O Solidariedade deslocou-se ao Luso, sensivelmente, uma semana após o Centro Social Comendador Melo Pimenta celebrar 25 anos de apoio aos mais velhos da freguesia, mas a comunidade já muito tempo antes começara a ajudar quem mais precisava.
É que a instituição nasceu no final dos anos 1940, pela mão do Comendador Melo Pimenta, ainda como Sopa dos Pobres. O comendador cedeu o edifício onde eram servidas as refeições aos mais carenciados. Mas na génese da instituição estiveram ainda o Padre Moço, Carlos Castro (o único ainda vivo), António Neto Luís, António Sousa, António Esteves, Abílio Alves, Raul Mira, Fernando Ribeiro e João Freitas.
Depois de muitos anos a servir a Sopa dos Pobres, os fundadores olharam para o edifício e quiseram fazer algo mais. E esse algo mais foi intervir no edifício e criar o Centro Social.
A instituição apoia 22 utentes em Centro de Dia e 21 em Serviço de Apoio Domiciliário (SAD), com uma equipa de 12 funcionários. E se, inicialmente, a aposta foi nestas duas respostas sociais, hoje ela mantém-se, porque o desejo de uma ERPI continua a esbarrar nos obstáculos financeiros.
“A única coisa que existe é o terreno, que é aqui em frente, negociado em condições muito vantajosas, mas não há condições financeiras para avançar. Há o terreno e o desejo, mas apenas isso. Sem um financiamento quase total é impensável”, sustenta José Coelho, presidente da Direção, cargo que assumiu em agosto de 2024, numa estreia absoluta neste tipo de funções sociais solidárias.
Bem conhecida pela sua água, o Luso, concelho da Mealhada, é uma vila que no Censos de 2021 não chegava aos 2.300 habitantes. Ainda assim, e até para dar um pouco mais de sustentabilidade à instituição, José Coelho revela que há a intenção de alargar a capacidade das duas valências, porque o exercício, atualmente, continua a ser deficitário.
“É sempre um equilíbrio muito difícil, aliás, temos lista de espera para as duas respostas e esta Direção está a tentar dar resposta a todas as solicitações. Obviamente, estamos sempre limitados aos acordos de cooperação. Já tentámos junto da Segurança Social ver como será possível alargar esses acordos, mais no SAD do que no Centro de Dia, porque é uma resposta que vai mais de encontro às necessidades da nossa comunidade”, começa por dizer, acrescentando: “Isso implica um conjunto de alterações estruturais do edifício, como alargamento e para cumprimento de diversas regras. Estamos a equacionar como fazê-lo no sentido de alargar o apoio domiciliário. Temos procura, temos instituições de fora da freguesia que nos invadem, entre aspas, o território, pelo que temos necessidade de ampliar a capacidade de resposta do serviço”.
Para tal, segundo o dirigente, é necessário mexer na cozinha, não a nível de edificado, mas de requalificação dos equipamentos, para poderem dar maior resposta, e alterar a lavandaria, tendo a instituição um edifício anexo que pretende usar para fazer crescer a capacidade de tratamento de roupa.
Tal como na generalidade das IPSS do país, também esta do Luso sente na pele o défice gerado pela resposta de Centro de Dia.
“As receitas do Centro de Dia não asseguram sequer 30% dos custos da resposta por utente”, assevera e explica como isso se reflete nas contas do Centro Social: “A saúde financeira está má, estamos a tentar contornar as dificuldades. Tenho uma colega de Direção que é responsável pela promoção de eventos para angariação de fundos no sentido de colmatarmos essas lacunas financeiras. Números redondos, temos 75% de receitas asseguradas pelas comparticipações dos nossos utentes e pelas verbas da Segurança Social, pelo que nos faltam os outros 25%. Estes 25% têm de ser angariados de outra maneira. Neste momento, o orçamento previsto para o ano de 2025 dá um saldo negativo e já vem negativo dos últimos anos”.
Há apenas cinco meses no cargo, à altura desta conversa, José Coelho mostrava-se otimista, apesar das dificuldades.
“Estamos a equacionar outras soluções, como pedir ajuda à Segurança Social, mas esse equilíbrio financeiro tem passado por controlar as despesas, que é um trabalho árduo, difícil e, por vezes, inglório, porque tem de se cortar com algumas relações antigas e, depois, temos de ir gerindo as despesas aos fornecedores”, argumenta, brincando até: “Alguém dizia que as dívidas não são para se pagar, são para se ir gerindo… Não é bem assim, mas tenho que procurar entendimentos com os fornecedores e negociar ao cêntimo. Uma coisa é garantida, primeiro estão os trabalhadores e colaboradores, depois o edifício e os seus utentes e depois os fornecedores”.
Note-se que o primeiro contacto de José Coelho com o Sector Social Solidário, como dirigente, aconteceu em agosto passado, “um período difícil, pois só nos últimos cinco meses foi preciso pagar sete vencimentos”, afirma, exclamando: “Essa é outra questão que não percebo, ou seja, temos de pagar 14 meses, mas a Segurança Social só nos paga 12!”.
Questionado sobre o que mais o assustou quando pegou no Centro Social, o novel presidente foi perentório: “Foi exatamente a dívida da instituição, porque é limitativo da nossa ação. E, perante isso, como é que, enquanto Direção, vamos contornar isto? É um equilíbrio muito difícil de fazer, ainda para mais num período em que temos os subsídios para pagar aos trabalhadores. Tudo se complica. Temos abatido a dívida, não tanto quanto gostava, mas também só passaram cinco meses. No entanto, vamos ter que encontrar uma solução”.
Sem passado ligado às IPSS, José Coelho, filho da terra, ponderou, mas não hesitou em avançar, na iminência de o Centro Social poder fechar portas.
“Sou nascido e criado aqui no Luso, a 100 metros aqui do Centro, e muita da gente que está aqui conhece-me desde pequeno”, conta, recordando que, após algumas idas a Assembleias Gerais, notou o afastamento dos sócios da instituição.
“E só de pensar que isto podia fechar portas, até porque a Direção anterior esteve aqui 12 anos e estava cansada, gerou-me uma dicotomia mental: eu não tenho muito tempo disponível, porque divido-me entre o Luso e o Sabugal, mas só o simples facto de olhar para as pessoas que aqui estão, que dependem do Centro e que sem ele seria complicada a sobrevivência delas… O respeito à dignidade humana destas pessoas foi a principal razão que me levou a aceitar o desafio”, afirma José Coelho que elogia o quadro de pessoal, “sem o qual não conseguiremos nada”.
E como seria o Luso sem o Centro Social Comendador Melo Pimenta?
“Seria complicado, porque a única solução seria colocar estas pessoas numa zona mais distante, haveria mais um edifício devoluto e 12 empregos não existiriam. Não vejo o Luso sem o Centro Social, as pessoas estariam, por certo, em casa, porque não há outra resposta”.
A terminar a conversa, o presidente do Centro Social Comendador Melo Pimenta deixou um apelo: “É necessário fazer pressão para melhorar os acordos de cooperação, porque o risco de fechar existe. Em abono da verdade, prescindo do aumento das comparticipações pelo pagamento de 14 meses por parte do Estado”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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