Após dois dias de reflexão e debate sobre «As IPSS nas Políticas Sociais», os participantes no VI Congresso CNIS, que decorreu no auditório da Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Viseu, saíram, seguramente, mais enriquecidos e de entusiasmo renovado para nas suas diversas instituições prestarem os melhores cuidados possíveis a quem deles precisa. Houve algumas ideias que pairaram sobre todo o Congresso, como a da necessidade de se evoluir no modelo de cooperação, para que seja mais adequado à realidade e, assim, ser (também) um fator de sustentabilidade das instituições (e não o seu contrário como atualmente com algumas respostas sociais), e haver um maior respeito pela autonomia e identidade das IPSS.
Os trabalhos do VI Congresso CNIS - «As IPSS nas Políticas Sociais» teve logo no primeiro painel, «O triângulo da cooperação: Estado, Poder Local e Sector Social Solidário», a questão da sustentabilidade posta em cima da mesa, até porque se está em pleno processo de transferência de competências para as autarquias.
O presidente da CNIS afirmou que o Sector "não está sustentado", sendo que o que ficou plasmado na revisita ao Pacto de Cooperação para a Solidariedade Social, assinada no passado dia 23 de dezembro, admite-o implicitamente.
"Foi um compromisso assumido em que o Estado, que comparticipa em média 37%, passe a comparticipar a 50%. Não pode haver nenhuma valência em que a comparticipação seja inferior a 50% e, nesse sentido, há muitos passos a dar", sustentou o padre Lino Maia, alertando para o facto de estar em causa "a sobrevivência do setor", mas também a possibilidade de remunerar devidamente os trabalhadores das IPSS.
Já o presidente da União das Misericórdias Portuguesas começou por dizer que "a sustentabilidade é hoje uma questão central".
"A CNIS e a União das Misericórdias andam há muito tempo a dizer que a negociação com o Estado não deve ser feita sobre o aumento do ano anterior, isto é, nós o que todos os anos temos de ver é o custo da resposta social", argumentou, questionando: “Há quantos anos o Estado não faz uma avaliação de quanto é que custa cada uma das respostas sociais?".
Neste âmbito, Manuel Lemos lembrou que há dois tipos de custos e, por isso, desequilíbrios nas finanças das instituições: “Quando fazemos o estudo temos que ter dois valores, um que decorre do que a lei exige e outro da real realidade. Quando se faz o cálculo, não entra o valor do médico, porque há uma ideia romântica, peregrina, bonita, de que o médico do centro de saúde vai ao lar! Mas vai? Não vai. E como não vai, na real realidade nós temos que pagar ao médico".
Por seu turno, a secretária de Estado da Inclusão, em representação da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e em defesa do Governo, afirmou que o Executivo encara "com toda a responsabilidade e sentido de seriedade" o Pacto de Cooperação, mas avisou que o que foi consensualizado foi realizar uma correção dos valores a pagar, "no sentido de que os valores atuais fossem para os 50%".
"O que foi definido é que estes 12% serão repostos numa negociação progressiva ao longo de 10 anos", explicou, sendo que o primeiro-ministro já afirmou que a intenção é atingir a equidade na comparticipação ao longo da presente legislatura!
Depois, Ana Sofia Antunes recordou que, até ao momento, foram celebrados 12.300 acordos de cooperação, que abrangem mais de 438 mil vagas.
"Desde 2015, fomos fazendo uma atualização consistente e sólida dos montantes afetos à cooperação e atingimos, em 2021, um valor de 1.759 milhões de euros transferidos em acordos. Este montante cresceu comparativamente com 2015 à ordem de 407 milhões de euros", sublinhou a governante, lembrando ainda que, em junho de 2021, foi assinado um novo Compromisso de Cooperação para o Sector Social Solidário para 2021/2022, no qual foi “possível fazer uma atualização dos valores”, que caracterizou como "a maior que foi feita nos últimos anos", com um aumento de 134 milhões de euros.
Já sobre a questão da transferência de competências para as autarquias, o padre Lino Maia defendeu que aquelas “para as quais o Estado quis e requereu a cooperação do Sector Social Solidário não pode, agora, ser apenas encarada como transferência do Estado central para o Estado local", frisando: “As instituições são agentes que prestam serviço público, pelo que não é compreensível que o Sector Social e Solidário tenha sido ostracizado em todo este processo de transferência de competências. E todos nós sabemos alguns dos problemas com que nos vamos confrontar: desemprego, despedimentos e mais custos".
Por isso, sustentou um "princípio de bom sinal na cooperação o que se passa no processo da gratuitidade da creche”, que considerou estar a ser bem conduzido, mas alertou: “Posteriormente, esperemos que não venha a transferir esta medida da gratuitidade de creches para outros agentes ou a fomentar a concorrência desleal, como vem acontecendo, por exemplo, com o pré-escolar".
O líder da CNIS lembrou que “as IPSS não querem ficar limitadas, exclusivamente, às respostas sociais destinadas a idosos e a pessoas com deficiência”.
Por seu turno, Ribau Esteves, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), frisou que “a esmagadora maioria das Câmaras Municipais quer trabalhar em equipa e fazer bem”, deixando ainda algumas críticas ao Governo e ao processo de descentralização em curso, pois considerou que “é na área social que devia ser prioritária a descentralização”, naquela que foi das mais animadas e entusiásticas intervenções de todo o Congresso, onde lembrou que “foram precisos quatro anos para legislar esta matéria”.
