Com o intuito de realizar uma reportagem pude visitar a torre 1 do bairro do Aleixo, no Porto, onde funciona, todos os dias, um dos mais conhecidos mercados de droga da cidade. O que vi é indizível. À entrada deambulam mortos-vivos arrastando-se na urgência do consumo, misturados com pregões dos intermediários e vigias do negócio dos estupefacientes, residentes e clientes que chegam e partem em veículos próprios e táxis. O rés-do-chão é um ninho de ratos humanos atarefados nas operações do comércio e do consumo de droga. O local é escuro e atemoriza. As figuras humanas parecem pertencer a um filme de terror. O movimento é caoticamente organizado por rituais, gritos, gestos, códigos e sinais. A violência lateja. A anuência invisível dos traficantes permite que veja mas faz-me sentir a mais. Saio com a convicção de ter feito uma visita ao inferno.
Aleixo é nome maldito. As restantes quatro torres pagam a factura da má fama. Há, crianças a brincar, velhos sentados nos bancos de pedra e muita roupa a secar às janelas. Na rua que atravessa ao bairro o movimento de veículos empresta um ar de normalidade à zona. Das varandas das torres do Aleixo a vista é soberba. O rio Douro rende-se ao Atlântico num espectáculo apetecível.
O bairro do Aleixo, fica situado numa das zonas mais caras da cidade do Porto, sobranceiro à foz do rio Douro, e é um conjunto de cinco edifícios de 13 andares, com 320 fogos onde vivem cerca de 1300 pessoas. A primeira torre foi inaugurada uns dias antes do 25 de Abril de 1974. Um ano depois a segunda foi tomada de assalto, por cidadãos sem casa, ainda não estava pronta. Assim começou a história de um bairro com problemas sociais graves, de segurança, urbanismo, tráfico e consumo de droga. Uma história cujo final foi anunciado para 2013 com uma demolição total prometida pela câmara liderada pelo social-democrata Rui Rio.
A proposta é engenhosamente simples: aqueles 30 mil metros quadrados valem cerca de 13 milhões de euros. A autarquia vai constituir um “Fundo Especial de Investimento Imobiliário (FEII), cujo activo será o próprio bairro do Aleixo, e encontrar, através de um concurso público, um parceiro privado que irá subscrever entre 70 a 90% de unidades desse fundo, ficando o remanescente para a autarquia. De acordo com o modelo financeiro escolhido, a entidade ou instituição que ganhar o concurso irá pagando à CMP com a construção de habitação social de raiz, dispersa em pequenos núcleos por diversas zonas da cidade, e com a reabilitação de casas devolutas na Baixa e no Centro Histórico do Porto, de onde são oriundos, aliás, muitos dos actuais moradores do Aleixo, que assim poderão regressar às suas origens.” É assim explicado no site da Câmara do Porto. No futuro o Aleixo será um bairro de ricos!
No final do processo a autarquia, sem gastar um tostão, recupera urbanisticamente a zona do Aleixo para venda a preços exorbitantes, renova ou constrói habitação social de qualidade, reinstala em melhores condições os moradores, deslocando uma parte deles para a zona histórica, pulveriza o comércio de droga, estimula a construção civil, poupa na requalificação urbana de que o bairro carecia. E convém não esquecer os dividendos políticos: Rui Rio reforça a imagem de político corajoso que fez o que quase todos pensavam que devia ter sido feito há muito tempo.
È difícil não concordar com esta solução. O que incomoda é saber que as vantagens são apenas efeitos de uma proposta urbanística e economicista e não a causa para esta proposta. Os moradores não foram nunca consultados e na origem não esteve o modelo social nem as condições de vida das pessoas. A cidade não resolve um problema apenas se vê livre dele. Recordo o desabafo de um dos moradores que se manifestaram contra a anunciada demolição das cinco torres do Aleixo: “Que culpa tenho de ser pobre? Que culpa tenho de ser rico em paisagem?”
Data de introdução: 2008-08-07