Publicamos as conclusões das Jornadas Diocesanas promovidas pela Cáritas Diocesaba de Setúbal, a 8 e 9 de Abril, subordinadas ao tema ""Paridade de Género, Igualdade de direitos e deveres?".
As Jornadas Diocesanas realizadas no âmbito do Ano Europeu Para a Igualdade de Oportunidades para Todos, comemorado em 2007, decorreram sob o lema “Paridade de Género, Igualdade de Direitos e Deveres? , de forma a manter activa e na ordem do dia a chama dos direitos humanos.
Não obstante sabermos que não é apenas com uma reflexão num Ano Europeu que os problemas se resolvem, a verdade é que reflectir constitui já em si um sinal de alerta, uma forma de manter o lema activo e na agenda social.
As Jornadas Diocesanas reflectiram sobre o papel da mulher na sociedade portuguesa do século XXI e defendeu a igualdade e a diferença na complementaridade, concebendo a mulher não como um mero objecto mercantil ou sexual, mas como um ser humano com dignidade própria e construtora de uma sociedade nova.
A sustentabilidade global de uma sociedade complexa como a nossa coloca-nos perante o desafio de descobrir a maternidade global, não apenas como um fenómeno biológico, mas como paradigma global. A maternidade global, como referiu o Padre Feytor Pinto, impôs-se porque a mulher possui características psicológicas e sociais com um efeito original na recriação da sua intervenção social, económica e cultural.
A igualdade entre homens e mulheres deve fazer-se pelas melhores razões, por duas pessoas que se complementam na sua intervenção multifacetada na sociedade, no respeito pela diferença, mas em igualdade de circunstâncias.
As Jornadas Diocesanas reflectiram sobre o papel da família na sociedade, como espaço fundamental, onde as práticas se reproduzem no bom e no mau sentido. As práticas negativas, como a violência que ocorrem no espaço da família, só poderão ser combatidas pela igualdade do género, com práticas do afecto, da partilha e de respeito mútuo.
Para além da igualdade do género foi referida a importância da pluralidade de géneros, o que equivale à necessidade de nos afirmarmos pela diferença que nos caracteriza e respeitando sempre a diferença dos outros ou do outro.
Não se pode, como foi amplamente sublinhado, falar de família e de igualdade sem equacionar a necessidade da conquista dessa mesma igualdade no seio da família e da sociedade.
Uma outra preocupação referenciada pelas Jornadas Diocesanas tem a ver com a vontade, versus possibilidade, da mulher ter filhos. Esta contradição entre vontade e possibilidade de procriar está intrinsecamente ligada à sub carga de tarefas profissionais e familiares das mulheres.
Nesse sentido foi enfatizada a necessidade de promover uma educação que valorize a igualdade do género, de forma a promover não o apoio, mas a partilha de tarefas entre homens e mulheres.
Pela Dr.ª Elsa Pais foram lançados a estas jornadas e à própria sociedade três grandes desafios:
1º - O desafio da necessidade de promover a educação com vista a valorizar a diferença, uma diferença que seja potenciadora de uma sociedade mais justa.
2º - O desafio do derrube de estereótipos, como por exemplo, o rapaz não chora ou a rapariga não é capaz. Na verdade, todos somos capazes, desde que tenhamos as mesmas oportunidades.
3º - O desafio de promover uma educação para a cidadania activa e participada, de forma a incentivar os jovens para a participação social.
No painel Habilitações e Competências Iguais: Igualdade de oportunidades” foi referido que a sociedade está longe de ser igual do ponto de vista social e do género, cabendo à sociedade, mas também ao Estado promoverem essa igualdade na prática.
A reflexão sobre as desigualdades sociais mostra que há uma ligação inequívoca entre desigualdades sociais, corrupção e enfraquecimento do poder político. Foi ainda invocada a necessidade de relevar o papel da centralidade do trabalho, concebida de forma multidimensional, nos seus aspectos económico, social e cultural.
Todavia, o mercado de trabalho surge, de forma crescente, perigosamente desregulado e instabilizado, dificultando respostas concretas para os problemas de quem trabalha, como sejam a habitação, o trabalho, as condições sociais e de sociabilização e as condições de vida em geral.
Ao mesmo tempo que requer qualificações prévias, o trabalho vai exigindo novas competências e qualificações, mas também deve ser portador de direitos sociais, tempo de lazer, saúde física e equilíbrio emocional.
Por outro lado, foi sublinhado o aumento quantitativo e qualitativo das mulheres no trabalho, como fundamental no plano estrutural e até estratégico das empresas, na organização e funcionamento geral da sociedade e das suas instituições.
