O Solidariedade regressou a Baião no final de fevereiro, quando se assinalou um ano de invasão da Ucrânia pela Rússia, a fim de saber como tem decorrido o acolhimento dos refugiados ucranianos que em 2022 teve destaque nas suas páginas.
E se há, sensivelmente, um ano eram 13 os refugiados acolhidos, atualmente são 32, 23 adultos e nove crianças. Olhando aos números, pode dizer-se que o acolhimento tem corrido bem, até porque alguns deles já pretendem ficar, em definitivo, em Baião.
Em 2022, conhecemos as irmãs Iryna e Oleksandra e os seus filhos (Mira; Mark e Nikita). Na altura, foi Iryna, a irmã mais velha, que foi a principal interlocutora. Desta feita, foi Oleksandra, uma vez que a irmã atravessa um período mais emocional em relação à guerra e à vida, depois de ter perdido o emprego que ainda mantinha na Ucrânia.
“O patrão queria que ela regressasse, porque com os constantes ataques e os cortes de energia, trabalhar a partir de Portugal tornou-se mais difícil porque as comunicações eram impossíveis”, conta Oleksandra, que, entretanto, está a trabalhar numa escola em Baião, no âmbito de um contrato programa do Centro de Emprego.
Na escola, Oleksandra, que na Ucrânia trabalhava na área da consultoria bancária, para além das funções de assistente operacional, serve de ponte entre os alunos ucranianos e entre estes e os professores, facilitando a vivência de todos na comunidade escolar.
“É um trabalho. É dinheiro e, assim, posso ter mais liberdade e independência”, diz Oleksandra, acrescentando: “Assim, já posso dar alguma coisa aos meus filhos”.
Sublinhando que “as pessoas de Baião e da Câmara ajudam muito”, a ucraniana de 37 anos desabafa: “Perdemos o futuro e a educação, as habilidades profissionais, perdemos tudo. Não sabemos o que esperar de amanhã. Por exemplo, para a minha irmã, perder o trabalho foi muito duro”.
Sobre a integração dos mais novos, a ucraniana vinda dos arredores de Kiev diz que a sobrinha Mira “está bem”.
“Mesmo que ela regressasse à Ucrânia, ela já não tem lá amigos. Os amigos dela estão espalhados por diferentes países por causa da guerra”, conta, enfatizando o facto de o filho mais velho, Mark (nove anos), ter participado numa atividade de xadrez e ter ficado muito contente: “Foi como se recuperasse parte da vida que tinha na Ucrânia”.
Já em relação a Nikita, de quatro anos, Oleksandra relata, com graça, o facto de o filho mais novo, “em casa, fala ucraniano com uma pronúncia muito esquisita ou fala português, o que se torna difícil, por vezes, de o entender”.
Ao contrário da irmã mais velha, Oleksandra deixou o marido em Kiev, onde trabalha no metropolitano.
“Ele tem insistido bastante comigo para regressar, mas tenho medo dos rockets… E mesmo que fôssemos morar para uma região mais ocidental da Ucrânia, há sempre o perigo dos russos atacarem as centrais nucleares. Por isso, e apesar de ele insistir muito comigo, tenho medo. Ele tem trabalho, mas sente-se sozinho. Depois também perdeu alguns familiares e tem andado muito stressado”, conta, referindo ainda a situação dos pais, que permanecem em Kiev: “Eles têm à volta dos 70 anos e, sempre que há avisos de ataques aéreos, eles vão para uma sala no meio da casa e ficam ali horas a fio sentados”.
Já no final da conversa, Oleksandra refere que, “quando morava na Ucrânia, olhava para o Sol e pensava que ele fosse igual em todo o lado, mas não é, em Portugal o Sol é mais quente”!
Esta é uma excelente metáfora para o que tem sido o acolhimento de refugiados da guerra na Ucrânia em Baião, onde estas pessoas receberam um abraço quente e acolhedor.
“Estávamos contentes só com um quarto para nós os cinco, mas termos uma casa é quase um milagre”, afirma Oleksandra, que destaca o facto de a Câmara Municipal de Baião convidar sempre a sua família para os eventos e atividades promovidas pelo município. A ucraniana recorda a presença nos campeonatos de motonáutica, o Carnaval, entre outras, mas, em especial, a visita a ao Santuário de Fátima.
“Quando estava na Ucrânia, um ano antes da guerra começar, vi um filme sobre Fátima, de que gostei muito, mas achava que seria impossível lá ir, porque não tínhamos dinheiro para tal… A Câmara levou-nos lá numa visita e foi maravilhoso”, frisa, lembrando o momento mais difícil que passou, desde que está em Baião: “Só há uns meses é que durmo realmente, aliás, agora, finalmente, consigo dormir a noite toda, mas, na passagem de ano, quando foi o fogo de artifício até gostei de ver e não tive problema, mas depois tive um ataque de pânico e foi complicado!”.
