PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

O balde de água fria das estatísticas sobre a pobreza

O Instituto Nacional de Estatística divulgou em novembro informação sobre rendimento e condições de vida que deitou um balde de água fria sobre as esperanças de redução da pobreza em Portugal.

As pessoas em pobreza monetária, que são as que vivem com um rendimento inferior a 60% do rendimento mediano, ou seja, do rendimento da pessoa por relação à qual metade das pessoas residente no país são mais pobres e outra metade são mais ricas, subiram de 2021 para 2022, de 16,4% para 17% da população residente. E este aumento deve ter em conta que a linha de pobreza subiu 7,4%, um valor inferior ao da inflação, que foi em média anual de 7,8% e em média homóloga de 9,6%. Em 2022 não há apenas mais pessoas pobres, a linha de pobreza desceu em termos reais face a 2021.

O agravamento da pobreza entre crianças e jovens foi mais intenso que na população em geral, passando a taxa de pobreza entre os menores de 18 anos de 18,5% para 20,7%.

Não foi apenas a pobreza que subiu, também aumentou a desigualdade. O fosso de rendimento entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres cresceu. Os mais ricos ganhavam, em 2022, 5,6 vezes mais que os mais pobres, quando no ano anterior, ganhavam 5,1 vezes mais. O agravamento das desigualdades levou a um aumento do índice de Gini, que varia entre 0, se todas as pessoas numa sociedade tiverem rendimentos iguais, e 100 se uma só pessoa tiver todo o rendimento. Este índice em 2022 atingiu 33,7, o valor mais alto dos últimos anos, que nos põe de novo ao nível da desigualdade registada em 2015, anulando os ganhos dos últimos anos.

Em termos gerais, Portugal não está a ser capaz de diminuir a pobreza, nem de mudar o seu padrão. O país tem tido sucesso na contenção da pobreza dos idosos, por força da política de pensões, na limitação da pobreza dos empregados, por efeito do salário mínimo, mas não no combate à pobreza de desempregados nem à pobreza das crianças, ou melhor, das famílias com filhos menores. As transferências sociais são ineficazes para reduzir a pobreza, dado o desajustamento progressivo entre o Indexante de Apoios Sociais e a evolução do rendimento mediano. A proteção no desemprego tem uma cobertura reduzida e perdeu eficácia. As famílias jovens com filhos e em situação social precária não recebem apoios suficientes.

O país está também a deixar crescer a desigualdade. Sabe-se pouco sobre a razão desta evolução, mas ela não deve ser estranha à debilidade da contratação coletiva e ao desligamento entre a variação da produtividade e a variação dos salários, com a primeira a subir bastante mais do que os segundos.

Muitos estranharão a escassez de resultados dos últimos anos neste domínio e em particular os maus resultados de 2022. Mas este foi o ano em que grande parte das medidas excecionais do período da pandemia foram desativadas e insuficientemente substituídas por uma nova abordagem da pobreza.

O país tem, é certo, uma nova estratégia de combate à pobreza, aprovada a 29 de dezembro de 2021, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2021. Tem também um plano de ação para a execução dessa estratégia no período de 2022 a 2025. Mas esse Plano de Ação foi aprovado no Conselho de Ministros a 12 de outubro de 2023, no limite para que no Dia Internacional de Combate à pobreza, celebrado a 17 de outubro, ninguém recordasse o atraso de mais de um ano na sua aprovação.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza tem metas ambiciosas, como reduzir a taxa de pobreza monetária para 10% até 2030, reduzir numa década o risco de pobreza monetária das crianças e jovens para metade, convergir com a União Europeia na taxa de privação material específica de crianças, reduzir a taxa de risco de pobreza no trabalho e provocar convergência territorial na diminuição da pobreza.

São intenções nobres, que os dois primeiros anos da década não mostram nenhum indício de se estarem a realizar. O que nos deve preocupar. Só não podemos ainda é acusar a Estratégia de falta de eficácia, pelo simples facto de que em 2022, ano a que estas estatísticas se referem, praticamente nada dela estava ainda no terreno e, mais preocupante, quando saírem os resultados de 2023, daqui a um ano, também ainda neles ela não estará cabalmente refletida.

Pode ser que 2024 seja o ano da aceleração da execução da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza. Mas neste balde de água fria que recebemos não a podemos julgar. Ela ainda existia praticamente só no papel em que foi impressa e nas páginas electrónicas em que a podemos ler.

 

Data de introdução: 2023-12-12



















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