No PAINEL “Igualdade de Género nas Organizações políticas e Sociais” foi referido que com a aprovação da Lei da Paridade, a mulher é, desde já, a grande vencedora das eleições para o PE, autárquicas e Legislativas a realizar no próximo ano.
Portugal, como se sabe, deu um pequeno grande passo no processo de conquista da igualdade do género ao publicar, no dia 21 de Agosto de 2006, a Lei da Paridade, que estabelece que as listas devem ser compostas, de modo a assegurarem a representação mínima de 33 por cento de cada um dos sexos.
A autonomia financeira foi também considerada fundamental para a igualdade do género, uma vez que sem condições de subsistência a liberdade e a igualdade no género serão meras figuras de retórica.
No entanto, foi recordado, que o desemprego de longa duração continua a ser mais frequente no caso das mulheres (4,5%) do que no caso dos homens (3,3%).
As carreiras profissionais das mulheres são também mais breves, como é ainda mais reduzida a possibilidade de ocupar cargos políticos ou de direcção e chefias nas empresas.
A nossa matriz civilizacional coloca-nos perante a obrigatoriedade de respeitar os direitos humanos, o que equivale a defender e promover a representação paritária, ou seja a igualdade no género a todos os níveis de decisão.
Como referiu a deputada Maria do Rosário Carneiro, a governação tem que ser feita com base na confiança, mas de um modo geral nos dias de hoje, a coptação de ministros e secretários de Estado é feita com base na confiança nos amigos que representam menos de 50 por cento da população portuguesa, relegando a outra metade para o esquecimento, por não se inscrever no conceito político de “bom amigo”.
No Painel “Experiências na Comunidade” defendeu-se que o trabalho social ao nível da comunidade deve passar por uma interacções e parcerias entre as autarquias e um conjunto de outras instituições, apostadas no apoio às mulheres, particularmente às mulheres vítimas de violência.
Neste trabalho social e de apoio às mulheres é essencial, como referiu Maria Amélia Antunes, presidente da Câmara Municipal de Montijo, elevar os saberes e a competência dos técnicos e técnicas que operam no terreno, nas instituições e na comunidade sobre a igualdade no género e a violência doméstica.
A Câmara Municipal de Montijo que deu à luz o primeiro Plano Para a Igualdade do Género ao nível de um município português aconselhou-nos a elaborar documentos de conhecimento concreto da situação socio-económica, como o diagnóstico social, que são fundamentais para conhecer a realidade e agir em conformidade com ela.
Este painel enfatizou a necessidade de igualar aquilo que é igual e diferenciar aquilo que é diferente, procurando sempre unir homens e mulheres na mesma luta pela representação paritária e pela igualdade no género.
No actual contexto de problemas acrescidos nas sociedades modernas foi enaltecido o papel essencial que cabe às instituições de solidariedade social, instituições que se pretendem vivas, humanitárias e promotoras de práticas de afecto e solidariedade.
No painel “Igualdade de Oportunidades, da Utopia à realidade” procurou-se sensibilizar o Estado e a sociedade para a problemática da paralisia cerebral, que afecta só nos concelhos de Almada e Seixal 1200 cidadãos.
Neste âmbito, foi defendida a importância da construção imediata de um centro de reabilitação que responda às necessidades de 450 crianças e jovens e a longo prazo a construção de um centro de actividades ocupacional e de unidades residenciais.
O ser humano, como referiu o padre Feytor Pinto, é homem e mulher e um sem o outro não se podem realizar como ser humano no sentido da continuidade da vida e da transformação histórica da sociedade.
No entanto, como foi sublinhado no início destas jornadas, não chega reflectir, é preciso concretizar as reflexões aqui produzidas, passo a passo, como forma de percorrer novos caminhos para transformar a utopia em realidade.
A transformação da utopia em realidade implica, contudo, mudanças de mentalidade, exige novos registos culturais e sociais, de modo a descobrir novos caminhos que não podem ser desbravados num só dia de reflexão.
O maior esforço que o futuro nos reserva, passa, por um lado, por termos a coragem política e a lucidez suficientes para fomentar a participação equilibrada de mulheres e homens nos processos e tomadas de decisão, de forma a reflectir a composição da sociedade, bem como os interesses de homens e mulheres na própria construção das políticas, mas passa também por um trabalho de educação suficientemente profundo para não arrastar o fenómeno da descriminação entre géneros pelas gerações futuras.
Homens e mulheres devem lutar em conjunto por uma sociedade melhor, partindo da competência de cada um e sem descriminação de espécie alguma. Se assim procedermos, é a sociedade, são as gerações vindouras que ficarão a ganhar, com mais liberdade, mais igualdade, mais solidariedade, mais justiça social.
Não há inqueritos válidos.