PROFESSOR EUGÉNIO FONSECA, PRESIDENTE-ADJUNTO DA CNIS

As instituições têm que estar abertas à mudança

SOLIDARIEDADE – Está a fazer um ano em que uma nova direcção tomou posse. Na qualidade de Presidente-Adjunto qual é o balanço que faz deste ano da CNIS?
PROF. EUGÉNIO FONSECA
- Foi um ano bastante positivo. Eu tive a possibilidade de trabalhar, até agora, com três presidentes nacionais. Cada um com a sua maneira de ser. Indiscutivelmente, todos os três, pessoas motivadas para a causa da solidariedade, pessoas interessadas em desenvolver a cultura do amor ao próximo, de forma dinâmica e entusiasta, com metodologias diferentes, umas mais bem sucedidas que outras. Mas guardo recordações, também porque foi a primeira pessoa com quem trabalhei, do Padre José Maia, do seu dinamismo, da criatividade, da sua capacidade empreendedora. Relevo, este ano, aquilo que, parece, nunca se tinha conseguido e que se está a conseguir: uma circulação da informação. Conseguiu-se neste primeiro mandato, graças à dinâmica, persistência, à atenção do nosso presidente. Através das Uniões e de outros círculos de pessoas que fazem opinião, passa uma corrente de informação actualizada, ao ritmo semanal. Também se conseguiu - e isso está-me a encantar - um trabalho em equipa. Eu sinto isso com muita emoção. Não existe uma hierarquia neste grupo. Existe, realmente, um conjugar de esforços em que cada um tem a sua missão a cumprir. Ninguém se põe em bicos de pés. Formamos uma verdadeira equipa. Não só a nível da Direcção, mas mesmo a nível do Conselho Directivo. Tudo o que prevíamos realizar, quando este grupo se candidatou no último congresso, está a ser cumprido.

O padre Lino Maia acabou, por revelar-se um líder em pouco tempo. Ele que até nem gosta de desempenhar esse papel…
Para mim confesso que foi uma revelação. Embora, pelo cargo que desempenhei no tempo em que cumpri o meu mandato na direcção anterior, nos contactos regulares com a União do Porto, fui-me apercebendo que era uma União dinâmica. O padre Lino Maia foi uma revelação pelo seu aspecto combativo, pela sua presença próxima. É um irmão nosso que se revela até nos pequeninos gestos, mesmo até na vida particular dos seus colaboradores. Ele está presente. Alguns de nós já fomos beneficiados com essa sua maneira de ser, que ajuda a fazer uma equipa, a entrosar-nos. É um homem de uma capacidade de diálogo, de uma aceitação das diferenças muito interessante. Logo no dia em que tomamos posse fez questão de nos dizer: Tudo o que correr bem é obra de todos, o que correr mal, o único responsável sou eu. Foi um acto de humildade e logo por aí nós vimos o pano com que podíamos talhar para vestirmos esta grande causa que é a solidariedade social.

Como comenta o período de três anos que foram vividos antes do padre Lino?
Para mim é embaraçoso porque fui parte integrante, talvez até dos problemas que surgiram. Não me ponho de fora. Percebi desde o princípio que não ia ser fácil, porque substituir o padre José Maia não seria fácil para ninguém. Eu acho que foi um acto de coragem por parte do padre Crespo aceitar esse repto. O que falhou nesse mandato foi a falta de coesão na equipa. Se se conseguisse essa coesão todas as dificuldades poderiam ser suavizadas e ultrapassadas.

Acha que esta equipa que o padre Lino Maia lidera agora é suficientemente forte para levar a bom porto a luta pela solidariedade, tendo em conta as mudanças políticas que se vão sucedendo consoante os partidos vão chegando ao poder?
A amizade, a unidade que já criámos entre nós, leva-me a afirmar que já não há vendaval nenhum que faça afundar a barca. Temos que estar unidos, trabalhar em conjunto, numa cooperação muito estreita entre todos, ao nível da Direcção e do Conselho Directivo. É necessário fazer alguns reajustamentos na organização, rever alguns aspectos estatutários para dar mais agilidade ao próprio funcionamento da confederação, mas eu julgo que iremos concluir este mandato levando a bom porto aquilo que prometemos às instituições fazer.

