1 - ADENDA AO ACORDO DE COOPERAÇÃO E ATUALIZAÇÕES
“Quando em dezembro passado assinei a Adenda, dizendo que parecia uma prenda do Pai Natal, logo afirmei que iria ser preciso o folar da Páscoa e talvez que os Santos Populares tragam mais qualquer coisa para estas instituições. Vai ser necessário. Não está ainda nada previsto. Neste momento, estamos sem Compromisso de Cooperação 2023-24, aplicando-se o de 2021-22, mas vamos precisar de mais apoios, não podemos descurar a sustentabilidade das instituições.
Quando assino um documento nunca direi que o assinei contra a minha vontade. Posso não estar totalmente confortado com aquilo que assino, mas nunca ninguém ouvirá dizer-me que fui pressionado ou contrariado e, portanto, assumo integralmente aquilo que assino. As negociações são sempre muito morosas e difíceis. Esta Adenda que eu assinei, e por isso defendo, foi muito complicada. Eu gostaria que a atualização dos acordos fosse olhando à inflação e às dificuldades das instituições, no que à sustentabilidade diz respeito; olhando à necessidade de apostar na justiça dos trabalhadores das IPSS; olhando à necessidade de aumento do salário mínimo e, de resto, de todos os salários que são de facto baixos; eu queria bem que tivesse sido mais do que os 5 por cento de atualização. No entanto, compreendi que assim fosse e, por isso, assinei. A antecipação (em 4,2 por cento desses 5 por cento de atualização) resolveu problemas de muitas instituições que tinham que pagar 13º mês, tinham dívidas e, portanto, foi, diria, uma espécie de Pai Natal que apareceu para resolver problemas. Mas o facto é que este ano as instituições só terão um aumento de 0,8 por cento, o que é muito baixo. Assim como a antecipação para dezembro do apoio extraordinário previsto para 2023 foi bom, porque deu facilidade de tesouraria, mas este ano as dificuldades vão ser enormes.
E há um problema na Adenda que eu não sei como vai ser resolvido. Não está muito clara a situação das amas das creches familiares. É uma questão por resolver. Numa leitura literal do que vem na Adenda isso traz problemas às instituições. Em devido tempo, a CNIS fez saber junto do Governo e disso deu conhecimento às suas associadas, do perigo que ali estava subjacente ao texto. Pedíamos que houvesse esclarecimento para podermos aplicar o que está na Adenda, o que ainda não aconteceu. Suspeito que não vamos ter uma boa solução. O que está no documento não é exequível. O respeito da justiça para com as amas não pode provocar outras injustiças. Há instituições que têm creches familiares e querem continuar, mas se tiverem de cumprir o que está na Adenda penso que irão abandonar.”
2 - SUSTENTABILIDADE DAS IPSS
“Este sector tem que privilegiar sempre os mais carenciados. Podia haver a tentação, para resolver a sustentabilidade, de se começar a considerar a possibilidade de admitir nas IPSS aqueles que podem comparticipar melhor. Claro que essas pessoas podem ser atendidas nas IPSS, mas nunca tirando lugar aos que mais precisam e não podem comparticipar suficientemente.
Há passos a dar. A questão de gestão é fundamental. Temos ótimos gestores nas instituições, mas temos de contribuir para a formação de mais gestores. Nós não somos empresas. Quando há aumento do ordenado mínimo ou aumento das matérias-primas e fatores de produção as empresas encarecem aquilo que põem no mercado. Nós não podemos fazer o mesmo. A questão da gestão tem de continuar a ser muito cuidada.
Há mais dois passos a dar. Um dos quais é meu desiderato neste mandato: insistir mais na responsabilidade social das empresas. A comunidade e as empresas têm de contribuir mais para este sector que está ao serviço das comunidades e é uma almofada social muito importante, contribui para a paz social e, por isso, tem de ser apoiado.
Há um outro passo que estamos a negociar que é o de chamarmos as autarquias para este sector. Autarquias e IPSS são realidade de proximidade. Muitas vezes as autarquias confrontam-se com realidades para as quais não têm resposta e as instituições de solidariedade estão apetrechadas para os resolver. Julgo que se pode articular uma cooperação entre as autarquias e IPSS, respondendo às necessidades do meio e ajudando desse modo à sustentabilidade das IPSS. Temos já este trabalho iniciado com a Associação Nacional de Municípios Portugueses e terá de haver neste mandato algo que se veja no terreno.”