A secretária de Estado disse que o processo de descentralização, “em termos financeiros, passa ainda por um processo negocial, em curso com a ANMP e com as áreas metropolitanas”, acrescentando: “Percebemos que algumas destas áreas precisarão de um incremento, mas estamos certos, até pela receção que temos tido no terreno, que não será certamente a área da Ação Social a criar problemas”.
Já em resposta ao padre Lino Maia, a secretária de Estado da Inclusão referiu que “o Governo está a apostar de forma séria na cooperação com o Sector Social Solidário”, porque “o Estado encontra no modelo de cooperação a melhor forma de fazer mais e melhor em prol da população”.
No entanto, houve um certo consenso em torno da ideia de que a cooperação é boa, mas o modelo talvez já não seja o mais adequado, e que perpassou pelos diferentes painéis de reflexão e debate.
Pedro Mota Soares, antigo ministro do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, defendeu mesmo uma alteração radical: “No atual modelo de cooperação, o Estado financia e regula o Sector Social Solidário, mas precisamos de passar para um modelo de efetiva parceria”.
Por seu turno, Catarina Marcelino, vice-presidente do Instituto da Segurança Social (ISS), garantiu que “não há elefantes na sala, mas é preciso procurar outras estratégias e formas de financiamento”, lembrando que, “em momentos de crise, são as IPSS, os maiores empregadores”.
Por outro lado, defendeu que é necessário mudar um outro paradigma, ou seja: “Não podemos partir do princípio que os outros vão prevaricar, pelo que é preciso mudar esta forma de pensar. O Estado tem que ser regulador, aceitando que os outros cumprem e quando houver fiscalizações, então, vê-se se estão a cumprir”.
Estes dois intervenientes participaram no quarto painel dos trabalhos, já no segundo dia, subordinado ao tema «Desafios e constrangimentos na relação das IPSS com o Estado».
Aqui, a questão da autonomia e da identidade das instituições e as constantes afrontas de que são alvo foi o tema em debate.
“A obrigação do Estado é responder com transparência às necessidades do Sector Social Solidário”, afirmou a «vice» do ISS, defendendo que “a cooperação é muito mais do que parceria”.
“O Estado Social só pode ser forte com esta rede de respostas sociais do Sector Social Solidário forte”, acrescentou.
Por seu turno, Mota Soares defendeu que “o Estado Social não é exclusivo do Estado Central” e, ainda assim, “com imperfeições o país conseguiu criar uma maior autonomia do Sector Social Solidário, com a passagem a um Estado Social que é parceiro”, considerando que “é preciso dar mais competências e financiamento às instituições sociais”.
Antes, Alfredo Cardoso, presidente da Associação Nacional de Dirigentes Sociais (ANDS), ainda a propósito da sustentabilidade das IPSS, questionou: “Será tão difícil o consenso em volta de um aumento nos acordos de cooperação de um valor de 300 milhões de euros a três anos que dê sentido à cooperação, enquanto relação baseada entre organizações que utilizam métodos o mais consensuais possíveis?”.
E, sem esperar resposta, disse: “É que se assim não for, não estamos a falar de cooperação, mas de colaboração e, colaboracionista, eu e, provavelmente, todos os que aqui estão neste auditório não queremos ser, mais que não fosse pela carga que o colaboracionismo induz, desde logo, a perda de independência”.
A terminar a sua intervenção, Alfredo Cardoso reafirmou a sua ideia, antiga, da necessidade de um pacto de regime na área social.
“Reitero, um pacto de regime é um ‘milagre de baixo custo”, aproveitem a ideia por Portugal”, disse.
Por seu lado, Patrícia Seromenho, vogal da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), recordou que “um dos grandes constrangimentos, são as leis dos anos 80”, sendo “necessário atualizar um conjunto de legislações”.
“Se não atualizarmos o enquadramento das respostas sociais é mais difícil fazer bem”, sustentou.
No primeiro dia de trabalhos, o Congresso recebeu uma mensagem vídeo gravada do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto no segundo e último foi a vez do primeiro-ministro António Costa se dirigir aos congressistas pela mesma via.
Ambos reconheceram e realçaram o papel essencial das IPSS na coesão do tecido social português, deixando palavras de incentivo para o trabalho das instituições no terreno.
Ainda no dia inaugural, «Que modelos de regulação para o Sector Social Solidário?» juntou na reflexão os catedráticos Domingos Soares Farinho, da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, e Licínio Lopes Martins, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas também o advogado Simões de Almeida. Henrique Rodrigues, assessor jurídico da CNIS, foi o moderador de um debate que se centrou em grande parte na… autonomia e identidade das IPSS.
Já o segundo dia começou com a apresentação de alguns bons exemplos de respostas inovadoras em prol dos outros.
Com moderação de Filomena Bordalo, assessora da CNIS, o painel matinal refletiu sobre «A cooperação em ação – práticas inovadoras» e seus constrangimentos.
Carmen Gonçalves e Jakilson Pereira apresentaram o trabalho desenvolvido na Associação Cultural Moinho da Juventude, sedeada no bairro do Alto da Cova da Moura, em Lisboa, enquanto Alexandra Alves levou até ao congresso a experiência d’Os Pioneiros – Associação de Pais de Mourisca do Vouga, concelho de Águeda, em torno de uma resposta inovadora de residências autónomas para idosos.
Já Mafalda Ferrão, da Associação Bagos D’Ouro, elucidou os presentes sobre um trabalho da instituição junto de crianças e jovens carenciados do Vale do Douro, ao passo que Paula Oliveira, vereadora da Ação Social da Câmara Municipal de Guimarães, abordou a aposta da autarquia vimaranense na rede social que criou no concelho e da qual não abdica na busca da maior coesão social possível.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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