A propósito do processo de integração destes e dos demais refugiados da Ucrânia, Filipe Fonseca, vice-presidente do executivo camarário e responsável pelo pelouro dos Assuntos Sociais, avança que o município tem feito a sua parte, tal como os munícipes: “Na dimensão de relacionamento com a população, o Município tem feito a sua parte, integrando essas pessoas em todos os eventos que foi fazendo ao longo do ano. A integração, pela informação que temos, tem sido bastante aceitável, no sentido que vemos que os baionenses sempre encararam esta situação com bons olhos e nunca colocaram em causa se estaríamos a prejudicar outras respostas. No dia a dia, estamos disponíveis todos os dias do ano, com a doutora Ilda Borges a fazer a ligação e a resolver tudo o que é possível para que eles se sintam bem”.
Desde que, logo quatro dias após começar a invasão, se disponibilizou para acolher refugiados da Ucrânia, Baião já acolheu mais dos que as atuais 32 pessoas que estão no concelho. Aliás, os últimos a chegar nem sequer são ucranianos, mas jovens que estudavam no país do leste europeu, todos africanos.
Mas vejamos como foi a chegada destes refugiados a Baião em 2022: 13 de março – 2 adultas e 3 crianças; 15 de março – 3 adultas; 24 de março – 3 adultas e 2 crianças; 31 de março – 4 adultas e 2 crianças; 2 de abril – 1 casal e 2 crianças; 22 de julho – 6 jovens adultos (um marroquino, um costa-marfinense, um nigeriano e três argelinos); 22 de novembro – 3 jovens adultas (uma nigeriana e duas marroquinas).
Os jovens africanos eram todos estudantes, mas, em Baião, cinco dos seis já trabalham: quatro na construção civil e um na área das telecomunicações.
Dos nove jovens, a maioria já pondera, ou já decidiu mesmo, ficar, em definitivo, por Baião.
“Quem mostrou interesse em ficar cá foram os mais novos. Os rapazes já disseram que querem ficar por cá. Estão a conseguir enquadrar-se e, como dizem, têm estabilidade”, revela Ilda Borges, do Gabinete de Apoio ao Emigrante, da autarquia, acrescentando: “As meninas nigeriana e marroquinas querem mesmo cá ficar, porque acham que regressar à Ucrânia vai ser difícil e não querem retornar aos países de origem. E querem até retomar os estudos. Uma delas estava no terceiro ano de Medicina Dentária, mas quer tentar matricular-se numa universidade portuguesas, ver as equivalências que lhe dão, mas, já disse, que, se tiver que recomeçar do zero, o fará”.
E se há quem já queira ficar, também outros que passaram pelo concelho já partiram. Duas adultas e uma criança regressaram à Ucrânia por questões laborais e um desentendimento familiar levou a que uma pessoa fosse para a Nazaré.
“Todos os que chegaram nos primeiros dias de acolhimento há um ano permanecem em Baião. As pessoas que foram inicialmente alojadas no quartel dos Bombeiros Voluntários de Baião, entretanto, passaram para uma habitação. Felizmente, a comunidade continuou a apoiar, associando-se a estas possibilidades de dispensa de habitação, e foi possível fazer dois contratos de comodato com duas famílias que cederam as casas gratuitamente a refugiados. Numa dessas habitações estão alojadas as pessoas que estavam no quartel, até porque no verão os bombeiros necessitaram das instalações”, afirma Filipe Fonseca.
Para o vice-presidente da autarquia de Baião, o balanço, de um ano de acolhimento, é algo que o deixa bastante satisfeito.
“O balanço é muito positivo. E, pessoalmente, é um balanço mesmo muito positivo, porque eu tinha entrado em funções há muito pouco tempo quando esta situação surgiu. Para quem está há pouco tempo e não está por dentro de muitas situações, levar logo com uma situação destas no pelouro dos Assuntos Sociais, deixa-nos bastante incomodados”, sustenta, sublinhando: “O nosso objetivo, desde início, era que eles sentissem o menos possível todos os impactos negativos que traziam com eles e que ainda continuam a ter. Mesmo passado um ano, acredito que o que passaram os marca e lhes vai ficar para a vida. Da nossa parte, era tentar proporcionar-lhes momentos que minimizasse os pensamentos negativos da guerra e, acima de tudo, proporcionar-lhes bons momentos, que é o que temos vindo a fazer. Temos tentado integrá-los e criámos uma linha de contacto permanente, porque não é só recebê-los, é preciso ir acompanhando e integrando. Se eles já vão falando em querer ficar, é bom sinal. Esta é também uma forma de aumentar a população residente”.
Apesar da liderança da Câmara Municipal, Baião mobilizou-se, desde início, para ajudar e Filipe Fonseca não esquece: “Quero deixar uma palavra de agradecimento às IPSS do concelho, que desde primeira hora se associaram a este processo. Duas delas, a Cecajuvi e a Santa Casa da Misericórdia de Baião, ainda têm espaços disponíveis para acolher refugiados. Lembrar também os Bombeiros Voluntários de Santa Marinha do Zêzere e ainda as duas famílias que disponibilizaram as habitações e que agora acolhem duas famílias, fruto dos contratos de comodato. E, claro, uma derradeira palavra para os nossos colaboradores e a todos os baionenses que tudo têm feito para que os refugiados se sintam bem”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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