Todos reconhecemos as situações de pobreza mas não sabemos definir bem onde ela começa ou acaba. E os especialistas acompanham este sentimento da pessoa comum. A aproximação à definição do que é ser pobre tem seguido vários caminhos.
A pobreza é absoluta se não permite sobreviver com dignidade, satisfazendo necessidades fundamentais.
Há algumas décadas tornou-se famoso o apelo das agências da ONU a que ninguém viva com menos que o equivalente a um dólar americano por dia. Apesar de toda a ajuda ao desenvolvimento, da solidariedade global e da mobilização para a intervenção humanitária continuamos longe de atingir esse objetivo à escala planetária.
A pobreza é relativa se é grande a distância entre o nível de vida da pessoa e o da generalidade da população do país em que vive.
Na União Europeia entende-se que está em pobreza relativa a pessoa ou família que vive com um rendimento inferior a 60% do rendimento mediano do seu país. (O rendimento mediano é o rendimento da pessoa em relação à qual metade da população do país é mais pobre e metade é mais rica.)
É com recurso a este último indicador, cruzado ainda com a privação ou acesso a certos bens, que se chega às pessoas em “pessoas em risco de pobreza ou exclusão”, que a União Europeia pretende reduzir em 15 milhões entre 2020 e 2030.
Na sua estratégia nacional de luta contra a pobreza, Portugal pretende contribuir para essa meta com a redução em 700 mil pessoas até 2030. A Ministra Ana Mendes Godinho referiu recentemente que as medidas adotadas já terão chegado a cerca de 170 mil pessoas. Poucos dias depois, a diretora executiva da UNICEF para Portugal disse ao Jornal Público que não temos dados atualizados nem “mecanismo de monitorização transversal” do fenómeno e que receia que mais 10 a 20 mil crianças estejam em risco de cair na pobreza este ano devido à crise habitacional e à inflação na alimentação e na eletricidade, alertando para o risco da “fome de verão” das crianças.
Aparentemente há uma contradição entre as duas declarações, mas podemos estar a conseguir que haja quem saia da pobreza sem impedir que outros entrem e o saldo final não é conhecido em tempo real. O combate ao risco de pobreza é uma tarefa de Sísifo, em que conseguimos atenuar um fator de risco, para outro logo se levantar. Daí que dispor de mecanismos de escuta das dinâmicas sociais seja tão importante como ter um programa com medidas bem definidas e concretizadas de modo eficaz.
O alerta da diretora executiva da UNICEF a propósito das crianças em risco pode estender-se a outros fatores de vulnerabilidade à pobreza.
Um dos casos em que o país carece de maior atenção é o dos pais jovens com filhos menores. É importante o reforço das prestações familiares que está em curso, mas não basta.
A exposição ao emprego precário e mal pago e ao desemprego sem acesso à proteção social são riscos subavaliados. Estas famílias, muitas vezes têm como recurso apenas um Rendimento Social de Inserção cujo valor caiu drasticamente tornando-o uma prestação desajustada das necessidades.
Para piorar as coisas, deixou de haver investimento material e acompanhamento efetivo das medidas de inserção que deveriam complementar as prestações de RSI.
O que se disse sobre o RSI estende-se a todas e a todos os que vivem de prestações do regime não contributivo, fixadas em valores substancialmente inferiores à linha da pobreza e na sua generalidade não articuladas com mecanismos complementares de inserção social que permitam “agarrar a escada” que traga as pessoas de volta aos padrões da sociedade em que vivem.
Mas, se queremos garantir vida com dignidade às pessoas em risco de pobreza, não podemos continuar a esperar que a sua situação se degrade, por ausência ou insuficiência de rendimentos do trabalho, por privação de proteção social adequada, por paralisia nas ações de inserção, até ao ponto de humilhadas, as vermos aparecer na ajuda alimentar. Esta, sendo necessária e evitando a fome, não tira as pessoas da pobreza, em que continuarão a viver na refeição seguinte e em todas as restantes até ao dia em que se tenha uma oportunidade real ou uma proteção adequada. Trabalhar por essa oportunidade e reivindicar a necessidade dessa proteção faz parte da missão da sociedade civil para que aqueles de nós, demasiados, que sofrem a falta de rendimentos, conforto e oportunidades, possam vencer a batalha contra a sua exclusão.
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