Como todas as outras, a pessoa com deficiência deve poder aceder, querendo, a uma expressão e vivência da sexualidade que contribua para a sua saúde física e psicológica e para o seu sentido de realização pessoal. A CNIS assumiu a importância do tema e a necessidade de conferir mais competências às instituições que cuidam das pessoas com deficiência e mais voz a estas últimas, discutindo o assunto de forma aberta e sem complexos. Assim, em 29 de outubro último, promoveu um seminário que decorreu no Casino Fundanense, no Fundão, cujas conclusões se agora se partilham.
O pressuposto de base radica no facto de as pessoas com deficiência terem o direito a tomar decisões de forma autónoma também quanto à sua sexualidade, afetos e relações de intimidade, sendo este direito um direito fundamental dirigido à manutenção da dignidade de cada pessoa e comportando apenas as restrições que sejam necessárias em cada concreta situação individual.
Nesta ótica, vimos que ao anterior modelo, assente numa vertente médica e social, se seguiu um novo paradigma, baseado nos direitos humanos das pessoas com deficiência, modelo esse que procura reconhecer a dignidade inerente a todas as pessoas, reconhecendo ainda que as pessoas com deficiência são sujeitos de direito, com liberdade de escolha e controlo sobre onde, com quem e de que modo querem viver. O quadro jurídico português tem vindo, nesta matéria, a evoluir para um sistema mais próximo do novo paradigma, mas a evolução tem sido lenta, havendo ainda uma predominância assinalável de decisões em que os acompanhantes têm poderes de representação geral (ou seja, um modelo de substituição, inclusive quanto a direitos pessoais), mesmo nos casos de deficiências ligeiras a moderadas.
É nesse contexto que os direitos sexuais e reprodutivos podem ser encarados como a “última fronteira”, principalmente se considerarmos que o desenvolvimento sexual em adolescentes com deficiência intelectual tem o potencial de aumentar a ansiedade nos seus cuidadores.
Particularmente a condição de ser mulher e a condição de ter uma deficiência muitas vezes entrecruzam-se, dando lugar a formas específicas de violência e discriminação que atingem especificamente os direitos fundamentais das mulheres e raparigas com deficiência. Estas formas incluem práticas como a esterilização e o aborto involuntários e têm uma relação estreita com a questão da capacidade jurídica. Ao desafio de serem socialmente reconhecidas como mulheres, segue-se para as mulheres com deficiência o desafio de serem social e juridicamente reconhecidas como mães, encontrando-se significativamente sobre-representadas nos processos de promoção e proteção.
As questões da sexualidade e das relações de intimidade das pessoas com deficiência são complexas, multidimensionais e levantam dúvidas e desafios para os utentes, para os trabalhadores e para as famílias. Levantam igualmente dúvidas e desafios às instituições – quando não desconforto – quando postas perante situações às quais não sabem como reagir ou dar resposta. Importa, assim, que as instituições se preparem para os difíceis equilíbrios entre as suas próprias perceções, as necessidades e decisões dos seus utentes e o papel da família nesta equação, preocupação que também a CNIS assumiu como sua, ao abraçar este tema. O modelo de gestão e organização das Instituições tem de ser capaz de dar voz aos seus utentes e de valorizar essa voz. Na prestação de cuidados a cada utente – que é único e irrepetível – há que garantir e respeitar os seus direitos e opções também quanto ao modo como vive, ou pretende viver, a sua intimidade e sexualidade, sem emitir juízos de valor e com respeito pelas suas diferenças e identidades.
As muitas barreiras que afetam as pessoas com deficiência e as suas famílias no que toca à vivência da sua sexualidade, seja no acesso a formação e educação sexual, seja nas formas extremas de prevenção da violência e do abuso sexual, seja na própria consciencialização para as questões relacionadas com a saúde sexual, devem assim ser superadas com a intervenção e o apoio das equipas de profissionais. Estas devem resistir ao capacitismo e aos mitos associados à sexualidade das pessoas com deficiência, promovendo a literacia em saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva; apoiando os utentes nos processos de tomada de decisão em relação a si mesmos e à sua vida, com respeito pela sua autonomia; apostando na multidisciplinaridade, na formação contínua e na definição de protocolos de atuação.
Dos trabalhos do seminário ressalta novamente a ideia de que a individualização dos cuidados é hoje um dos maiores desafios postos às instituições, bem como a ideia de que o cuidar não é executar a tarefa, é sim atender à pessoa concreta, à sua individualidade, autonomia e diversidade. Esta ideia – que faz do utente o centro da prestação de cuidados – não pode deixar de se repercutir nos trabalhadores, nos dirigentes, nas próprias instituições e na sua gestão e organização, bem como nas famílias dos utentes.
Lino Maia
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