ESTUDO «IMPORTÂNCIA ECONÓMICA E SOCIAL DAS IPSS EM PORTUGAL: CENTRAL DE BALANÇOS 2019 E 2020»

“Apesar dos apoios do Estado, a situação tem-se degradado”

A CNIS apresentou, o passado dia 21 de março, em Coimbra, o estudo «Importância Económica e Social das IPSS em Portugal: Central de Balanços 2019 e 2020», um trabalho da autoria de Américo Mendes e Francisco Rocha.
O estudo agora apresentado, promovido pela CNIS, em parceria entre a Universidade Católica Portuguesa, é a terceira versão, depois das de 2018 e 2020.
O estudo atualiza para 2020 a Central de Balanços das IPSS lançada na versão de 2018, sobre a importância económica e social das instituições sociais, com continuação nos estudos publicados em 2020 e 2022.
Para a mais recente versão, o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) é o convidado para assinar a introdução, ao que não é alheio o facto de a amostra incluir 66 Misericórdias.
Em Coimbra, na apresentação do estudo, o presidente da UMP foi o primeiro a pronunciar-se, começando por destacar “a importância científica do estudo, mas também a relevância política”.
“Tem importância política, porque nos confronta com a forma como o Estado olha para o Sector Social Solidário. O Pacto de Cooperação vai no 27º ano, é um documento importantíssimo, e recordo que o, então, primeiro-ministro António Guterres disse que o Estado devia pagar no mínimo 50% e desejavelmente 60%. 27 anos depois estamos muito longe disso e isso tem consequências no desenvolvimento das respostas sociais públicas”.
A este propósito, aquando da apresentação das principais conclusões, o presidente da CNIS sublinhou o facto de “a percentagem das comparticipações da Segurança Social, no total dos rendimentos das IPSS, ter diminuído entre 2016 (39,06%) e 2018 (38,06%), mas recuperado dessa tendência em 2019 (38,87%) e 2020 (41,29%), ultrapassando neste último ano o nível de 2016, fruto das melhorias conseguidas nas negociações dos acordos relativos ao financiamento público das IPSS nestes dois últimos anos”.
Por outro lado, acrescentou o padre Lino Maia, “a percentagem das mensalidades, no total dos rendimentos, registou uma tendência de subida até 2019 (31,78%), diminuindo em 2020 (28,81%), facto a que não deve ser alheia a ocorrência da pandemia de Covid 19”.
Contudo, e certamente devido dos apoios ao combate à pandemia, “se, no período de 2016 a 2018, a percentagem de IPSS com resultados líquidos negativos esteve acima dos 40%, já em 2019 e 2020 houve uma melhoria com inversão destas tendências, descendo para cerca de 33%”.
Ainda assim, para o líder da União das Misericórdias, “nestes anos, não temos dúvidas que, apesar dos apoios do Estado, a situação tem-se degradado”.
“O aumento dos salários, que é justo, dos combustíveis e dos bens alimentícios tem consequência imediata na gestão e resultados das instituições”, concluiu Manuel de Lemos, asseverando que o Sector Social Solidário “está a perder valor”.
Em jeito de brincadeira, referiu mesmo que, “olhando ao estudo, que bom que era 2019”!
Trabalhar um conjunto de indicadores sobre a situação económica e financeira das IPSS, baseados nas contas publicadas por estas instituições, é o propósito da recolha e tratamento de dados de uma amostra que começou por ser de 565 IPSS e que, entretanto, cresceu para as mil.
“Estamos perante problemas sociais gravíssimos e são estes estudos que nos mostram a realidade deste sector”, defendeu Manuel de Lemos, argumentando que o estudo “pode ser a base de trabalho para um novo modelo de financiamento da cooperação” e “um documento importantíssimo para dialogar com o Governo”.
Conforme destacou o presidente da CNIS, das muitas conclusões que se retiram do estudo, “os gastos com pessoal, que são a componente dos custos com maior peso relativo, quase dois terços dos gastos operacionais, está muito acima do dos outros custos, com uma tendência crescente no período em análise”, enquanto os encargos sociais representam “cerca de 10% do total dos gastos operacionais”.
“Os fornecimentos e serviços externos são a componente com o segundo maior peso relativo nos gastos. Neste caso registou-se alguma estabilidade ao longo do período em análise, apenas com uma quebra em 2020 (22,35% em 2019 e 20,78% em 2020), possivelmente em resultado de alguma redução das atividades, nomeadamente com o encerramento temporário de algumas valências, por causa da pandemia da Covid 19”, prosseguiu o padre Lino Maia.
No que respeita ao cálculo dos rendimentos e dos custos médios por utente, uma análise que é feita pela primeira vez neste estudo, a conclusão é que, “para as IPSS da amostra para as quais foi possível obter a informação necessária para este efeito, as respostas sociais deficitárias em 2019 e 2020 foram: Centros de Dia, Centros de Convívio, CATL, CAT e CAFAP. Já o Jardim de Infância foi deficitário em 2019, mas não em 2020. Em sentido contrário, a resposta ERPI foi superavitária em 2019, mas apresentou um ligeiro déficit em 2020”, certamente, consequência do impacto da pandemia nesta resposta.