Um dos desafios da CNIS é afirmar-se como protagonista social na definição das políticas e no espaço mediático…
É imprescindível. Há um caminho a fazer. Nós tivemos um hiato nos últimos anos. Até em determinada altura assentava muito na figura daquele que era a cabeça da União. Pois não há volta a dar: Ou fazemos dos meios de comunicação social aliados para esta causa, para que se consiga a tal cultura da solidariedade ou é uma batalha perdida. Porque hoje, pela forma como a sociedade se organizou, tudo passa pela comunicação social, porque se não passar, não existe.

Mas acha que a centralização na figura do presidente pode relevar ainda mais o papel da CNIS?
Qualquer ente tem que ter um rosto, uma paternidade. Por isso disse que o padre José Maia fez vingar a estratégia pela sua forma de estar, era o tal rosto da solidariedade. Eu acho que o padre Lino, na sua discrição, na sua simplicidade, sem tirar daí protagonismos pessoais, desempenha bem esse papel. Acho que nestas áreas, sem dúvida, alguém tem que ser o rosto, mas que não ofusque o rosto das causas que está a servir. E o padre Lino Maia tem todas as condições para saber conciliar aquilo que é o rosto da solidariedade com o desempenho de presidente da confederação, que hoje é ele e amanhã será outro.

Atravessou três períodos diferentes, conforme já disse. Nas relações que a CNIS, e antes a União, estabeleceu e estabelece com o poder político, qual foi o período mais complicado?
Reconheço que no último governo, sobretudo antes da revisão governamental, não foi fácil. Invocando razões orçamentais, nós sentíamos que o diálogo não era tão aberto. Foi uma das grandes dificuldades da anterior direcção que apanhou nesse período uma nova visão do social. Pôs-se em causa muita da política social que os governos anteriores tinham implementado e procurou-se fazer isso, muitas vezes, sem o diálogo suficiente. Sinto que, presentemente, estamos perante um governo que pensa as políticas sociais, procura, tanto quanto possível, pelo menos no discurso teórico, que isso se faça em conciliação com os restantes parceiros. Ainda no último ano ficamos agradados com a forma como fechámos aquele dossier complicado da cooperação. Houve da parte do governo uma abertura muito grande às propostas que nós apresentámos. Eu fui testemunha disso tudo e reconheço que houve um esforço para não haver ruptura.

Com este governo, para além do elogio, relativamente à conclusão do Acordo de Cooperação, há a questão do ATL, que, digamos assim, é um atentado às políticas sociais que vinham a ser seguidas nessa matéria…
Tive a possibilidade, também acompanhando o padre Lino Maia, de estar presente num encontro que nos foi concedido pela Ministra da Educação e logo aí chamei a atenção para alguns aspectos. Quero primeiro dizer que a medida é uma medida boa. Porquê? Porque tínhamos 400 mil crianças fora do quadro de uma ocupação útil, correcta, dos seus tempos livres e a escola não estava a responder a isso. Aí reconheço que a preocupação é legítima e que tinha que fazer-se alguma coisa. Agora, como neste país é habitual, parte-se do pressuposto de que nada está feito, que se tem que começar tudo do princípio. E se se tivesse avaliado e visto aquilo que as 100 mil crianças que estão nos regimes de ATL, até agora em vigor, têm beneficiado? Se se tivesse feito um modelo misto, mais aproximado, talvez fosse mais ao encontro das necessidades das famílias e das crianças. Eu julgo que se formos desapaixonados numa avaliação, tendo como único critério o bem das crianças e o serviço às famílias, se calhar vamos concluir que o modelo não serve. A percepção que vou tendo é que as crianças continuam desprotegidas, as escolas não têm condições para responder e estão-se a reproduzir modelos que são a continuidade daquilo que se contesta na escola. Não fazer da escola um espaço de cidadania e ser apenas uma oficina de escolarização é muito pesado para as crianças daquela idade. Este processo todo também assentou muito nas autarquias e nem sempre elas viram o problema da melhor forma. Algumas aproveitaram esta questão para se implantarem mais ainda, em termos até ideológicos e partidários; outras não corresponderam aquilo que eram as medidas anunciadas e atrasaram muito o processo e foi quase à pressão que entraram nele. Vamos ver o impacto disto durante a interrupção lectiva maior, que são as férias grandes. O que é que vai acontecer a essas crianças quando as escolas interromperem as actividades lectivas durante dois meses? E vamos ver os prejuízos que isso causa na organização familiar. Vamos fazer tudo isto desapaixonadamente. Porque se o governo chegar à conclusão que foi um investimento desadequado deve ter a humildade de o reconsiderar. E todos juntos, nós, autarquias, instituições e o governo, de mãos dadas, vamos encontrar uma resposta, de forma a que essas 400 mil crianças estejam cobertas por este tipo de resposta.

