1 – Ei-los que partem
novos e velhos
buscando a sorte
noutras paragens
noutras aragens
entre outros povos
ei-los que partem
velhos e novos
Ei-los que partem
de olhos molhados
coração triste
e a saca às costas
esperança em riste
sonhos dourados
ei-los que partem
de olhos molhados
Virão um dia
ricos ou não
contando histórias
de lá de longe
onde o suor
se faz em pão
Virão um dia
ou não
2 – A ocupação do centro do debate político pela chamada questão da imigração, que explica o verdadeiro terramoto que marcou as últimas eleições para a Assembleia da República, fez-me regressar com nostalgia aos finais da década de 60 e primeira metade da década de 70 do século passado, quando os tempos livres dos jovens alunos dos últimos anos do liceu ou já na faculdade eram ocupados por idas ao cinema, em salões como então havia, com plateia e balcão – e mesmo 2º balcão e galeria -, ou em encontros em que se diziam poemas ou se cantavam baladas, da chamada “canção de protesto”, alimentando o entusiasmo juvenil numa causa comum a muita gente, a de marcar a distância e combater um regime opressor, inimigo das liberdades.
Como já referi algumas vezes, ao longo destas crónicas “à moda do Porto” que aqui vou desfiando há cerca de 20 anos, tratou-se de uma década prodigiosa, essa que fez a transição da década de 60 para a de 70 do século XX, que antecedeu, preparou e antecipou a Revolução que nos restituiu a liberdade, a meio da década, em 1974, e que corresponde, grosso modo, ao período do Marcelismo.
Tínhamos a benevolência das associações, colectividades, centros paroquiais e organismos idênticos, que nos cediam salões e outros espaços da mesma natureza para reunirmos ao som das baladas de José Afonso, ou Adriano Correia de Oliveira, ou Francisco Fanhais, ou Manuel Freire, e também à declamação de poemas de Manuel Alegre, António Gedeão, José Gomes Ferreira, José Carlos Ary dos Santos ou Manuel da Fonseca, entre muitos outros – acariciando os sonhos que eram então os dessa geração, de transformar o mundo e de mudar a vida.
A essa benevolência, não era estranho o ambiente que se vivia em muitos meios ligados à Igreja Católica, na sequência do ‘aggiornamento’ que se seguiu ao Concílio Vaticano II e que conduziu muitos membros do clero e os chamados católicos progressistas ao alinhamento numa frente comum de resistência à opressão política e ao cinzentismo que se vivia no País.
No Porto – é sempre do lado do Porto que falo -, essa mobilização foi porventura mais expressiva, tendo em conta o magistério do Bispo D. António Ferreira Gomes, regressado em 1969 de um exílio de dez anos, e de que é exemplo um dos últimos e mais complexos julgamentos políticos no Tribunal Plenário, o do Padre Mário de Oliveira, pároco de Macieira da Lixa, que provocou manifestações de apoio ao sacerdote, com fortíssima participação, entre a Cordoaria e o Largo de S. João Novo, onde funcionava o Tribunal Plenário – Padre Mário de quem foi advogado de defesa o Dr. José da Silva, então deputado da Ala Liberal, que aqui recordei no mês passado.
Ainda recordo, mais de 50 anos depois, as vezes em que declamei poemas de Manuel Alegre, de Ary dos Santos ou de Alexandre O’Neill na Associação Católica do Porto, na Rua de Passos Manuel, ou no Cine-Ermesinde, na minha terra, ou ainda no Colégio Luso-Francês, nuns encontros da LIAM.
3 – Um dos cantores de intervenção – ou cantautores – mais apreciados nessa época era Manuel Freire, interpretando, entre outras canções, “Pedro Soldado” (contra a guerra colonial), “Lutaremos, meu amor” (“pelo direito de seguir de mãos dadas na solidão nocturna”), “Pedra Filosofal” (“Eles não sabem que o sonho/ é uma constante da vida …”).
E também a “Trova do Emigrante”, em homenagem àqueles que tinham a coragem de abandonar a sua terra, madrasta, em busca de melhor vida lá fora, no estrangeiro – e que é o poema com que abri esta crónica.
Não era fácil sair então de Portugal.
Portugal era, nesse tempo, um país de fronteiras fechadas, como é de uso nas ditaduras.
Acrescia, no nosso país, a necessidade que o regime tinha de reter em Portugal os jovens mancebos, necessários para lutar na guerra colonial, em África – na Guiné, em Angola e em Moçambique.
Grande número dos emigrantes, isto é, dos que migravam de Portugal para fora, atravessavam a fronteira a salto, às ocultas, sem passaporte, indocumentados.
Muitos foram apanhados e presos, ao darem o passo proibido.
Mas presos do lado de cá, do seu país; não detidos pela França, pela Suíça, pelo Luxemburgo, pelo Brasil… isto é: pelo país de acolhimento.
Os que tiveram sucesso na fuga organizaram comunidades solidárias e prósperas nesses países – em França, na Suíça, no Luxemburgo, no Brasil … e em tantas e desvairadas partes por onde se espalha a nossa diáspora.
Durante décadas contribuíram, com capitais, para o progresso do país que os perseguira.
Eram as chamadas “remessas dos emigrantes”, que substituíram as especiarias do Oriente e o ouro do Brasil no equilíbrio das contas públicas.
Quem hoje nos procura para melhorar a sua vida tem o direito simétrico de acolhimento que tiveram os nossos concidadãos que, durante décadas, procuraram fora o que a Pátria lhes negara.
Os sonhos são iguais!
Henrique Rodrigues (presidente do Centro Social de Ermesinde)
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