Recuemos no tempo…Estamos na década de sessenta, Portugal vive num Estado Novo marcado pela trilogia Deus, Pátria, Família. As necessidades de formação e educação das populações são muito elevadas, num país que, já na altura, estava na cauda de uma Europa, advento de mudança, de progresso económico, social e cultural. Nas margens do Mondego, Coimbra estendia-se grandiosa, ostentando o conhecimento como baluarte de uma cidade rica de história e tradições.
A manhã daquela hipotética sexta-feira mostrava-se especialmente fria, não estivéssemos nós no pino de Janeiro. O vento gelado apenas fazia apertar os casacos com mais força, enfiar as mãos nas algibeiras e partir para mais uma jornada de trabalho. Chamam-se agentes rurais e são jovens mulheres que trabalham num Plano de Ajuda Rural, criado em 1960 pelo então Governador Civil do distrito, Engenheiro Horácio de Moura. São formadas por uma instituição da Igreja, gerida por freiras, denominada popularmente por Escola das Anchilas, e têm como missão ir de aldeia em aldeia ensinar às donas de casa elementos básicos de cozinha, de higiene pessoal e do lar, de costura, de enfermagem, etc. O trabalho era feito em colaboração com as paróquias e ao padre de cada localidade cabia a função de disponibilizar um espaço para as agentes rurais desenvolverem o plano de formação, bem como, a habitação para pernoitarem.
É neste contexto que nasce a Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra (OPSDC), a 14 de Outubro de 1968, uma Instituição Particular de Solidariedade Social fundada por iniciativa do Governo Civil, da Associação Distrital, da Segurança Social e da Diocese de Coimbra. Criada inicialmente com o grande objectivo de gerir o Plano de Ajuda Rural, a OPSDC depressa diversificou a sua actividade às mais diferentes áreas sociais, prestando apoio à infância, juventude, às famílias e à comunidade em geral.
Madalena Amaral é assistente social e trabalha na Obra desde 1973. “Entrei pouco antes do 25 de Abril. Na altura fazíamos um trabalho muito mais virado para a comunidade”, conta a assistente. “Trabalhávamos com as famílias, com os jovens, organizávamos festas, exposições, grupos de teatro. Fazíamos um trabalho de recuperação de habitações degradadas de famílias carenciadas. Estávamos muito no terreno e em permanente contacto com a população”, explica a senhora que nos acompanhou durante a visita a alguns estabelecimentos da OPSDC, juntamente com o vice-presidente da instituição, António Pinto de Matos.
Com a Revolução de 1974 termina o Plano de Ajuda Rural, mas o trabalho da Obra sofre uma multiplicação grande, dada a carência de respostas sociais no distrito de Coimbra. “Logo após o 25 de Abril, começamos a ser muito solicitados para dar suporte jurídico às creches e jardins-de-infância que foram aparecendo, muitos deles através da iniciativa de comissões de moradores e associações de pais e entramos em força na área da infância”, explica Madalena Amaral. Actualmente a ODPS é composta por seis centros, três no concelho de Coimbra, dois no de Mira e um na Figueira da Foz e desenvolve as valências de creche, jardim-de-infância, pré-escolar e actividades de tempos livres (ATL). A instituição emprega 84 trabalhadores e tem ao seu cuidado cerca de 340 crianças.
Essencialmente voltada para a infância, as medidas de alargamento do horário escolar do 1º Ciclo, anunciadas pela Ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, em Junho de 2005, não demoraram muito tempo a produzir efeitos práticos na ODPS. O conceito de escola a tempo inteiro implicou uma rearticulação com os ATL e, segundo dados avançados em Dezembro, pelo presidente da Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social (CNIS), o padre Lino Maia, o número de encerramentos decorrentes das transformações na escola pública não deverá ter atingido as três dezenas. Apesar de não ser um somatório elevado, o ATL de Seixo de Mira, pertencente à Obra, foi uma das baixas a registar. Em Junho de 2006, aquele centro encerrou definitivamente as portas, uma vez que “criaram uma escola a tempo inteiro mesmo em frente ao centro e os nossos 20 meninos foram para lá”, explicou-nos o vice-presidente da Obra de Promoção Social do Distrito de Coimbra, António Pinto de Matos. Apesar de considerar que a opção da Ministra da Educação está correcta, este dirigente sublinha que, no entanto, “não foi bem acautelado o interesse das instituições, que já estavam no terreno, tinham o know-how de muitos anos de experiência e que ofereceram respostas sociais quando o Estado ainda nem se quer pensava nisso”, afirma.
