1 – Os Contratos Colectivos de Trabalho em vigor no âmbito das Instituições Particulares de Solidariedade Social consagram a profissão de mediador sócio-cultural, que tem como “função colaborar na integração de imigrantes e minorias étnicas, na perspectiva do reforço do diálogo intercultural e da coesão e inclusão sociais, para tal colaborando na resolução de conflitos sócio-culturais e na definição de estratégias de intervenção social, colaborando activamente com todos os intervenientes dos processos de intervenção social e educativa, facilitando a comunicação entre profissionais e utentes de origem cultural diferente, assessorando os utentes na relação com profissionais e serviços públicos e privados, promovendo a inclusão de cidadãos de diferentes origens sociais e culturais em igualdade de condições.”
A inclusão desta profissão nos Contratos Colectivos de Trabalho deveu-se ao facto de muitas Instituições Particulares de Solidariedade Social disporem nos seus quadros de pessoal de trabalhadores com esta formação, desenvolvendo as suas funções no sentido de promover a inclusão de pessoas pertencentes a minorias étnicas ou sociais, preservando o diálogo intercultural a que se refere a descrição de funções constante do CCT.
Esta previsão constante da contratação colectiva chama a atenção para uma realidade que muitas vezes não é associada aos diversos trabalhos e domínios em que estamos habituados a ver as IPSS assegurarem o acolhimento dos grupos mais vulneráveis da população.
Na verdade, embora a percepção pública não acompanhe a dinâmica do trabalho das IPSS, é cada vez mais generalizado o reconhecimento de que a estrutura que, em Portugal, assegura o sistema de protecção social é constituída pela rede de Instituições Solidárias, que, da aldeia mais recôndita de Trás-os-Montes até ás Fajãs da Ilha das Flores, numa rede minuciosa e capilar, está atenta às necessidades e à esperança dos mais pobres, dos mais desfavorecidos ou dos mais indefesos.
Na verdade, hoje é do conhecimento geral que o acolhimento das crianças em creche, a fim de conciliar a vida profissional com a vida familiar dos pais, é na grande maioria assegurado pelas IPSS; e o mesmo acontece com os lares, os centros de dia ou o serviço de apoio domiciliário para os mas velhos; podendo dizer-se o mesmo dos equipamentos e serviços voltados para as pessoas com deficiência, em que as IPSS asseguram praticamente a totalidade das respostas existentes – como também sucede relativamente às crianças e jovens em risco.
Mas “há mais mundos”, como diria José Régio.
Para além dessas respostas sociais mais tipificadas, e que constituem uma espécie de sistema organizado territorialmente, o Sector Social – onde avultam as IPSS – assegura a mediação sociocultural nos territórios mais sensíveis e mais marginalizados.
É também por isso que foi às associações representativas dos moradores dos bairros sociais da Grande Lisboa – IPSS, Associações de Moradores … - que o Governo recorreu para tentar esbater a tensão que se gerou nesses mesmos bairros e abrandar os efeitos da indignação que se seguiu à morte, às mãos da polícia, de um habitante do Bairro do Zambujal, em Loures, chamado Odair Moniz.
Trata-se do reconhecimento do papel de mediação que tais organizações desempenham, aí onde falta a intervenção dos serviços públicos que garantam a satisfação das necessidades básicas dos moradores, “promovendo a inclusão de cidadãos de diferentes origens sociais e culturais em igualdade de condições” (para citar de novo a descrição das funções dos mediadores socioculturais,)
Como foi referido a propósito de incidentes em alguns desses bairros, o único contacto que alguns deles conhecem com os serviços do Estado é a polícia de choque.
(E também as ameaças de despejo dos bairros municipais, como veio a verificar-se no rescaldo dos incidentes)
2 – Escolho da descrição de funções de mediador sociocultural acima citada o seguinte segmento: “assessorando os utentes na relação com profissionais e serviços públicos e privados.”
Quer dizer, cabe aos mediadores socioculturais e às Instituições que os integram assegurar uma espécie de acompanhamento tutorial – como têm os alunos nos colégios caros -, no sentido de tomar sob a sua responsabilidade o acesso aos direitos conferidos à população em geral, em benefício de quem deles é excluído, por sistema ou por acinte.
Na verdade, essa assessoria, isto é, o acompanhamento de proximidade dos membros das minorias desguarnecidos da protecção pública, constitui um veículo seguro para o acesso aos serviços públicos essenciais.
Pode até constituir também uma protecção contra ataques à integridade física ou à própria vida.
Hoje, dia em que escrevo a crónica, 3 de Novembro, o jornal “Público” reconstitui, numa extensa e fundamentada peça, a detenção pela PSP de dois contramanifestantes numa manifestação do Chega, de 29 de Setembro – em que terão proclamado palavras de ordem como “fascismo nunca mais”, tendo sido nesse contexto agredidos por elementos que integravam a manifestação do partido da extrema-direita.
A peça tem o título “Anatomia de uma detenção pela PSP” e relata a detenção dos contramanifestantes agredidos e a indulgência perante os manifestantes agressores.
Há mais de 20 anos, Alberto Costa, então Ministro da Administração Interna, perante actuação desproporcionada da PSP, declarava: “Esta não é a minha polícia.”
Parece que continua a não ser – como a própria Ministra da Administração Interna sugere!
3 – Disso não tenho dúvidas. Amanhã, dia 5 de Novembro, voto Kamala Harris.
A propósito, quer de dúvidas, quer da necessidade de cortar as cabeças da hidra, aqui fica um breve poema de David Mourão-Ferreira:
COLUNA
“No alto da colina apenas a coluna
E a manhã decapita as cabeças da hidra
Mas vão todas gritando ao cair uma a uma
A dúvida ou a vida A dúvida ou a vida
Se regressas ao ponto em que estava a coluna
Vês somente no chão as cabeças da hidra
E decifras agora ao vê-las uma a uma
A dúvida é a vida A dúvida é a vida”
Henrique Rodrigues – Presidente do Centro Social de Ermesinde
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