A Associação Hípica e Psicomotora de Viseu (AHPV) surgiu da iniciativa de um jovem militar de carreira que olha para os cavalos como “um ser vivo magnífico, que todos os dias nos dá estímulos diferentes”. Luís Miguel Ribeiro é major na GNR, da arma de cavalaria, e presidente e fundador da IPSS que, há 10 anos, ajuda crianças com problemas de desenvolvimento.
“A instituição nasce numa quinta em Vil de Souto e da vontade de usar esse recurso fantástico que é o cavalo para ajudar crianças com uma resposta diferenciada, que não existe formalmente, pois é completamente atípica”, conta, lembrando que, no arranque da instituição era apenas o próprio, uma psicomotricista e um cavalo.
“Fizemos o primeiro protocolo com a Associação de Autismo (APPDA) e depois entrámos no «Viseu Educa», promovido pela Câmara Municipal, um projeto que visa o sucesso educacional. E foi aí que começámos a crescer. Passámos a ter mais crianças, a estabelecer mais protocolos com outras entidades e, como aquele espaço já era pequeno, lançámos um repto ao Grupo Visabeira, para passarmos a explorar o Centro Hípico Montebelo, em Farminhão, o que foi aceite e, então, mudámo-nos para lá”.
Sem qualquer acordo de cooperação com a Segurança Social, a AHPV tem, ao longo dos anos, estabelecido protocolos e acordos com diversas IPSS e vários municípios, como Viseu, Tondela, Santa Comba Dão, Mortágua e Moimenta da Beira.
No Centro Hípico, em Farminhão, a instituição proporciona mais de 150 sessões de hipoterapia por semana.
“A par da hipoterapia temos uma escola de equitação, o que nos dá alguma capacidade do ponto de vista financeiro, porque, como já disse, não temos nenhum acordo do tipo tipificado com a Segurança Social, o que faz com que tenhamos de criar riqueza para pagarmos aos nossos funcionários e para manter este leque de sessões terapêuticas a um preço acessível às famílias”, sustenta o presidente da instituição.
Para além do Centro Hípico Montebelo, a Associação tem o Centro de Desenvolvimento Infantil, em Tondela, “uma clínica destinada a crianças com défice de desenvolvimento, com patologias do género do autismo, défice de atenção e outras”, explica Luís Miguel Ribeiro, acrescentando: “É um espaço criado de raiz e que surge de uma conversa com pais face à necessidade de um espaço clínico onde os pais cujos os filhos têm problemas de desenvolvimento tivessem uma resposta multidisciplinar e agregasse valências que vão do diagnóstico à terapêutica”.
Este é um espaço onde há Pediatria do Neurodesenvolvimento, Terapia Ocupacional e da Fala, Psicomotricidade e Fisioterapia, sendo que a Hipoterapia funciona no Centro Hípico, em Faminhão.
O Centro tem ainda uma extensão, fruto de um protocolo com a Câmara de Mortágua, onde uma equipa multidisciplinar, composta por uma psicomotricista, uma terapeuta da fala e uma psicóloga, que vai às escolas do agrupamento de escolas local, trabalha 35 horas.
Apesar dos acordos com diferentes entidades, algumas delas IPSS e autarquias, a instituição não está no radar do financiamento da Segurança Social, em virtude de promover respostas atípicas.
“Já solicitámos acordos por várias vezes, mas como as nossas respostas sociais e da saúde são muito fora da caixa, não têm cabimento. Temos de ver que o quadro legal das respostas típicas remonta já à década de 1980 e, no fundo, nunca houve nenhum programa que a Segurança Social tivesse aberto e permitisse uma candidatura deste género. Já fizemos candidaturas a outros programas, um dos últimos foi à Inovação Social, mas também completamente fora da caixa, pois tem como destinatários as pessoas com doença mental. É outra área que também queremos tocar e surge de uma parceria com a Câmara de Tondela e com uma empresa”, revela o presidente da AHPV.
Sem apoios do Estado, a situação financeira tem sido difícil de manter no verde, mas é algo que tem sido alcançado.
“Nos primeiros sete anos foi muito duro, período em que fizemos voluntariado permanente, aliás, ainda hoje, pois a Direção ainda é toda voluntária. Isto foi aos poucos, porque fomos usando muito os programas do IEFP, mas andávamos sempre com dinheiro à frente, muitas vezes do nosso bolso. Eu próprio já coloquei muito dinheiro nisto, porque isto é um projeto de vida, é como um filho. Ver esta criança a progredir é muito satisfatório… Para já, todos os nossos resultados financeiros são positivos, não muito, mas são positivos”, argumenta o líder da instituição.
Espalhada por três locais diferentes – o Centro Hípico em Farminhão, o Centro de Desenvolvimento Infantil em Tondela e a meses de regressar a Vil de Souto –, a instituição apoia crianças de todo o distrito.
“O Centro de Desenvolvimento Infantil recebe crianças de diferentes concelhos, porque, por exemplo, nas consultas de Pediatria do Neurodesenvolvimento vêm pessoas de todo o distrito, porque no sistema público são consultas que têm um atraso de cerca de dois anos e isso é muito tempo para uma criança. O nosso foco foi tentar colmatar algumas lacunas e gostaríamos de o ter feito de forma gratuita, mas não é possível sem apoio público”, lamenta Luís Miguel Ribeiro.