Não teme que às vezes haja um experimentalismo que prejudica soluções que estão perfeitamente implementadas e que se desfaça o que já existe de bom para substituir por coisas piores?
Nós temos um péssimo defeito: primeiro copiámos, porque foi bom lá fora e forçosamente vai ser bom aqui. Nem sempre é assim. Depois fazemos tábua rasa de tudo o que existe. Antes do ATL aconteceu com o pré-escolar, onde se cometeram atentados, pondo em causa até o trabalho do próprio sector solidário, valorizando apenas o trabalho feito por uma parte, o público. E nós sabemos que há bom e mau em todo o lado. Sou testemunha de muita coisa de qualidade que existe por esse país fora no domínio do pré-escolar, como no domínio do ATL.

Acha que pode haver outras valências em que esse experimentalismo se venha a verificar? Há indícios de que possam haver mudanças estruturais noutros campos?
Cada vez que mudam os governos aparecem sempre novidades. Eu acredito mais naquelas que primeiro são vivenciadas no terreno e que às vezes são contestadas pelos decisores políticos, mas que se impõem por elas próprias. Estou a pensar numa resposta muito em concreto, que são os centros de noite. Os centros de noite foram durante muito tempo contestados e agora estão aí, até como medida proposta com muita veemência, como alternativa ao lar. Não sou reactivo à mudança, pelo contrário. Nós estamos numa área da vida em que a mudança é muito salutar, porque os problemas que hoje o são, ontem foram diferentes e amanhã seguramente terão outra expressão. Os dirigentes das instituições têm que estar muito atentos, porque estão numa área de intervenção em constante mutação. Por exemplo: estou com medo daquilo que possa vir relativamente a lares de crianças e jovens. Há princípios que eu aceito perfeitamente, que estão neste momento a ser reflectidos, e com os quais estou em sintonia, mas não podemos diabolizar os lares. Os lares devem ser respostas a considerar no fim da linha, mas têm que existir.

O princípio do apoio directo à família não preconiza também uma mudança de paradigma da política social?
Julgo que isso já foi defendido com mais veemência, com mais entusiasmo. Isso é um sofisma e já tive oportunidade de o dizer. O que é que o Estado já está a fazer?! Não é apoio às famílias? Têm um intermediário. Um intermediário que pode ser a expressão da credibilidade do próprio sistema. E eu não digo que não possa haver, pelo caminho, uns ou outros que, como intermediários, não ajudem a essa credibilidade, como o Estado em determinadas alturas também não o foi. O Estado quando faz acordos de cooperação com instituições é para apoiar as famílias, não é para apoiar as instituições, porque a instituição só existe de facto se for para servir a comunidade, porque se não for para isso é melhor que feche, porque não tem razão de ser. Eu, a determinada altura, quase que ansiei que se experimentasse o apoio directo às famílias para percebermos os riscos que a sociedade portuguesa poderia correr nesse campo. E ao fazer-se também não deveria de ser só neste campo. Também gostava de o ver no domínio da educação. O Estado, aquilo que gasta com os meus filhos na escola pública, devia dar-m para eu fazer as minhas opções. Porque o princípio é bom, agora é preciso saber se estão criadas as condições para que o princípio funcione. Mas julgo que isso não é questão que se ponha nos próximos tempos.

