1 - Após longos meses de campanha “avant la lettre”, em que os protocandidatos ensaiavam os passos, os avanços e os recuos, preparatórios do percurso que há-de levar um novo inquilino ao Palácio de Belém, chegou o tempo de formalizar a afirmação da candidatura a Presidente da República por parte das principais figuras que têm ocupado o espaço da disponibilidade para a campanha que vai culminar em Janeiro de 2026, com a eleição do novo Primeiro Magistrado da República.
(Ou em Fevereiro de 2026, se a eleição for à 2ª volta.)
Hoje, domingo, dia em que escrevo a crónica, Luís Marques Mendes apresenta o seu último “Comentário” na SIC, a que põe fim por ter chegado o momento de anunciar a sua candidatura, em representação do espaço político do centro-direita, para o que terá o apoio expresso do Partido Social-Democrata.
Apesar de as candidaturas a Presidente da República serem, do ponto de vista da Constituição, da iniciativa individual dos cidadãos, escapando à lógica partidária, a Direcção do PSD já veio anunciar que o apoio do Partido estaria reservado para um militante desse Partido; e tal anúncio trazia implícita a indigitação de Luís Marques Mendes como o candidato que teria o apoio do PSD.
Do lado do centro-esquerda, prefiguram-se dois candidatos, dois Antónios: António José Seguro e António Vitorino – ambos militantes do Partido Socialista.
Enquanto a candidatura de Luís Marques Mendes aparenta ter sido concertada com a Direcção do PSD, ainda está por revelar qual o envolvimento da Direcção do PS no processo de apoio a um dos seus militantes que venham a ser candidatos.
Ou a nenhum eles, na esteira de anteriores eleições presidenciais – em que o PS, invocando justamente o carácter pessoal das candidaturas, ou por tacticismo, optou por não patrocinar nenhum militante seu.
Fora da divisão tradicional entre esquerda e direita, as sondagens evidenciam, ademais como favorito, um militar – o Almirante Henrique Gouveia e Melo.
Trata-se de uma candidatura com origem e desenvolvimento insólitos.
Ao invés dos demais candidatos, sujeitos à previsão das sondagens na sequência de manifestações de pré-candidatura, a candidatura de Gouveia e Melo, pelo que se sabe, nasceu a partir das próprias sondagens.
Creio que foi Emídio Rangel quem afirmou que uma estação de televisão é tão capaz de vender um sabonete como de fazer um Presidente da República.
Foi o caso de Gouveia e Melo, cuja candidatura foi inventada pelas empresas de sondagens, “sponte sua”, antes mesmo de qualquer sinal dele nesse sentido – e cujo sucesso foi tão longe que as sondagens o dão como favorito, quer numa primeira volta, quer numa segunda volta.
Falta ainda referir André Ventura; mas isso não é novidade nenhuma.
E fica o leque completo, para falar apenas daqueles candidatos com verdadeira possibilidade de passarem à 2ª volta – sem desprimor para os candidatos que concorrem, legitimamente, para marcar presença, pelas mais diversas razões, mas que não têm possibilidade real de serem eleitos.
2 – Independente de filiação partidária, é nas eleições presidenciais que tenho participado com maior entusiasmo.
Participei activamente na campanha presidencial de Salgado Zenha, em 1985/1986, organizada fora do PS (o candidato do PS foi então Mário Soares); e também nas campanhas de Manuel Alegre, em 2006 e 2011; e participei igualmente na 2ª campanha de Ramalho Eanes.
Como referi, nas eleições de Janeiro de 1986, o PS apoiou a candidatura de Mário Soares, que acabou por ser eleito Presidente, na segunda volta, contra Freitas do Amaral.
A primeira campanha de Manuel Alegre foi contra o candidato do PS, Mário Soares; e na segunda, em que foi apoiado pelo PS, nem a alegria, nem os resultados foram tão estimulantes como os da primeira campanha.
E Ramalho Eanes foi eleito contra Soares e Sá Carneiro – que dominavam então os terrenos partidários que exerciam o poder executivo.
Eanes, Alegre e Zenha representam bem o ideal constitucional da independência face aos poderes dos partidos, tendo definido um perfil de candidatura assente no prestígio pessoal e político e consagrando um percurso de serviço público sem paralelo.
É este retrato de independência face aos outros poderes, de direito ou de facto, bem como o facto de, em regra, e eleição para a Presidência da República representar o reconhecimento de um percurso cívico exemplar que constitui o fundamento para a exigência da eleição directa do Presidente da República.
Tem sido referido que, nas próximas eleições presidenciais, essa matriz pode mudar.
Com efeito, os partidos que, desde 1976, nos têm governado – PS e PSD, este por vezes acompanhado do CDS – aparecem como apresentantes de candidato próprio: Luís Marques Mendes pela Aliança Democrática, António Vitorino ou António José Seguro pelo PS (ver-se-á qual esta semana).
E a candidatura do Almirante Gouveia e Melo, que aparece nas sondagens como potencialmente ganhadora, não representa a consagração de um percurso de vida pública dedicado à participação e ao empenhamento cívico – como Zenha ou Alegre.
(Eanes é diferente: foi o primeiro Presidente eleito após a Revolução de 25 de Abril e a sua legitimidade resultava directamente do papel que desempenhara na Revolução e na manutenção da democracia.)
3 – Por mim, associo o perfil do Presidente da República ao coroamento de uma vida pública exemplar, de alguém que, sem embargo do respeito pelo papel dos partidos para efeitos de Governo, tenha força e legitimidade, reconhecida pela comunidade, para servir de contraponto ao poder dos partidos, seja capaz de exercer verdadeiramente o poder moderador que é apanágio da Presidência.
É esse o fundamento para a eleição directa do Presidente da República, como a Constituição estipula.
Algumas vozes já se vêm escutando no espaço público, no sentido de mudar o método da eleição, reforçando a vertente parlamentar do Regime e remetendo para um colégio eleitoral restrito a eleição do seu Presidente da República.
Mas importa lembrar que o fundamento para a solução por que optaram os nossos constituintes, de eleição por sufrágio universal e directo do Presidente da República, deriva da rejeição do modelo que vigorou na Ditadura, entre 1958 e 1974.
Com efeito – mas poucos já se lembram disto –, até às eleições de 1958, entre o Almirante Américo Tomás e o General Humberto Delgado, o Presidente da República era eleito por sufrágio directo dos cidadãos eleitores.
Como a História regista, quem verdadeiramente venceu essas eleições foi Humberto Delgado, tendo a vitória sido atribuída a Américo Tomás na sequência da falsificação dos resultados da votação.
Tal foi o susto que a ditadura apanhou que rapidamente o Regime mudou o sistema eleitoral, passando o Presidente da República a ser eleito por um colégio eleitoral constituído, se bem me lembro, pelos Deputados da Nação e pelos Procuradores da Câmara Corporativa.
Foi uma espécie de homenagem que os Constituintes de Abril prestaram ao General Sem Medo o regresso ao método que, mesmo numa ditadura, com PIDE e Censura, permitiu que o Povo tivesse pregado um susto aos poderosos.
O sistema tem-nos dado alguns bons Presidentes da República.
Também o devemos a Abril!
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