1 - "Campeões… Campeões… Nós somos campeões…"
É qualquer coisa assim o refrão do hino da selecção nacional de futebol, que ouvimos algumas dúzias de ve-zes por dia, na rádio e na televisão, desde já vários meses, em jeito de verdade antecipada.
A selecção é uma espécie de nação paralela: tem hino e tem bandeira.
Aquele cheio de fervor patriótico; esta, como diz o anúncio, para envolver o corpo dos guerreiros.
Tem ainda outros ícones: há o relógio da selecção, promovido pelo mister; há as camisolas da selecção.
Há também rituais: conferências de imprensa, cujas declarações concluem sempre: "o mister é que sabe"; e peregrinações, feitas por tanta e tão boa gente para ir ver os ungidos aos locais de estágio - uma espécie de retiros, ou de eremitérios - e ser bafejada pelo seu cheiro de santidade.
(A este propósito, de símbolos e de peregrinos, os romeiros mais ilustres têm direito a uma camisola da selecção com o seu nome nas costas e a ser fotografado com ela para os jornais da especialidade e para as revistas do coração, numa espécie de cerimónia iniciática de admissão na irmandade.
Se o Vítor Baía estivesse no Governo, ia para a selecção…)
2 - Este registo e anúncio épico de vitória também acompanhou a selecção de esperanças - os sub-21 - campeão presuntivo até ao início do campeonato da Europa, disputado em Portugal no mês de Maio.
Durou pouco a euforia.
E teve algo de penoso assistir, ao cabo de duas exibições medíocres e tristes, e duas justas derrotas, a o seleccionador ainda se comparar a Einstein - sem uma nota de autocrítica.
Nós somos campeões, lá diz o hino. Mas da bravata, não da coragem, do esforço, da humildade.
Vendo bem, as selecções, essa nação paralela, são uma justa metáfora da nação verdadeira.
Com efeito, também o nosso hino - "nação valente… contra os canhões, marchar, marchar" - , cheio de res-sonâncias heróicas, foi composto na sequência de uma das maiores humilhações da nossa história, o Ulti-matum, em que a Inglaterra, " o mais antigo aliado", como é costume dizer-se, então a grande potência militar mundial, no fim do Séc. XIX, ordenou a Portugal que lhe entregasse os territórios africanos entre Angola e Mo-çambique, que Serpa Pinto, Capelo e Ivens tinham tornado domínio portu-guês - o chamado Mapa Cor-de-Rosa -, ordem a que o rei D. Carlos se rendeu sem luta.
É como no futebol: heróis no hino; encolhidos em campo.
3 - Durante a passada semana, o Presidente da República realizou o primeiro de uma série de Roteiros de Inclusão, que teve como eixo conhecer e mostrar várias experiências de boas práticas, no âmbito da solidariedade, e casos de sucesso da luta contra a exclusão.
A causa de sucesso de tantas expe-riências nas instituições solidárias é a oposta do heroísmo de pacotilha: à bravata, opomos a discrição; aos fogachos, o trabalho continuado e perseverante; à exuberância e esbanjamento de recursos, a multiplicação dos talentos; às transferências, comissões, promoções, spots, anúncios, respondemos com o trabalho voluntário e gratuito; e às depressões, com a esperança.
Trabalho na Avenida da Boavista, no Porto. Há cerca de um mês vejo todos os dias alinhados à porta de um hotel de 5 estrelas meia dúzia de carrinhas, a que se somam por vezes autocarros, pertencentes à organização do Campeonato Europeu de sub-21.
São ainda esperanças, mas já são preparados para gostos caros.
Como é que há-de sobrar dinheiro para pagar ao fisco?
Com o devido respeito, fez bem o Presidente da República em não incluir este hotel de luxo no Porto no seu Roteiro de Inclusão.
É certo que a Selecção foi excluída.
Mas faltam as boas práticas.
*Presidente da Direcção do Centro Social de Ermesinde
Data de introdução: 2006-06-09