3 - PACTO DE COOPERAÇÃO
“Poderia dizer que o Pacto de Cooperação foi uma luta que enfrentámos. Conseguimos que o Pacto consagrasse o dever de o Estado comparticipar, em média, 50 por cento dos custos das instituições e esse objetivo deveria ser alcançado durante uma legislatura. Ficou escrito que a validade do que assinámos é de 10 anos, sendo revisto ao fim desse período. Há quem pense que se ele é válido por 10 anos, então, o compromisso do Estado na comparticipação dos 50 por cento poderá ser faseado ao longo dessa década. O espírito das negociações não foi esse, mas sim o fim da legislatura. Estava-se no primeiro ano, foi, entretanto, dissolvido o parlamento e começou outra legislatura com o mesmo primeiro-ministro, mas há quem interprete que sendo outra a legislatura o tempo começa agora a contar. Ora, se houver uma interrupção deste ciclo político haverá quem diga que a contagem volta ao zero, diferindo sempre o cumprimento do Pacto. Eu quero acreditar que, no espírito de quem assinou o importante documento, o prazo é de quatro anos. Há apenas uma questão que vem baralhar um bocado as nossas projeções. A questão da inflação. Mas, até que a voz me doa, vou exigir que seja cumprido o que vem no Pacto de Cooperação.”
4 - REVISÃO CONSTITUCIONAL E AS IPSS
“A autonomia e a identidade das instituições são muito importantes e devem ser acauteladas. A autonomia não tem sido respeitada e automaticamente a identidade também não. A Constituição Portuguesa consagra dois direitos sociais muito importantes onde não deve haver recuo: o direito à saúde e à escola. Mas falta, em nosso entender, mais um: o direito à proteção social. Há quem diga que está lá a defesa da Segurança Social, mas não é sinónimo de proteção social. Temos um país muito envelhecido com uma esperança de vida que tem vindo a aumentar sem a desejada qualidade de vida. Há menos pessoas a contribuir para a riqueza do país, mas o Estado não pode esquecer que se existe é para que os carenciados e fragilizados sejam protegidos. Não tem de ser o Estado a possuir e a gerir os equipamentos, mas tem de reconhecer e criar condições para que o Sector Social Solidário o faça em condições de dignidade.
Eu gostava que a Constituição continuasse a proteger a escola pública e o serviço nacional de saúde, mas também deve incluir o direito universal da proteção social.”
5 - CONCERTAÇÃO SOCIAL
“A Concertação Social está manca. A economia lucrativa está lá, o mundo sindical está lá, mas falta o Sector Social Solidário. Quando se discutem as atualizações salariais, aumento de salário mínimo, é evidente que há uma desconsideração pelo sector que representamos. Depois tenta-se remendar e sai sempre mal. Eu não defendo que seja a CNIS, digo que é importante que o Sector Social Solidário esteja na Concertação Social. Até porque lhe daria algum equilíbrio. É um sector com um ‘patronato’ especial. São pessoas que compreendem perfeitamente as ambições e os direitos dos trabalhadores que são muitos. Há poucas representações com tantos trabalhadores como este sector. Nós podemos estar a falar, em todo o Sector Social Solidário, em 300 mil trabalhadores. A CNIS representa cerca de 200 mil, mas há também as Misericórdias, as Cooperativas e as Mutualidades. Isto devia ser respeitado para próprio benefício da Concertação Social. Seria provavelmente um amortecedor entre patronato e trabalhadores.”
6 - TRANSFERÊNCIA DE COMPETÊNCIAS
“Eu, desde o início, fui favorável à transferência de competências da área social para as autarquias e não mudei de opinião quando muita gente começou a questionar tudo e mais alguma coisa. Eu compreendi que há realidades em que as autarquias podem intervir mais do que o Estado central. Eu agora estou menos receoso, mas cheguei a temer que no processo as autarquias prescindissem do conhecimento das equipas que já estavam no terreno a trabalhar no RSI e no SAAS e começassem a criar equipas novas e avocar a si estas respostas. Agora, depois de diálogo com os municípios e a ANMP, parece que está a imperar o bom senso. A generalidade das autarquias aceitará as competências e aceitará os acordos existentes com as instituições de solidariedade. Penso que o processo vai finalizar bem. A devido tempo fiz ver junto da ANMP que não era só nestas áreas da Carta Social, do CLDS, do SAAS e do RSI que podíamos cooperar. Há outras áreas: nas creches, no pré-escolar, no ATL, na cedência de vagas em várias respostas sociais às câmaras, por exemplo. É importante, e já acontece, a possibilidade de utilização de serviços das autarquias para fazer projetos de candidaturas sociais, admitir a existência de uma via verde para apresentação desses projetos nas câmaras por parte de IPSS… enfim, há várias áreas em que podemos aprofundar a relação.”
