A CNIS - Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade - continua a diligenciar junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social para que sejam dadas orientações relativas à aplicação prática da Adenda ao Compromisso de Cooperação para o Setor Social e Solidário, assinada em dezembro de 2022, no que se refere, concretamente, à “promoção da respetiva valorização salarial das amas enquadradas na creche familiar.”
A Cláusula VI da Adenda, relativa à Creche Familiar, estabelece uma possibilidade de opção, pelas IPSS titulares dessa resposta social, de manutenção dos contratos de prestação de serviços ou de os converter em contratos de trabalho, pressupondo a adesão voluntária das instituições interessadas.
As recentes alterações do Código de Trabalho podem permitir a interpretação de considerar o atual estatuto laboral das amas abrangido na regulamentação coletiva de trabalho em vigor no Sector Social Solidário.
As amas das creches familiares reclamam desde janeiro a atualização salarial, exigindo a aplicação direta do texto da Adenda e culpando a CNIS por ter dado instruções às IPSS para aguardarem esclarecimentos relativos à sua aplicabilidade.
Lino Maia, o presidente da CNIS, assume que aguarda as necessárias orientações do governo: “É só uma questão de haver ou não haver orientações que foram pedidas ao governo para cumprir aquilo que foi concertado em Adenda. Eu assinei a Adenda, está assinada e é para cumprir. Agora, é um facto que aquilo que foi assinado, primeiro, leva a alguma confusão porque endossa para contratação coletiva a questão dos contratos com as amas, mas sem um timing definido, o que leva a um adiamento sine die. Por outro lado, endossando para a contratação coletiva, pondo as amas com contrato de trabalho, cria situações que pura e simplesmente não são possíveis. Não é viável cumprirem turnos de 11 horas por dia e fazerem 55 horas de trabalho por semana. E também há outro problema: aquilo que as IPSS recebem para a gestão da creche familiar não é de facto um apoio suficiente. As instituições teriam um grave prejuízo com a manutenção das creches e levaria necessariamente ao seu encerramento e à dispensa das amas.”
De facto, os efeitos seriam devastadores para a sustentabilidade das IPSS que desenvolvem essa resposta social. Basta considerar que nos atuais contratos de prestação de serviços não há obrigação legal de pagamento de subsídio de férias e de Natal nem TSU de 23%. Será diferente caso sejam considerados como contratos de trabalho. “A proposta de que as instituições aguardassem orientações foi para impedir o encerramento das creches familiares. Se assim não fosse muitas IPSS não teriam outra solução a não ser encerrar as creches. Tanto quanto sei, apenas a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que é estatal e tem outros financiamentos, é que aplicou o que está previsto na Adenda”, explica Lino Maia, presidente da CNIS, adiantando que “há um outro aspeto que tenho sublinhado: celebrando os contratos de trabalho com as amas e aplicando os valores que foram estabelecidos na Adenda, nós passaríamos a ter pessoas nas estruturas das IPSS com habilitação superior a ganhar menos do que as amas. Ao argumento de que o que interessa é resolver a questão eu contraponho que tem de haver enquadramento justo para evitar turbulência nas instituições.”
Desde que a Adenda foi assinada a questão ficou a pairar, aguardando esclarecimentos por parte do governo. Lino Maia sempre chamou a atenção para a necessidade de se adequar o texto à sua aplicabilidade: “Quinze dias após a assinatura em meados de dezembro de 2022 da Adenda, a CNIS pediu ao governo orientações para cumprir o que ficou escrito. Essas orientações não vieram. No final de janeiro houve uma reunião inconclusiva, porque da parte do governo não foi prestada a devida atenção ao pedido de orientações, e depois foi adiando. Ainda não há respostas concretas, espero que nos próximos tempos isso venha a acontecer. O que queremos saber é simples: como é possível celebrar contratos de trabalho com as amas, cumprindo a legislação? Lembro, ao abrigo da Agenda para o Trabalho Digno e Código do Trabalho, que nenhum trabalhador pode fazer 55 horas por semana. E ainda que haja um financiamento compatível por parte do Estado que permita às IPSS manter as creches familiares. Convém ter em conta que para além da remuneração das amas há outras despesas nesta resposta social: a alimentação, o transporte e a coordenação. Aquilo que o Estado transfere não é suficiente e, obviamente, tem de assumir as suas responsabilidades.”
A CNIS, já por diversas vezes, solicitou formalmente a modificação da Adenda ao Compromisso de Cooperação para o Sector Social e Solidário. A última diligência foi a feita a reboque da Lei nº 13/2023, que altera o Código de Trabalho no âmbito da Agenda do Trabalho Digno e que entrou em vigor no dia 1 de maio de 2023, reiterando ser impossível proceder à valorização remuneratória das amas sem o prévio esclarecimento por parte do governo.
A secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, criou a expectativa de que a situação seria resolvida no findo mês de abril, mas até agora não houve encontros específicos com vista a encontrar soluções. “Da parte da secretaria de Estado houve a promessa de que o problema estaria resolvido até ao final do mês de abril. Não aconteceu. Eu sei que agora a secretária de Estado da Inclusão está a dominar a matéria e conhece a turbulência que esta situação pode provocar. Está ciente disso. Eu espero que durante este mês de maio possamos chegar a ter orientações e acertar transferências do Estado para que as IPSS possam manter as creches familiares”, esclarece Lino Maia, reiterando a vontade de assumir os compromissos assumidos: “Eu repito: eu assinei a Adenda e assumo que que assinei, apesar das circunstâncias que me vou abster de revelar. O que está assinado diz que a remuneração das amas já seria para aplicar em janeiro. Ora, quando houver orientações e financiamento adequado certamente que as IPSS serão informadas no sentido de receberem com retroativos.”
No universo das Instituições de Solidariedade que são associadas da CNIS há cerca de seis dezenas com contratos de cooperação na resposta Creche Familiar. O número total de amas que estão ao serviço de IPSS deve rondar a centena.
O governo atribui uma comparticipação às Instituições, por cada ama que acolha 4 crianças, no valor de 1.682 euros que é paga 12 vezes por ano. Nessas circunstâncias, cada ama tem direito a uma remuneração de 1.178 euros. Com os 504 euros sobejantes as IPSS têm de pagar o funcionamento da resposta (transporte, alimentação, coordenação, impostos…). Se os contratos de prestação de serviços das amas forem convertidos em regime de contrato de trabalho, como o Governo propõe, a remuneração de 1.178 euros terá que ser paga 14 vezes por ano.
Lino Maia socorre-se de um parecer técnico interno para fazer a prova da impossibilidade de aplicar a Adenda de forma linear e direta: “Como o MTSSS bem sabe, até porque constitui receita do Orçamento da Segurança Social, que sobre esses 14 pagamentos incidiria a percentagem de 23% da TSU a cargo da entidade empregadora; bem como um mínimo de 2% para o seguro por acidentes de trabalho, obrigatório. Feitas as contas, o custo do duodécimo com remunerações e respetivos encargos obrigatórios, seria, por ama, (20.613 euros: 12 =) 1717,75: mais do que o valor total que a Segurança Social pagaria por ama - 1.682 euros. Ficando ainda como encargo da Instituição, sem qualquer comparticipação familiar – a partir da universalização da gratuitidade da creche -, ou da Segurança Social, o pagamento do educador de infância de enquadramento, da alimentação das crianças e demais despesas de funcionamento.”
O cenário de encerramento da resposta social Creche Familiar não é uma ameaça da CNIS. É a realidade para as IPSS que ainda a asseguram. Algumas já deram a entender que se não houver esclarecimentos em breve não terão alternativa ao encerramento por impossibilidade de cumprimento do que é exigido pelas amas.
APOIO EXTRAORDINÁRIO
O presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade reclama do governo um apoio extraordinário significativo e não reembolsável para fazer face a enormes dificuldades de tesouraria do sector social.
“Eu estou preocupado com a situação financeira das instituições. É preciso pensar em apoios extraordinários que não estejam dependentes do Compromisso de Cooperação. Eu julgo que neste momento são necessários. Em devido tempo, quando foram definidos os apoios extraordinários para resolver problemas de tesouraria, em dezembro passado, com referência a 2022 e a antecipação de verbas de 2023, eu já nessa altura fiz saber que por altura da Páscoa teria de haver outro apoio extraordinário. Era previsível. A inflação continuou a subir e é preciso ter em conta que a inflação média nacional anda à volta dos sete por cento, mas nas instituições os aumentos de custos são muito superiores. Por exemplo, quando há uma atualização do salário mínimo, enquanto na economia em geral a média do custo com os trabalhadores é de 18 por cento nas IPSS anda entre os 60 e os 70 por cento ou mais. O último estudo sobre a importância económico-social das IPSS revela que as instituições não estão muito abaixo da média nacional nos salários. Todos os anos tem havido atualizações ainda que baixas. Qualquer aumento tem um impacto enorme na economia social solidária. Por isso, calculo que a inflação neste setor deve rondar os 20 por cento. Neste momento o que é urgente é o apoio extraordinário sem estar dependente do Compromisso de Cooperação e tem de ser a fundo perdido.”
Lino Maia esclareceu ainda que não há datas marcadas para a tratar do Compromisso de Cooperação 2023/2024, admitindo que a iniciativa é do governo que, está convencido, brevemente deverá convidar as organizações de Sector Social para o início das negociações.
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