Atualmente, nos dois centros onde desenvolve a sua atividade, a instituição emprega uma psicomotricista, uma diretora de serviços, dois equitadores, um tratador de equitação, duas psicólogas, uma terapeuta da fala, uma terapeuta ocupacional e mais quatro avençados. “Nós vivemos, em 90%, só para pagar ao pessoal, porque a maioria são técnicos superiores”, sublinha o presidente, mas a equipa da instituição vai crescer, fruto do novo projeto que se espera estar em funcionamento no final de abril.
“Nesta nossa estreia em respostas sociais mais típicas, como é o caso do CACI, também é para ser um CACI diferente, inclusivamente, com uma dinâmica diferente, colocando o foco na pessoa e nos seus sonhos”, começa por explicar sobre o novo Centro de Atividades e Capacitação para a Inclusão que a instituição está prestes a abrir em Vil de Souto, fruto da requalificação e adaptação de uma antiga escola primária e que terá capacidade para 30 utentes.
“Em termos de público-alvo, temos pensado em pessoas vítimas de Alzheimer ou de AVC, para o que não há resposta. São pessoas que vão para um lar de idosos e sentem-se desenquadrados ou vão para um típico CACI, onde há a multideficiência”, começa por enquadrar, acrescentando: “Temos feito alguns contactos, em especial com pessoas que foram vítimas de AVC, para melhor perceber a sua situação e os seus anseios. E assim conseguirmos encontrar a resposta que melhor vai de encontro às necessidades destas pessoas. Não será uma resposta terapêutica, para tratar o AVC, mas, de alguma forma, tentar reavivar os sonhos de vida de pessoas que, fruto da doença, ficam com incapacidade de, pelo menos, 60%”.
De momento, os responsáveis pela instituição estão a fazer “um brainstorming e, de alguma forma, um benchmarking para tentar perceber o que existe, o que estas pessoas necessitam e querem e de que forma poderão dar inputs ao projeto, porque, no fundo, são pessoas com competências apesar das sequelas da doença”, argumenta, sublinhando: “E porque não colocar essas pessoas em posições funcionais dentro da IPSS? Não está ainda escolhido, mas temos de canalizar o nosso foco para determinada franja para não prejudicar outras franjas”, defende.
A recuperação da antiga escola primária, inclui ainda um jardim sensorial, estando, desde já, estruturalmente preparada para receber uma ampliação a pensar num futuro lar residencial.
O CACI vai fazer a instituição entrar, finalmente, no radar da Segurança Social e prevê-se que no final de abril já esteja a direção técnica e a equipa definidas, esperando-se a abertura para o final de abril.
Para Luís Miguel Ribeiro, “a dispersão no território não é um constrangimento para a instituição e até cria algumas raízes e junta e aproxima pessoas e locais diferentes, com culturas diversas aqui da região”.
“Não pertencemos a lado nenhum, estamos aqui para o fim social e para ter a mente aberta para trabalhar com toda a gente e criar sinergias com todos, privados ou entidades públicas. Até com o Clube Desportivo de Tondela (CDT) temos um protocolo, a primeira parceria com um clube de futebol. De certa forma, viemos quebrar um certo status quo que poderia existir, criando parcerias, à primeira vista, não naturais. Porque realmente nascemos desta forma”, sustenta.
Sobre perspetivas de ampliar o CACI com a construção do Lar Residencial, Luís Miguel Ribeiro é bastante cauteloso: “Se houvesse um PARES 4.0 ou um PRR para esta área de Lar Residencial, porque é uma resposta que está muito em falta, nós avançaríamos. Estamos cientes de que a União Europeia já emitiu diretrizes dando preferência àquilo que são respostas autonomizantes. No entanto, queremos que a nossa valência seja uma espécie de quartel-general, mas sem muros”.
Criada em 2014, a instituição tem sofrido, ao longo destes 10 anos, de algumas dores de crescimento.
“Ainda temos algumas… Encontrámos muitas barreiras, sendo que a maior é a financeira, porque sem dinheiro não se faz nada. Depois, temos de ter foco, temos de querer muito. Quando se tem muita vontade, as coisas aparecem. Temos de ter foco e perder muito do nosso tempo, de forma voluntária. Não podemos estar sempre a culpar os outros. A Segurança Social não dá dinheiro, então vamos à luta e vamos arranjar dinheiro”, assevera.
E como seria Viseu sem a Associação Hípica e Psicomotora de Viseu?
“Seria mais triste, porque o que viemos fazer foi dar cor a uma área completamente diferente. Viemos também dar ânimo e alegria e fazer com que a outras entidades percebessem que com pouco é possível fazer muito. E isso reflete-se na estima que as outras entidades e IPSS têm por nós, porque não entrámos no mundo delas. Nós viemos para somar e é isso que fazemos. O Sector Social Solidário só tem a ganhar quando todos trabalhamos para somar”.
Pedro Vasco Oliveira (texto e fotos)
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