O meu filho tem nove anos e não gosta de futebol. Com muita pena minha, já que me revejo na ideia de que o “amor” ao clube pode estreitar laços afectivos e proporcionar momentos de convívio interessantes. Desde pequeno sempre preferiu os jogos de imaginação e as sessões televisivas às brincadeiras de grupo centradas nos movimentos de uma bola. Como pai, convencido da juventude eterna, que ainda contrai umas lesões, armado em jogador de futebol das quintas-feiras à noite, sempre tentei fazer a defesa do desporto-rei pela tradição e pela importância que o futebol assume no nosso país.
O F.C. do Porto, nome que ele devolve quando lhe perguntam o clube favorito, ajudou-me na tarefa de o convencer da beleza do jogo. Uma beleza que o meu filho transferiu logo para os cachecóis, camisolas, bonés, barretes e bandeiras que via e até usava nas festas dos campeonatos, na Taça UEFA e Liga dos Campeões, na Avenida dos Aliados, enquanto gritávamos: “Campeões, campeões, nós somos campeões…”
Julguei vencer-lhe a resistência durante o Euro 2004. A campanha vitoriosa da selecção de todos nós deu-me pretexto para gastar mais algum dinheiro em merchandising. Luiz Felipe Scolari transformou-se num ícone de simpatia e uma referência positiva. Eu, rendido à minha conquista, reprimia o desagrado que nutro, há muito, pelo seleccionador e alinhava na euforia folclórica nacional que contagiou o país como uma peste. Afinal, ele tinha convertido o meu filho num adepto. Confirmava-se em minha casa o que se dizia nas discussões de café: mesmo que não percebesse nada de futebol o brasileiro tinha jeito para a condução de homens… e crianças também, concluía eu agradecido.
Ora, aqui há dias, estávamos os dois a ver o Portugal-Sérvia, mais um desafio em que o resultado escondia a tacanhez futebolística, quando de forma ilegal o adversário apontou o golo de um empate com sabor a derrota. Tentava eu desculpar o meu aliado Scolari perante o pequeno companheiro de sofá: “Que grande azar”; “o árbitro é soberano”; “isto também é futebol”… e outras que tais.
De repente, já depois do jogo propriamente dito, as imagens televisivas mostravam Scolari, protegido pela senhora de Caravaggio, a soltar toda a raiva do empate na cara de um atleta sérvio. O futebol depressa deu lugar ao boxe, judo, jogo do empurra e aquele do “segura-me se não…”, tudo jogo sem bola.
O meu filho, com um certo ar decidido e convencido que o caracteriza, levantou-se cheio de estilo e atirou-me ao tapete:
- Oh papá definitivamente não gosto de futebol. É muito violento.
Esta, senhor Scolari, não consigo perdoar-lhe!
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