7 - GRATUITIDADE DAS CRECHES
“As instituições de solidariedade estão sempre na busca de soluções e nunca na busca de problemas. Nós não precisamos de andar a agitar bandeiras, mas julgo que toda a gente reconhece a importância da gratuitidade das creches. Foi das medidas mais positivas que este governo delineou e implementou. Contribui para uma maior coesão social. Permite que as famílias possam conciliar a vida familiar com a profissional, é uma forma muito concreta de lutar contra a pobreza, é um contributo para que todas as crianças, desde o nascimento, sejam integradas num projeto social e educativo. As IPSS podem orgulhar-se de terem contribuído em muito para o sucesso desta medida. Começou em setembro passado e é um sucesso.
Ainda há dias ouvia um importante membro do governo a referir-se a este momento de turbulência que se está a viver, dizendo que o que salva o país são as IPSS, com um ambiente de paz, de solução. Ainda que vivam com muitas dificuldades não fazem muito barulho e resolvem os problemas. É assim que vamos continuar: a encontrar soluções.”
8 - ESTATUTO FISCAL DAS IPSS
“Não é uma batalha que começa agora, mas tenho sido uma voz que clama no deserto. Eu acredito que o bom senso acabe por vencer. As instituições sociais não são empresas, são sociais solidárias, privilegiam os mais carenciados e prestam serviço público. Não é compreensível que elas sejam vistas, para a resolução de problemas, como solução e para o fisco sejam vistas como empresas. O seu estatuto fiscal, pelo menos, devia ser equiparado às autarquias. Não digo que houvesse uma isenção total no IVA, por exemplo, mas que houvesse equiparação aos municípios. Tem um impacto enorme. Não é em benefício dos dirigentes que terá de haver um estatuto fiscal mais favorável, é para que se preste serviço a mais pessoas desfavorecidas. O governo, quando é para fazer autoelogio, diz que transfere para este sector 1,7 mil milhões de euros. Se formos a ver, em IVA, TSU, regime sancionatório, as instituições devolvem ao Estado metade daquilo que recebem. No fundo, o Estado com muito pouco cumpre a sua obrigação de proteção social, porque há um mundo de IPSS e dirigentes que, passe a expressão, deixam-se ser tratados como anjinhos. Na prática, o governo transfere não mais do que 900 milhões de euros para um serviço que custa mais de 4 mil milhões de euros. Temos de rever o estatuto fiscal das IPSS para servir mais pessoas em melhores condições.”
9 - O PRR E AS IPSS
“Tem havido uma morosidade nos anúncios para candidaturas que interessem ao Sector Social Solidário. Quando foi assinado uma espécie de acordo com o governo, que disponibilizava do PRR uma quantia considerável para as instituições fazerem equipamentos, para acederem à eficácia e poupança energética ou ambiental, eu disse que se Portugal tinha sido o primeiro país a apresentar um projeto ao PRR que tinha sido aprovado pela União Europeia, também podia ser o primeiro a cumprir o PRR porque as instituições liderariam a execução. Hoje não posso dizer isso. Os anúncios têm demorado. Houve um anúncio que teve uma correspondência fabulosa, a candidatura à mobilidade verde, mas não há viaturas, o processo está parado e 2026 está a chegar.
Se formos a ver, o PRR está mais voltado para o Estado e numa pequena parte para a economia lucrativa e numa ínfima parte para o Sector Social Solidário. Nós precisamos de equipamentos. Fico apreensivo quando ouço dizer que o país já não precisa de mais lares ou ERPI. Precisa de mais e de renovar os que tem. Precisa de ERPI imaginados de outra forma, provavelmente muitos dos que hoje temos não correspondem às necessidades dos seus utentes. Não estou otimista em relação ao PRR.”
10 - CNIS
“Nós temos Uniões em todos os distritos, temos Uniões Regionais em Faro, Açores e Madeira. São realidades diferentes da CNIS e das IPSS. O país não é todo igual e há diferenças substanciais mesmo dentro de cada um dos distritos. Ora, são importantes as Uniões para uma maior proximidade, eficácia, melhor formação, maior apoio aos dirigentes. Para isso precisam de meios. Tenho defendido e já anunciei que o Estado também apoie as Uniões Distritais para que possam prestar mais serviços e acompanhar melhor as instituições. A própria CNIS não tem apoio suficiente para a sua ação e precisa das quotas das suas associadas que ficam divididas entre apoiar a CNIS ou as Uniões. Pretendemos fazer uma reestruturação nessa matéria.
E há também outro tema a que vamos dar atenção. Na grande maioria as nossas instituições nascem de grupos informais, socio-caritativos, associativos, das comunidades que foram evoluindo e se constituíram em IPSS. Há muitos que continuam a existir e são determinantes porque as instituições não respondem a todas as necessidades. Estes grupos apoiam muito e completam muito a ação das IPSS e chegam, às vezes, onde elas não alcançam. A CNIS tem de voltar a olhar para estes grupos e, de algum modo, reconhecê-los e apoiá-los. São complementares. É uma frente que temos de abraçar.”
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