O antigo espaço do ATL de Seixo de Mira foi reconvertido para a valência de creche e pré-primária e a única funcionária que lá trabalhava foi absorvida para outra área funcional. Embora a instituição tenha sofrido este revés, o grande projecto a concluir até ao final do mandato desta direcção (em 2007), prevê a reconversão de um espaço actual, que funciona como jardim-de-infância, em ATL. “Queremos criar um estabelecimento de raiz para as valências de pré-primária e de creche para onde será transferido o jardim-de-infância de Cruz de Morouços, sendo as actuais instalações reconvertidas para ATL e, eventualmente, para actividades administrativas ou outras”, adianta António Pinto de Matos. As obras para o novo centro estão orçamentadas em cerca de 600 mil euros, sendo que grande parte do financiamento será suportado pelo programa de fundos estruturais, FEDER, segundo o vice-presidente da instituição. Para António Pinto de Matos a aposta num novo ATL não é infundada. “Temos (IPSS) constatado que, salvo em casos pontuais, como foi o de Seixo de Mira, ou noutros em que houve uma diminuição do número de crianças, que as nossas respostas continuam a ser muito procuradas pelos pais”, explica o vice-presidente. “Se formos capazes de responder com fiabilidade, flexibilidade e alargamento de horários e principalmente com a qualidade que já nos vem sendo própria, penso que esta fase de turbulência será rapidamente ultrapassada”, afirma. Já Madalena Amaral mostra-se mais cautelosa quanto à reconversão para ATL. A assistente social diz ter conhecimento de ateliers de tempos livres que sofreram uma diminuição tão grande do número de crianças que foram obrigados a despedir pessoal. “A nível de futuro é muito complicado, mesmo por causa dos funcionários. Até ao final desde ano lectivo veremos a forma que isto vai tomar e se, realmente não for possível avançar com o ATL, o espaço terá que ser reconvertido para outras funções”, conclui Madalena Amaral. A técnica, com uma vasta experiência de trabalho na Obra, acredita que o caminho a seguir está na implementação de creches. “A nível de creches há uma grande necessidade de expansão, porque a procura é muito grande e a oferta ainda é pouca”, afirma. “Em Mira, por exemplo, que é um concelho grande, só existem duas instituições que dão resposta à valência de creche: a Casa da Criança e o Centro de Bem-Estar Infantil de Seixo de Mira, ambos da Obra. Em todo o resto do concelho não há mais nada”, exemplifica Madalena Amaral.
A formação é outra das grandes apostas da OPSDC. Em colaboração com o Centro Distrital de Segurança Social, a Obra desenvolve colóquios, reuniões, acções de formação para agentes de educação. As candidaturas anuais ao Programa Operacional de Emprego, Formação e Desenvolvimento Social (POEFDS) financiado pelo Fundo Social Europeu já vem sendo uma prática corrente desde 2000, com o desenvolvimento de diversos programas de formação para adultos, estando entre os mais recentes o curso de “Assistência a Crianças ao Domicílio” e o curso de “Acompanhante de Crianças”, ambos finalizados no ano passado. Enquanto entidade acreditada pelo Instituto para a Qualidade na Formação, a Obra é também entidade formadora de duas instituições, nomeadamente, a Associação Sol – Eiras e o Centro de Assistência Social de Nossa Senhora da Anunciação.
Essencialmente voltada para a infância e para projectos formativos, longe vão os tempos do Plano de Ajuda Rural, do teatro, das exposições, do trabalho diário na comunidade, em que a OPSDC reunia um conjunto de ofertas e de projectos sociais tão vastos que a tornavam num motor de desenvolvimento do próprio distrito onde se enquadra. As ofertas multiplicaram-se a o caminho a seguir foi o da especialização. “Esta obra é muito antiga e já teve uma grande projecção local, pois tinha muitas valências e a oferta era muito pouca”, explica o vice-presidente. “Era uma Obra muito conhecida e com grande alcance social. Entretanto, foram aparecendo cada vez mais respostas e fomo-nos adaptando”, diz António Pinto de Matos. “Actualmente, prezamos muito a qualidade dos nossos recursos, mas não deixamos de ser mais uma IPSS no meio de tantas outras”, acrescenta. Madalena Amaral acredita que houve um esvaziamento progressivo das valências da Obra. “Hoje, continua a haver muito trabalho, com uma interligação grande entre instituições e organismos, o que é muito bom. Mas, o trabalho comunitário diminuiu muito e todo aquele serviço prestado no terreno às populações e que está na génese da criação da OPSDC acabou”, lamenta a técnica que, muitas vezes, trabalhou até de madrugada para pôr de pé tantos projectos que agora caíram em desuso.
Data de introdução: 2007-02-07