ASSOCIAÇÃO CRISTÃ DA MOCIDADE, TERCEIRA

Uma janela aberta à diferença

Caiada a branco e azul, a casa é soalheira e está situada à beira da estrada. Ao cruzar os portões transpira-se um ambiente informal e acolhedor. Os sorrisos espelham-se nos rostos curiosos que olham de soslaio quem chega de novo. A casa já é antiga e reclama obras, mas o trabalho que ali se constrói diariamente vai além daquelas paredes.

Em Angra do Heroísmo, na Terceira, nos Açores, a Associação Cristã da Mocidade (ACM) foi pioneira na intervenção na área da deficiência, numa altura em que não havia respostas na ilha. A crise do sismo de 80 que abalou o parque habitacional da ilha motivou o aparecimento desta instituição particular de solidariedade social, inicialmente exclusivamente dedicada à reconstrução de habitações, que depois eram doadas à população mais carenciada. Nesse trabalho os dirigentes aperceberam-se da grande lacuna de respostas para a população com deficiência, que estava votada ao abandono, e cuja percentagem era bastante considerável. Sem grandes infra-estruturas, começaram por arrendar uma casa perto do centro da cidade de Angra e como não tinham meios de transporte próprios pagavam os bilhetes de autocarro aos utentes para que se pudessem deslocar-se de toda a ilha até à instituição.

A ACM foi crescendo e após uma passagem por outro edifício adquiriram a casa actual, onde 25 trabalhadores dão resposta a 50 pessoas com deficiência.
Mário Silva, actual presidente da ACM, diz que o principal objectivo da associação é ajudar a “mudar mentalidades”. “Nesta ilha a deficiência era uma coisa muito escondida e nós queremos que a sociedade se volte para nós”, uma opinião partilhada por Márcia Sousa, terapeuta ocupacional há seis anos na instituição. “Quando saímos há muitas pessoas que ainda olham para nós com receio”. A técnica acredita que a população mais jovem já começa a olhar para a deficiência de outra forma, uma vez que as crianças com deficiência estão integradas nas escolas, facilitando a “aproximação entre estes dois mundos”. A ligação dos pais com os filhos foi outra das batalhas travadas pela ACM. No início, às nossas reuniões de pais só apareciam meia dúzia de casais, agora são mais de 40 em 50 utentes”, diz o presidente com um sorriso estampado no rosto.

Márcia Sousa afirma que estas pessoas “são felizes na sua condição” embora, nos casos de deficiência mais ligeira, se possam desenvolver muitas frustrações. “Querem casar e encontram muitas dificuldades, não podem tirar carta de condução, ou seja, querem igualar-se às pessoas ditas normais, mas claro que têm dificuldade”, explica.
A IPSS acolhe utentes a partir dos 16 anos, oferecendo-lhes um Centro de Actividade Ocupacionais, educação física, horticultura, entre outras actividades lúdicas e didácticas. A Segurança Social é a principal fonte de sustentabilidade financeira, através dos acordos de cooperação, embora as quotas dos sócios representem algum volume de receitas. “Não se nada em dinheiro, mas temos o suficiente para o dia-a-dia”, afirma o presidente, enquanto explica que também há muitos donativos da sociedade, principalmente em géneros alimentares.

Na casa encontram-se diversos graus de deficiência, o que implica um trabalho muito diversificado do corpo técnico. “Somos apenas duas técnicas a tempo inteiro, o que é muito pouco para as actividades que desenvolvemos, desde os diversos ateliers, às saídas ao exterior”, diz a terapeuta. Apesar da escassez de recursos humanos especializados, o trabalho é “muito gratificante”. “O mínimo de progresso que se consegue com cada um deles é muito importante para nós”, explica Márcia Sousa, “são pessoas sinceras e se tivermos a capacidade de conseguir chegar perto delas, é possível proporcionar-lhes bons momentos de felicidade e trazê-los para mais perto dos nosso padrões sociais”.

Michele Pereira, técnica de reabilitação e intervenção social acredita que a melhoria da qualidade de vida dos utentes é uma realidade. “Mudamos a vida deles em pequenos aspectos. Por exemplo: eu dou formação em novas tecnologias da informação e tenho uma utente que sente uma enorme felicidade por aprender, vai para casa e quer contar tudo à mãe e até ensinar-lhe”, exemplifica a técnica. A motivação de cada pessoa para as actividades é muito diversa, mas a técnica refere o facto de a população ser maioritariamente masculina e o pessoal trabalhador feminino, o que, no seu entender, “origina, por vezes, uma falta de identificação, o que dificulta a integração nas actividades”.

As condições físicas da casa, com diversas barreiras arquitectónicas e a necessidade de espaços maiores e com mais condições, são imperativos que pairam sobre os corpos dirigentes. A lista de espera ultrapassa a dúzia, o que já é considerado um número elevado, atendendo à população da ilha. Em parceria com o Governo Regional já está em fase de construção um novo CAO, mas o grande anseio da associação passa pela construção de uma residência de raiz, para acolher mais internos. “Esta é uma população velha, com pais ainda mais velhos e não há respostas para eles”, afirma Mário Silva. O presidente fala de diversas conversas com pais que não sabem o que vai acontecer aos filhos no futuro, uma vez que a ACM, neste momento, só tem capacidade para quatro internos. “Gostava de ver a residência de pé, pois tenho muitos pedidos de pais que precisam de se deslocar ao continente e não têm a quem deixar os filhos, pois ninguém fica com eles”. O projecto já está feito e tem capacidade para albergar 12 pessoas, com mais dois quartos de emergência. Sem referir datas, Mário Silva diz já ter iniciado conversações com a direcção regional de Segurança Social, que se mostrou receptiva à concretização do projecto.

Alheios a estas situações burocráticas, cada um dos “miúdos”, como carinhosamente os técnicos lhes chamam, concentram-se na sua actividade e no seu mundo. Enquanto uns se empenham a plantar alfaces nas estufas, outros estão atentos às aulas de fiação ou entretidos com as actividades de expressão plástica. Outros há ainda para quem contemplar uma janela é suficiente para preencher uma tarde, ou até um dia, pois vêm o mundo dentro de outro mundo, que tem tanto de pessoal, quanto de misterioso, para integrar os padrões do comum.

 

Data de introdução: 2008-04-09



















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