Mas nem tudo são resultados pessimistas, pois, como revelou o presidente da CNIS, “com a ocorrência da pandemia, verificou-se uma evolução interessante que foi o facto de a produtividade aparente do trabalho ter aumentado nas IPSS (+1,76% de 2019 para 2020), ao mesmo tempo que diminuiu (-6,18%) nas empresas não financeiras”.
Segundo explicou, “esta situação deve ter resultado, muito provavelmente, não só de esforços dos dirigentes e trabalhadores das IPSS no sentido de uma gestão mais eficiente dos recursos humanos, mas também do esforço dos trabalhadores para aumentarem a quantidade e diversidade dos serviços prestados a título remunerado ou não, em resposta à pandemia”.
Quanto ao grau de cobertura do custo médio pelo recebimento médio da Segurança Social mensal, “as respostas de LIJ, CAFAP, Lar Residencial e CAO apresentam um peso superior a 70% em 2019, que se confirma em 2020, juntando-se-lhes neste ano a Creche”, referiu o padre Lino Maia, acrescentando que “também a ERPI, o Centro de Dia e o CATL apresentam um grau de cobertura do custo médio pelo recebimento médio da Segurança Social mensal inferior a 35%, sendo o do Centro de Dia de 26%”.
Porém, “em 2020, este peso aumenta para valores superiores a 40% no Centro de Dia e CATL”, frisou o líder da CNIS, que sublinhou ainda que “apenas a resposta social ERPI apresenta um grau de cobertura do custo médio pela mensalidade média superior a 50% em 2019 e 2020”.
O Centro de Dia apresenta um valor de cerca de 46% em 2019, mas cai para 32% em 2020, devido à pandemia.
De forma mais global, no que se refere à estrutura financeira, “mantém-se o essencial dos resultados apurados nos estudos anteriores, a saber, bons rácios de liquidez e de solvabilidade e taxas de endividamento muito menores do que nas empresas não financeiras”, mantendo-se, igualmente, “a situação identificada nesses estudos de uma taxa de rendibilidade dos capitais próprios menor do que nas empresas não financeiras, devido às mesmas razões aí referidas, a saber, uma menor taxa de endividamento, uma menor taxa de rotação do ativo, um maior peso das amortizações e uma menor rendibilidade operacional do volume de negócios”, revelou o presidente da CNIS, que adiantou ainda que, nas próximas versões do estudo entrarão dados relativos a instituições associadas da Confecoop e da União das Mutualidades Portuguesas, para cada vez mais se conhecer melhor a importância económica e social das IPSS em Portugal.
E para que esse retrato do sector seja o mais fidedigno e completo possível, “era importante que as contas apresentadas pelas IPSS à Segurança Social fossem disponibilizadas para realizar ainda melhor esta Central de Balanços”, argumentou o presidente da CNIS, revelando ir “fazer eco disso mesmo junto da ministra”.
Por outro lado, e perante os resultados apurados, o padre Lino Maia lembrou que “o Estado não pode ignorar as suas obrigações para com este sector, porque faz serviço público”.
“O Estado pensa que dando migalhas já faz caridade, mas se as instituições fecharem portas não sei o que seria deste país… e há muitas IPSS em perigo de insolvência por subfinanciamento”, alertou, lembrando que “se não fossem as IPSS, mais gente ficava para trás”.
Américo Mendes, coordenador do estudo, abordou diversos aspetos relacionados com a metodologia do trabalho e ainda resultados de determinados indicadores.
O investigador que há dois tipos de bens e serviços produzidos pelas IPSS: “Temos os bens e serviços privados, aqueles que providenciam aos seus utentes e que poderiam ser vendidos e, com isso, gerar receitas suficientes para cobrir os custos, mas não são por causa da missão solidária das instituições; e os bens públicos, que se subdividem em coesão social, analisada nos três estudos, a coesão territorial, analisada nos dois primeiros; e ainda a saúde pública, a analisar futuramente”.
O coordenador do estudo referiu ainda que “o cofinanciamento público das IPSS não é um ‘subsídio’, não é uma benesse do Estado para com as IPSS”, mas é “o pagamento de serviços que deveriam ser obrigatoriamente produzidos pelo Estado, mas que este delega nas IPSS”, ou seja, “é o pagamento parcial dos custos de produção de bens públicos – coesão social, coesão territorial, saúde pública – produzidos pela livre iniciativa solidária organizada da sociedade civil no cumprimento de uma obrigação moral para com os mais carenciados” e “que a sociedade deve pagar, neste caso através das entidades públicas que legitimamente a representam, se quiser que esses bens públicos sejam produzidos”.
A terminar, Américo Mendes sublinhou os “bons rácios de liquidez e de solvabilidade” registados, tal como as taxas de endividamento, “muito menores do que no conjunto das empresas não financeiras” e a taxa de rentabilidade dos capitais próprios, que é “menor do que no conjunto das empresas não financeiras”.
Como escreveu Manuel de Lemos no prefácio do estudo, “naturalmente que um trabalho deste tipo é sempre uma obra inacabada, sobretudo se tivermos presente a diferente realidade de cada uma das instituições abrangidas”, pelo que novas edições surgirão no futuro.

Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)

 

Data de introdução: 2023-04-05



















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