Quais são as próximas grandes causas para o sector social solidário?
As instituições têm que estar sempre abertas à mudança. Quem está aberto à mudança consegue ler os sinais do tempo e consegue actualizar as respostas que em determinado momento está a dar e que podem já não corresponder aos anseios do tempo presente. Esse é um grande desafio: o de não resistirmos à mudança. Porque muitas vezes corremos o risco de que só porque se propõe já é ataque, já é ofensiva.

A flexibilidade passa a ser um valor das instituições…
Sim, e é um valor genuíno da solidariedade. Percebermos que a razão não está só de um lado e isto diz tanto respeito às instituições, como ao Estado, nos seus diferentes níveis. Portanto, esta abertura à mudança. Criarmos uma cultura de nos abrirmos àquilo que é novo, com sentido crítico, mas sem medo, é muito importante. Isto obriga a uma revolução de mentalidades. As instituições têm um papel muito grande a desempenhar na sociedade portuguesa. Que sejam uma pedrada no charco de uma sociedade que corre o risco de se construir sobre o individualismo, sobre o hedonismo e sobre uma competitividade sem normas. Outro aspecto é que cumpram o seu papel e façam valer o princípio universalmente reconhecido da subsidiariedade. Todos falam nisso. Desde o Estado até à organização mais local reconhece que quem está mais próximo vê melhor a realidade e encontra a resposta mais adequada, mas depois, na prática, queremos ter protagonismo, queremos ter o poder e, muitas vezes, corre-se o risco de fazer valer as nossas posições e ideologias utilizando esses recursos. Nem o Estado nem as instituições se podem substituir à família. Finalmente, julgo que as instituições têm que se começar a abrir mais. Quem o vai fazendo tem revelado satisfação nessa opção. Devem abrir-se mais às novas formas de exclusão social. Nós estamos muito agarrados aquilo que são as respostas típicas e hoje o social passa por aquilo que é atípico, porque a própria sociedade também se tornou atípica naquilo na manifestação das suas formas de privação e de exclusão. Portanto, há toda uma panóplia de situações que estão a minar a sociedade e que as instituições não podem lhes passar ao lado. Porque também o Estado, naquilo que estamos ver, e contrariamente aquilo que muitas vezes é o discurso teórico, está a chamar a si as respostas tipificadas.

Em seu entender qual é a cooperação que a CNIS pode fazer com a Misericórdia e as Mutualidades? Deve ou não caminhar-se para um destino comum?
Sem dúvida. Acho que todos ganharemos se dermos as mãos. Eu não defendo que alguma entidade tem legitimidade por antiguidade. Pode ser muito antiga e ter pouca expressão. A antiguidade vale sobretudo pela história que carrega consigo. Julgo que essa cooperação nunca esteve posta em causa. Pode ter havido num ou noutro aspecto alguns desencontros na forma de ver determinadas realidades, mas sempre houve uma cooperação que é preciso consolidar, não esquecendo que a Confederação tem um lugar especial, até pelo seu nível de representatividade.

Como tem visto a intervenção social do Presidente da República?
Dado o perfil que tínhamos do Presidente da República, a partir das suas funções enquanto Primeiro-Ministro, está a surpreender. Fomos surpreendidos, num marco histórico, como é a celebração do 25 de Abril, por um discurso que marcou um itinerário presidencial. E as provas estão dadas, pelo menos nesta primeira fase, com os roteiros da inclusão. A preocupação do diálogo, que sentimos quando o Presidente da República nos recebeu, e o procurar que se viva no país aquilo que eu há pouco defendi que é, quem está próximo que faça. Estes roteiros para a inclusão valeram para isso mesmo. O Presidente quis dar visibilidade ao que de bom se faz. Não podemos atirar para debaixo do tapete o pó da casa. Eu não defendo, como alguns, para não dar má imagem, que se escondam as realidades menos boas. Às vezes, põe-se uma ênfase maior naquilo que é mau e esquece-se o que de muito bom se faz e que é, seguramente, mais que o mal que existe. O Presidente da República conseguiu fazer isso sempre num diálogo muito estreito com as próprias instituições, o que é um bom indicador.

 

Data de introdução: 2007-02-07



















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