O mês de agosto trouxe a formalização de uma nova resposta social designada habitação colaborativa e comunitária[1]. É uma resposta inovadora, que pretende cobrir em novos acordos de cooperação entre o Estado e IPSS ou entidades privadas os beneficiários dos estabelecimentos de apoio social. Ou seja, é uma resposta que se insere nos objetivos da ação social, dirigindo-se em particular a crianças e jovens, pessoas idosas, pessoas com deficiência, doença do foro mental ou psiquiátrico e grupos vulneráveis.
O modelo de habitação colaborativa previsto assenta em recursos e estruturas habitacionais comuns, que permitam a convivência, sob responsabilidade de uma entidade gestora. Os beneficiários a admitir serão alvo de uma avaliação nos termos de um regulamento interno e será estabelecido um contrato de prestação de serviços entre a identidade gestora e a pessoa admitida que definirá os direitos e as obrigações das partes.
Há diversos ângulos positivos na experiência que o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social agora enquadra nas respostas sociais.
Os beneficiários são titulares de um contrato de prestação de serviços e são residentes com total autonomia, apenas vinculados a obrigações e benefícios acordados com uma entidade prestadora se serviços.
Estimula-se que para além do benefício individual dos serviços recebidos os residentes possam beneficiar de uma interação coletiva e comunitária, com outros utentes coabitantes, de um coletivo que pode ir de 4 a 60 residentes.
Mas será esta nova resposta verdadeiramente habitação colaborativa?
O conceito de habitação colaborativa definido na portaria define a sua ambição. Atentemos no texto do artº 2º da portaria: “A Habitação Colaborativa é uma resposta social de caráter residencial, temporária e ou permanente, que assenta num modelo de habitação colaborativa e comunitária, organizada em unidades habitacionais independentes, próximas ou contíguas, de apartamentos, moradias ou outra tipologia de habitação similar, e que dispõe de áreas e espaços de utilização comum, compartilhada, bem como de serviços de apoio partilhados e subsidiários, promotores de interação social, intergeracionalidade e inclusão social dos seus residentes”.
A portaria não densifica em parte alguma do seu texto como e quais serão as áreas e espaços de utilização comum ou como será decidido quais sejam e quanto aos serviços de apoio partilhados enumera atividades que já são praticadas nas formas convencionais de residência assistida ou mesmo de ERPI (culturais, ambientais, sociais, lúdico-recreativas; promotoras e estimuladoras da autonomia física e mental, apoio psicossocial). Do mesmo modo não é aprofundado nenhum conteúdo da promoção da intergeracionalidade.
É verdade que não há um conceito preciso de habitação colaborativa, já que este modelo, como muitos outros, nasceu de práticas de terreno e não de laboratórios de políticas e essas práticas são diversas com os contextos geográficos, as orientações políticas dos promotores e os grupos-alvo.
É também verdade que as iniciativas top-down não devem ser desnecessariamente regulamentadoras se pretendem permitir a experiência e a inovação.
A regulação, no entanto, deve ser suficientemente densa para que as iniciativas a desenvolver materializem o conceito que se pretende experimentar. A ambição da portaria, com efeito, não é apenas a da expensão de respostas residenciais assistidas, mas é maior, de promoção de espírito colaborativo, comunitário e intergeracional.
Um estudo extensivo da habitação colaborativa na Europa chegou a uma proposta de definição, que pode ajudar a orientar quem se interesse por esta resposta: “habitação colaborativa” pode ser entendida como um termo genérico que abrange uma variedade de formas de habitação com diferentes graus de auto-organização coletiva. É central para este tipo de habitação a presença de um nível significativo de colaboração entre os (futuros) residentes, e entre estes e os actores externos e/ou partes interessadas, com vista à realização do projeto habitacional. Neste sentido, o termo colaboração significa ação coordenada para um propósito comum. Esta colaboração pode ocorrer em diferentes fases do projeto – por vezes desde a conceção, projeto e desenvolvimento – e pode estender-se à manutenção e gestão diária da habitação. As formas de habitação colaborativa podem variar em termos de posse e características legais e organizacionais. Os atributos comuns incluem um elevado grau de contacto social entre os residentes e a presença, em diferentes graus, de objectivos e motivos partilhados em relação ao projeto habitacional, tais como a sustentabilidade ecológica e a inclusão social. Em muitos casos, estes valores também se estendem ao ambiente externo do projeto.” (Czischke, D., Carriou, C., & Lang, R. (2020). Collaborative housing in Europe: Conceptualizing the field. Housing, Theory and Society, 37(1), 1-9.
Há em particular que ter presente que o que define o modelo de habitação colaborativa não é o facto de haver residência assistida. Para isso bastaria definir contratos de prestação de serviços entre residentes e entidades prestadoras. O que torna a habitação colaborativa é a intensidade de contacto e colaboração entre os residentes. Não é matéria que seja fácil de definir numa portaria. Nem a que entrou em vigor o tentou. Mas uma parte da inovação que resulta desta nova resposta social depende da entreajuda, da cooperação e da construção de vida comunitária entre co-residentes. Será a prática a definir o nível de sucesso nesta vertente.
[1] A Portaria n.º 269/2023, de 28 de agosto estabelece as condições de instalação, organização e funcionamento a que deve obedecer a resposta social Habitação Colaborativa e Comunitária.
Não há inqueritos válidos.