Aparentemente podemos dar como certo um primeiro corte nas taxas de juro nos Estados Unidos durante o corrente mês de setembro. No mesmo mês, provavelmente também o BCE fará um novo corte de vinte e cinco pontos base nas taxas de juro de referência.
Podemos basear esta expetativas quer em dados estatísticos quer em declarações dos banqueiros centrais.
Os dados estatísticos dizem-nos que a inflação se encaminha para os canónicos 2%. Na zona euro o último registo foi de 2,2% embora boa parte deste desempenho se deva à contribuição negativa da energia cujos preços baixaram 3%. Se excluíssemos a energia a variação do índice seria de 2,7 % além de que persiste um irritante, a saber, o aumento nos preços dos serviços de 4,2%. Nos Estados Unidos o índice de preços no consumidor desceu para baixo dos 3% pela primeira vez nos últimos anos, embora, também aqui permaneçam alguns sinais menos positivos. Excluindo a energia e a comida a variação do índice teria sido de 3,2% e os serviços continuam a ver os preços subir 4,9%. Em Portugal o último registo da inflação referente a agosto mostra uma variação homóloga anual de 1,9%.
Quanto ao mercado de trabalho os números vão apontando para algum arrefecimento embora, aparentemente sem drama de maior. Os números dos Estados Unidos para julho saíram dececionantes e, inclusivamente, provocaram um momento de pânico nos mercados financeiros, com alguns investidores a sair apressadamente das suas exposições com receio de que estivesse iminente ou a caminho uma recessão económica. Esses receios eram, aparentemente, excessivos tendo os mercados já recuperado da correção do início de agosto.
As taxas de desemprego têm subido ligeiramente nas leituras mais recentes, contudo, mantêm-se em níveis historicamente baixos quer nos Estados Unidos quer na Europa. Nos Estados Unidos as taxas de desemprego têm aumentado mesmo num contexto em que a criação de emprego continua em território positivo o que significa que a força de trabalho está aumentar o que pode significar que mais pessoas se encontram disponíveis para trabalhar o que, no caso americano, pode resultar, em parte, do fenómeno migratório.
Embora persistam alguns sinais que sugerem prudência parece que a inflação se encaminha consistentemente e em devido tempo para os níveis desejados e, por outro lado, continua a valer a esperança de que este processo desinflacionário não obrigue necessariamente a um episódio de recessão. O cenário da aterragem suave continua a ser o mais provável.
Depois temos as declarações de intenção dos banqueiros centrais. Em Jackson Hole, onde todos os anos, no final de agosto, se reúne a nata dos banqueiros centrais, o presidente da reserva federal americana afirmou de uma forma explícita, nada habitual pelos padrões dos banqueiros centrais (em geral os banqueiros centrais preferem uma linguagem vaga, evasiva, que não os comprometa excessivamente), que “o tempo chegou” para começar a reduzir as taxas de juro.
Se o presidente da reserva federal foi explícito em relação ao timing, a verdade é que evitou abordar ou foi propositadamente ambíguo em relação a outros pontos igualmente importantes.
O primeiro desses pontos é a dimensão deste primeiro corte. A maioria dos investidores e dos analistas acredita que serão os regulamentares vinte e cinco pontos base, contudo, há quem pense que não é de excluir um primeiro desbaste de cinquenta pontos base.
Apostaria no movimento de menor dimensão. Um corte de cinquenta pontos base poderia ter consequências perversas. Alguns operadores de mercado poderiam pensar que um movimento dessa dimensão poderia significar que a reserva federal sabe alguma coisa que não sabemos e que a situação pode ser pior do que aparenta. As consequências nos mercados poderiam não ser simpáticas.
Um segundo tema a respeito do qual muito nos interessaria conhecer o pensamento da reserva federal é qual é a estimativa do valor da taxa de juro neutral no atual estado da economia e da sociedade.
A taxa de juro neutral é aquela que é suficientemente baixa para manter níveis de emprego considerados aceitáveis, mas, ao mesmo tempo, não acelera a inflação. Como é evidente a taxa de juro neutral não se pode medir diretamente, quando muito podemos fazer estimativas indiretas através de modelos econométricos.
Apesar de não podermos medir com precisão cirúrgica a taxa de juro neutral a verdade é que uma ordem de grandeza, segundo a avaliação dos bancos centrais, seria de grande utilidade na medida em que nos poderia dar uma ideia da dimensão do ciclo de descidas que agora vai começar nos Estados Unidos e que já começou na zona euro e no Reino Unido. Dito de outro modo, em que nível de taxas de juro aterraremos no final do ciclo?
Se acreditarmos no famoso mapa dos pontos que a reserva federal publica regularmente vemos que a maioria dos decisores da política monetária acredita que fecharemos o ano de 2025 com taxas nominais de 4% e, para 2026, a expetativa dominante é de 3%.
Provavelmente o caminho futuro das taxas de juro será bem menos regular que o que está implícito nas projeções dos decisores da Reserva Federal.
No entanto a estimativa para final de 2025 não parece deslocada. Uma redução global de cento e vinte e cinco ou cento e cinquenta pontos base ao longo do que resta de 2024 e durante 2025 parece razoável.
Naturalmente que há muitas incertezas. Obviamente que acontecimentos exógenos à economia podem mudar o curso do processo de ajustamento das taxas de juro.
Entre os fatores exógenos que podem alterar o quadro geral salientaria o resultado das próximas eleições americanas.
Nos programas económicos dos dois candidatos não é visível qualquer notória preocupação com o estado das finanças públicas americanas atuais. Em 2023 o deficit foi de 1,7 triliões de dólares (milhões de milhões), 6,3% do PIB, e o valor para 2024 poderá chegar aos dois triliões. A dívida pública em relação com o PIB está atualmente mais elevada do que o máximo histórico ocorrido em 1946 na sequência da segunda guerra mundial.
Não sabemos durante quanto tempo mais vai durar esta extraordinária complacência dos mercados face à deterioração das finanças do tio Sam.
Se Donald Trump ganhar a coisa pode ficar séria. O que se conhece do programa económico de Donald Trump é claramente inflacionista. Medidas como tarifas sobre importação, redução de impostos, tornar permanentes cortes de impostos que era suposto serem temporários, tudo isso tem potencial para inverter o atual ciclo de controlo da inflação.
Se Trump ganhar é bem possível que os decisores da Reserva Federal tenham de rever as suas projeções sobre o caminho futuro das taxas de juro.
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