JOSÉ FIGUEIREDO, ECONOMISTA

A guerra comercial que a China vai ganhar

Ninguém faz a mínima ideia onde vai acabar este filme de terror das tarifas americanas sobre as importações.

O comportamento do rei louco que atualmente desgoverna a América é imprevisível, uma vez que gere por instinto e a por capricho e tais coisas são, por natureza, não antecipáveis.

Para além da instabilidade notória do comandante em chefe ( chegámos a ter tarifas declaradas de  manhã para serem suspensas na tarde do mesmo dia) temos também o que se parece cada vez mais com um governo autocrático. Por exemplo, sabemos que a suspensão por 90 dias das chamadas tarifas “recíprocas” foi decidida sem consulta ao secretário do tesouro Scott Bessent ou ao chefe dos consultores para a economia, Stephen Miran. Trump governa com um círculo muito restrito de fiéis indefetíveis capazes de apoiar os mais estouvados delírios.

Contudo, passado não é ainda um mês sobre o “dia da libertação”, o dia em que foram proclamadas as tarifas “recíprocas”, há um par de coisas que já podemos afirmar com alguma segurança.

Parece claro que Donadl Trump sobrestimou a sua força numa hipotética guerra comercial.

A lógica de Trump é da folha de tesouraria básica. Se a China me vende 450 biliões de dólares por ano e me compra apenas 150, um eventual bloqueio ao comércio implica que a China perca muito mais que eu.  Por isso afirmava a criatura que as guerras comerciais são boas e fáceis de ganhar.

De facto a China tem muito a perder numa guerra comercial declarada com os Estados Unidos. As importações americanas com origem na China representam cerca de 15% do total exportado pelo império do meio. Por outro lado a China está muito dependente das exportações, o seu saldo comercial global é de cerca de um trilião de dólares por ano, tanto mais significativos quando a procura interna está frágil depois do estouro da bolha do imobiliário residencial.

Não obstante a China respondeu com a maior tranquilidade às tarifas punitivas de Trump aumentando as suas tarifas sobre as importações americanas sempre que Donald Trump escalava um pouco mais a sua guerra tarifária. A coisa acabou em níveis ridículos com tarifas americanas de 145% e correspondentes chinesas em 125%. Aliás, quando as coisas chegaram a este ponto o governo chinês comunicou à administração americana que podia escalar as tarifas à vontade que a China deixaria de reagir. De facto, 125% de direitos aduaneiros constituem, na prática, um verdadeiro embargo às importações pelo que escalar para lá desses níveis é pura demagogia.

Quando Donald Trump percebeu que dali não levava nada inventou para consumo interno a ideia de que a China estaria mortinha por fazer um acordo e que o telefone tocaria em breve com Xi Jin Ping do outro lado a pedir batatinhas. O telefonema não chegou!

Em desespero Donald Trump mentiu com quantos dentes tem afirmando que a questão comercial com a China estaria a ser negociada e que um acordo poderia estar para breve.

O governo chinês respondeu pelos canais oficiais, dizendo que não está a ser negociado qualquer acordo comercial com os Estados Unidos e que quaisquer conversas formais sobre o tema só poderão ter lugar quando os Estados Unidos recuarem nas tarifas unilaterais.

Pode parecer estranho que a tranquilidade esteja no lado que, aparentemente, tem mais a perder.

Contudo, a verdade é que a China se preparou para esta eventualidade desde pelo menos a primeira presidência de Trump, com as primeiras salvas de uma guerra comercial, apesar de, ao tempo, a mesma ser limitada. A mão forte agora não está com Trump, está com os chineses.

Claro que não é positivo para a economia chinesa ficar sem um mercado de 450 biliões de dólares. Não obstante a China tem muitas formas de compensar, pelo menos em parte, a perda potencial.

Desde logo pode desviar parte das exportações perdidas para outros mercados num processo de diversificação que já começou há alguns anos e tem dado resultado. Em 2018 a China abastecia 21,8 % das importações americanas, atualmente esse ratio está por baixo de 14%.

Depois não nos devemos espantar excessivamente se o yuan, a moeda chinesa tiver tendência para desvalorizar seja sob as forças de mercado seja sob impulso político, ajudando nas exportações.

Seja como for a arma poderosa que a China detém e que Donald Trump não possui é a possibilidade de compensar as eventuais perdas com o estímulo da procura interna. Na China existe margem abundante para estímulos quer monetários quer fiscais, coisa a que Donald Trump não pode recorrer.

Na parte monetária Donald Trump já foi informado pela Reserva Federal que enquanto não for claro o caminho descendente da inflação não há qualquer hipótese de reduzir as taxas de juro. Mais, se persistir esta loucura das tarifas, o mais provável é que a inflação galope por aí a cima não sendo possível excluir que o movimento das taxas de juro venha a ser ascendente em vez de descendente.

Na frente orçamental, com deficits que têm andado pelos 6 ou 7% do PIB por ano, não se vê onde exista margem para qualquer estímulo significativo não obstante as promessas de baixar impostos.

Não estranhemos, por isso, o desespero de Trump que chegou a pôr a hipótese de demitir o presidente da Reserva Federal ainda antes do termo do mandato que ocorrerá em 2026. Como seria de esperar, a tareia imediata dos mercados foi tal que a criatura veio esclarecer-nos que não tinha qualquer intenção de substituir Jerome Powell antes do fim do mandato.

Donald Trump mediu mal a sua força. O peso da economia americana na economia global está a cair e, embora continue poderosa, já não é para muitos um mercado totalmente indispensável.

Mesmo países muito expostos ao mercado americano, tal  como o vizinho Canadá, decidiram lutar, ainda que outros igualmente expostos como o México tenham decidido por uma posição mais acomodatícia.

Para quem só sabe consultar folhas de tesouraria, valores como respeito, patriotismo ou dignidade, são coisas ausentes. Mas existem!

Ainda que as posições de Donald Trump e da China fossem equivalentes (e não são!) os chineses ganhariam sempre. Os chineses são muito mais idóneos para a dor e para o sofrimento que for necessário do que a tropa fandanga do MAGA que suporta as ideias trumpistas. Assim que os preços começarem a subir nas prateleiras dos supermercados e o desemprego começar a crescer o balão vai esvaziar.

Por essa altura os pacientes chineses estarão placidamente a observar.

 

Data de introdução: 2025-05-08



















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