estudo, a sociedade civil está a perder as sinergias de intervenção sociopolítica. Uma sociedade assim é anímica e coloca em risco a robustez da democracia. Por isso, é imperioso que os agentes sociais assumam também a missão de “fazedores de opinião” e, para esse efeito, subsídios que promovam novos conhecimentos são indispensáveis. Conto com o interesse dos estimados/as leitores/as.
[1] cf. FRANCISCO, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (24 de novembro de 2013), Lisboa, Prior Velho: Editora Paulinas (Secretariado-Geral do Episcopado), 1989, 97-98.
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