EUGÉNIO FONSECA

Solidariedade combina com criatividade

Prometi voltar ao discurso que o Papa Francisco proferiu, aquando da JMJ, no Centro Social Paroquial da Serafina. Desta fez para abordar um dos temas a propósito de um dos apelos que ele fez ao pedir: «Continuai com mansidão e gentileza a deixar-vos interpelar pela realidade, com as suas pobrezas antigas e novas, e a responder de forma concreta, com criatividade e coragem[1]. É que este pequeno trecho apela a três realidades com as quais os dirigentes e demais colaboradores de IPSS, constantemente, se confrontam: as novas formas de pobreza, a inovação e a ousadia. Nas duas últimas, estão também possibilidades de garantir a sustentabilidade das instituições, não só as de solidariedade social, mas mesmo a de outros setores do setor lucrativo. Não basta, como é costume dizer-se, “atirar dinheiro para cima dos problemas” para que eles se resolvam; muitos precisam, sem dúvida, de reforço financeiro, mas, em simultâneo, de novas intervenções estruturais para se libertarem das causas que são fatores de insustentabilidade.

Vivemos num mundo em constante mudança. Elas são cada vez maiores. De tal forma que, o atual Papa já o disse, algumas vezes, que não estamos numa época de mudanças, mas numa mudança de época. Uma nova era está a surgir, sobretudo dominada pelo avanço imparável de áreas científicas, sendo a mais complexa, pelas implicações diretas e imediatistas que tem na vida das criaturas humanas, sobretudo no relacionamento entre elas, como é tudo o que esteja relacionado com as novas tecnologias, particularmente, a do vastíssimo mundo digital.

O ser humano está dotado de inteligência para pensar e criar; de liberdade para ser capaz de escolher, com responsabilidade, o que deve fazer de melhor para si e para os outros; e de uma dimensão espiritual que o impulsiona a transcender-se a si mesmo, procurando ir sempre mais além. Assim, a pessoa pode tornar novas as situações, os projetos, os modelos, os critérios de vida, decidir como inovar, ou seja, não só renovar, mas criar, inventar, fazer acontecer o que, até então, não existia. Há, porém, quem contrarie esta condição de ser e se acomode com argumentos como o “sempre se fez assim”, pois receiam ousar transformações, porque elas trazem alguns desconfortos, como o imprevisível, as inseguranças várias, o medo de errar, a adaptação a novos métodos, a exposição a críticas … Mas quem, dirige ou de outra forma colabora numa IPSS, com o sentido consciente e responsável de servir os ideais de um Mundo Melhor, com mais e melhor construção de Humanidade, tem de ser um criativo. Para tal, há que ter em atenção os riscos que corre e transformá-los em possibilidades de inovação. Saliento os que me parecem mais evidentes: i) desconhecimento da realidade concreta pela preocupação excessiva da instituição se centrar em si mesma e apenas nos seus problemas. Estudos regulares da situação da comunidade envolvente, assim como toda a abertura à criação de parcerias é o caminho certo; ii) o tecnicismo que coloca as pessoas escravas das orientações técnicas uniformizadas que podem gerar o contrário do que pretendem. O critério a seguir é o bem-estar da pessoa e que as orientações técnicas, válidas nesse sentido, sejam mais poliédricas na sua aplicação; iii) a competitividade interinstitucional que leva ao encobrimento das inovações alcançadas ou dos processos conseguidos. Ao contrário do que acontece na economia de mercado em que o “segredo é a alma do negócio”, na solidariedade social a partilha de boas práticas gera mais criatividade que favorece a inovação; iv) a não valorização da formação contínua porque se ensina sempre o mesmo e os colaboradores fazem falta nos seus postos de trabalho. Não só porque há uma obrigação legal de se assegurar um tempo formativo anual, mas também, o saber mais nunca é desperdício mas, sempre que as condições pessoais, profissionais e as temáticas forem favoráveis, essa mesma formação poderia ser aproveitada por dirigentes e colaboradores, criando, assim, maiores probabilidades de se conjugarem na criação de ideias novas que levassem a projetos diferentes; os sonhos megalómanos depressa se tornam em grandes pesadelos, pelo que é preciso ter muito cuidado, antes de se avançar para qualquer novo projeto. Não quero dizer que só se deva arriscar com todas as seguranças, cálculos bem medidos, certezas asseguradas. Isso não é compatível com a inovação. Mas, há que “sonhar com olhos abertos”, escutando muito, fundamentalmente, quem possa vir a ter de se envolver no novo projeto.

A solidariedade é um valor humano dinâmico, porque responde a situações concretas diferentes e vivida em sociedade, esse dinamismo torna-se inevitável, sob pena de estarmos a contribuir para a construção do Mundo em que a maior parte dos que o habitam não são capazes ou têm dificuldades em criar os seus próprios projetos de vida, ou recriá-los sempre que for necessário, porque viveram em comunidade onde pouco de novo acontecia e eram mais destinatários do que protagonistas.

Ora, as IPSS, alavancadas na sua identidade e autonomia, são das instituições, fora da esfera da área científica, que melhores condições podem ter para inovar. E na intervenção social de combinar solidariedade com criatividade. Existem evidências de situações passadas. Importa, agora, porque os desafios são maiores, demonstrar que continuaremos a ser conservadores na defesa dos valores que dignifiquem a pessoa, mas sempre criativos em tudo o que a possa tornar mais feliz.

                                                                          

 

[1] Cf. FRANCISCO, EJMJ LISBOA 2023 -Discursos e Homílias- Todos, todos, todos!, Prior Velho, Editora Paulinas, 2023, 49.

 

 

 

Data de introdução: 2023-10-05



















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