PAULO PEDROSO, SOCIÓLOGO, EX-MINISTRO DO TRABALHO E SOLIDARIEDADE

O poder local no futuro da ação social

Os vencedores das eleições autárquicas tomarão em breve em mãos o rumo das suas autarquias para os próximos quatro anos. Fazem-no num quadro institucional em desenvolvimento, em que decorrem processos com níveis de avanço distintos de descentralização de competências antes pertencentes à administração central.

Muitos cidadãos podem ainda não ter a noção da extensão desse processo, mas o tempo irá cimentar a nova repartição de competências e mostrar as potencialidades e limitações do caminho iniciado na última década.

A aposta é alta para os autarcas. Segundo um estudo realizado no âmbito do IPPS-Iscte e recentemente divulgado[1] os portugueses têm confiança elevada nas autarquias, logo abaixo da confiança nas polícias, forças armadas, escola pública e serviço nacional de saúde e muito acima da confiança na justiça, no governo e na Assembleia da República. Há também mais portugueses que consideram positiva a evolução do seu município na última década do que aqueles que consideram positiva a evolução do país, da Europa e do Mundo.

Os portugueses, otimistas, quanto ao poder local, desconhecem, na sua maioria, o processo de descentralização de competências em curso. No estudo referido, 62% dizem ter pouco ou nenhum conhecimento desse processo. Mas ele vai interferir com as suas vidas em muitas áreas e em particular na política de saúde, de educação, de ação social, de habitação, entre outras. Os novos autarcas, sobretudo os que se mantiverem por mais do que um mandato, vão ser avaliados num quadro de responsabilidades significativamente diferente do anterior.

A ação social, cara a muitas e muitos dos membros da comunidade coberta por este jornal, é um dos domínios em mudança. Num trabalho de Inês Amaro, com a minha colaboração, que aqui convoco para alimentar o debate sobre a relação entre o poder local e ação social nos próximos anos, procurou refletir-se sobre os desafios que este processo enfrenta[2].

Os municípios receberam competências de atendimento e acompanhamento social, de coordenação da rede social, no desenvolvimento de instrumentos estratégicos e de planeamento e de programas. Foram recebendo progressivamente essas competências, mas desde abril de 2023 todos os municípios do Continente, com exceção de Lisboa, as aceitaram. Contudo, o processo tarda em consumar-se efetivamente no terreno. Em matéria de atendimento e acompanhamento social, os dados apontam para que muitos processos familiares permaneçam, de facto, nas mãos do Instituto da Segurança Social e que há ainda dúvidas sobre quem deve acompanhar certos grupos vulneráveis.

O atraso e a persistência de áreas pouco claras não é necessariamente preocupante num período de transição de modelos. Mais importante é conhecer o destino do novo modelo. As novas lideranças autárquicas e em particular os vereadores que assumirem a ação social têm a oportunidade de construir uma mudança estrutural no país.

Podem optar por metodologias inovadoras, trabalho em parceria, intersectorial e com as instituições de solidariedade e o tecido associativo local, dando um salto qualitativo na construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa. Para isso, dinamizarão instrumentos locais de adaptação às necessidades dos seus territórios, construirão projetos locais de inclusão, definirão estratégias próprias. Para isso também olharão para a inclusão social na perspetiva do ciclo de vida, com respostas relevantes para cada fase, levando solidariedade e respostas coletivas à resolução de problemas sociais.

Mas podem também optar pelo velho assistencialismo, retomando práticas quase clínicas de tratamento dos problemas sociais pelas suas manifestações individuais, burocratizar a ação social, desvalorizá-la e rotinizá-la, não dotar os profissionais de condições e recursos para um trabalho efetivo, afastar-se da comunidade, no limite, construir redes mais ou menos abertamente clientelares e discricionárias.

A escolha que os autarcas fizerem modelará o nosso modelo real social no terreno para muitas e muitos, em particular para os que estão em maior risco de exclusão social. Parte da escolha que todos fizemos a 12 de outubro vai repercutir-se nisso.

 

[1] Cf. Silva, P. A e Flores, I. (2025). “Uma confiança particularmente elevada nas instituições do poder local. In Silva, P. A. (coord). A descentralização e a desconcentração das políticas públicas. Acessível em https://ipps.iscte-iul.pt/images/1_PAS_IF_ENPP25.pdf

[2] Amaro, I. e Pedroso, P. (2025) “A transferência de competências da ação social para as autarquias” e “transferência de competências de ação social: avaliação global é prematura, mas há sinais de alerta”. A descentralização e a desconcentração das políticas públicas. Acessível em https://ipps.iscte-iul.pt/files/9_MIAPP_ENPP25.pdf

 

Data de introdução: 2025-10-15



















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