MAIO 2025

REGIME JURÍDICO DO MAIOR ACOMPANHADO-Conclusões

Seis anos transcorridos sobre o novo regime jurídico do maior acompanhado e a mudança de paradigma que com ele se ambicionava, a Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade promoveu um colóquio que decorreu no auditório do ISEC-Coimbra no dia 22 de abril. Participaram dirigentes e equipas técnicas das suas associadas, operadores judiciários e a Academia para fazer um balanço sobre o tema, entrecruzando as perspetivas mais teóricas com as experiências mais práticas, muito especialmente da área da deficiência intelectual, da paralisia cerebral e da terceira idade.

Tendo como ponto de partida o compromisso assumido entre o Governo e as Entidades Representativas do Sector Social e Solidário de, até ao final do ano de 2025, ser constituído um grupo de trabalho para reflexão sobre o quadro legal, político, administrativo e regulatório específico em matéria de acompanhamento de maiores, com vista a uma futura revisão legislativa, também prevista no Compromisso de Cooperação para o biénio 2025-26, propusemo-nos reflectir particularmente sobre:

- a legitimidade para suscitar o impulso processual e requerer medidas de acompanhamento;

- a nomeação de potenciais acompanhantes;

- o cumprimento da obrigação legal de não agir em conflito de interesses;

- a conveniência de pensar novos modelos de resposta.

Concretamente na área da deficiência, ao anterior modelo, que assentava numa vertente médica e assistencial, seguiu-se um paradigma novo, baseado nos direitos das pessoas com deficiência, que procura reconhecer a dignidade inerente a todas as pessoas e preservar na máxima extensão possível a autonomia e a liberdade de escolha e controlo sobre onde, com quem e de que modo as pessoas com deficiência querem viver. O quadro jurídico português tem vindo, nesta matéria, a evoluir para um sistema mais próximo do novo paradigma, de modo a permitir que, perante cada situação concreta e com total respeito pela individualidade de cada um, se tomem (apenas) as medidas proporcionais às necessidades de proteção de cada pessoa, como explicado pela Prof. Doutora Mafalda Miranda Barbosa. Que seja, portanto, adotado para cada pessoa um «fato-à-medida», expressão logo introduzida na abertura, pela Dra. Maria José Miranda, da Direção da CNIS, e várias vezes lembrada ao longo do dia.

Em teoria, a regra do regime do maior acompanhado é, portanto, a da autonomia, especialmente quanto à prática de atos pessoais, como os de casar, escolher o domicílio, testar, votar, perfilhar ou educar os filhos, mas, como lembrou a Doutora Patrícia Neca, a evolução tem sido lenta, havendo ainda uma predominância assinalável de decisões em que os acompanhantes têm poderes de representação geral, com 78% das sentenças proferidas em 2022 a atribuir poderes de representação geral ao acompanhante, contra 85% em anos anteriores. Se quanto à prática de alguns atos pessoais pode haver preocupações relacionadas com a proteção da pessoa acompanhada, quanto a outros, como o direito ao voto, não parece haver qualquer fundamento, o que assume uma especial gravidade, conforme realçaram o Eng. Rui Coimbras e a Dra. Inês Robalo. Em parte, tal situação é potenciada, no entender da Prof. Doutora Mafalda Miranda Barbosa, pela ausência de dados suficientes para aferir as concretas necessidades da pessoa a acompanhar, ou, como apontou a Dra. Marta Xavier, pela falta de informação e formação dos magistrados nesta área. E manifesta-se mesmo nas limitações que a execução do acompanhamento acaba por impor às pequenas decisões do dia-a-dia, de que os testemunhos oferecidos pela Doutora Patrícia Neca e pela Dra. Helena Albuquerque foram um impressionante exemplo.

Por outro lado, verifica-se ainda uma enorme dificuldade em encontrar quem possa, em condições de independência e disponibilidade, assegurar acompanhamento. Se, por um lado, e como enfatizou a Dra. Inês Robalo, as pessoas adultas podem e devem escolher quem querem como seus acompanhantes, na prática faltam as pessoas que possam ser indicadas, havendo uma grande desadequação e/ou insuficiência de figuras idóneas na comunidade que possam assegurar o acompanhamento.

Muitas vezes, como recordaram a Dra. Marília Vaz ou o Dr. Manuel António Teixeira, é às direções técnicas ou aos dirigentes das instituições que apoiam a pessoa acompanhada que acaba por ser atribuído o acompanhamento. Ora, nestes casos podem levantar-se questões relacionadas com potenciais conflitos de interesses – quer quanto à gestão patrimonial quer quanto às decisões relativas à própria provisão do serviço. Deveria, assim, sempre que possível, encontrar-se figuras idóneas, externas às instituições, de modo a assegurar a independência na representação dos interesses da pessoa acompanhada, necessidade que foi transversalmente diagnosticada por quase todos os intervenientes.

Tal situação é tanto mais complexa e delicada quanto cada acompanhante numa instituição pode acompanhar dezenas de casos, como testemunharam a Dra. Marília Vaz e a Dra. Marta Xavier. A Dra. Inês Robalo, a este propósito, lembrou ainda os constrangimentos detetados na designação de acompanhantes, por recusa ou resistência dos técnicos na aceitação (em particular em instituições onde a pessoa acompanhada não reside). Para esse efeito, o Ministério Público tem testado protocolos com entidades, no sentido de criar bolsas de acompanhantes. Tal solução inspira-se em outros ordenamentos jurídicos (como o alemão, o espanhol ou o escocês), que, para contornar as dificuldades relacionadas com os conflitos de interesses e com as dificuldades na designação de acompanhantes, atribuem o acompanhamento a associações sociais que não aquelas que apoiam a pessoa acompanhada. Foi também essa a solução apontada por alguns autores, em Portugal, aquando da reforma que veio a fazer nascer o regime jurídico discutido neste Colóquio.

O compromisso para a criação dos grupos de trabalho previstos no Compromisso de Cooperação para o biénio 2025-26 traz – como lembrou no encerramento a Senhora Secretária de Estado para a Ação Social e Inclusão, Dra. Clara Marques Mendes – a garantia de que o processo de revisão legislativa será um processo participado e com o envolvimento ativo de quem está, no dia-a-dia, no terreno a detetar e a superar os problemas que vão surgindo. Será esse o trabalho que a CNIS se compromete a fazer, assumido também: partir das pistas de reflexão que resultaram do debate havido no Colóquio para, mantendo um necessário e constante diálogo entre os diversos intervenientes, construir propostas sólidas e que deem resposta quer às dificuldades das instituições quer às necessidades das pessoas que estas acompanham.

 

 

Lino Maia

 

Data de introdução: 2025-05-08



















editorial

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