Somos um país de oito ou oitenta. E pior que isso: passámos de um estado ao outro enquanto o diabo esfrega um olho. Para reforçar esta constatação, provavelmente preconceituosa, recorro a mais um recente exemplo: os Jogos Olímpicos de Pequim.
Com um orçamento de 14 milhões de euros, Portugal levou à China 77 atletas e objectivos de alcançar 4 /5 medalhas e 60 pontos. Conseguiu duas e alcançou 28 pontos.
A meio dos jogos, quando ainda não tinha conquistado medalha nenhuma, o Presidente do Comité Olímpico, Vicente de Moura, anunciou que não se candidataria a mais nenhum mandato, como forma de protesto contra a desmotivante participação lusa. Entretanto, Vanessa Fernandes conquistou a prata no triatlo e três dias depois Nelson Évora voou 17,67m, no triplo salto, descobrindo o ouro. Da enorme desilusão passou-se,
de imediato, à euforia. Vicente de Moura, num despudorado golpe de rins, recua na intenção de se afastar do COI e começa logo a pedir ao governo reforço financeiro para a próxima temporada olímpica. Das duas uma: o responsável pela delegação devia ter seguido o exemplo de Francis Obikwelu que, desiludido com a sua prestação, anunciou o fim da carreira com um humilde pedido de desculpas aos portugueses, ou então devia esperar pelo fim dos Jogos para fazer o necessário balanço e tirar as inevitáveis ilações.
A conquista de uma medalha de ouro e outra de prata é, formalmente, o melhor resultado de sempre. No entanto, não apaga a imagem de país do desenrasque que exige tudo a atletas amadores, como o marchador-electricista António Pereira, o atirador-sargento João Costa, a saltadora à vara-advogada Sandra Tavares, o atirador-administrador de empresas Manuel Silva, entre outros que recebem uma bolsa que não dá para viver quanto mais para treinar para “melhores do mundo”.
Para a história ficam as medalhas. Em 13 participações Portugal conseguiu 22 medalhas: quatro de ouro, sete de prata e onze de bronze. Este é o país do oito.
Agora o país do oitenta: Os Jogos Paralímpicos são o acontecimento mundial de referência para atletas com deficiência física, onde se incluem as deficiências motoras, amputações, deficiências visuais e paralisias cerebrais. Nos Jogos Paralímpicos, que decorrem até 17 de Setembro, em Pequim, Portugal apresenta uma delegação de 35 atletas que vai competir em sete modalidades. Em sete participações anteriores o nosso país já conquistou 81 medalhas. No ranking paralímpico, Portugal está em oitavo lugar entre os 27 países da União Europeia e no primeiro terço mundial. Estou convencido que, em Pequim, vamos ficar perto da centena de vezes que subimos ao pódio.
Na tentativa de encontrar razões para este êxito iniludível, podíamos inferir daqui que, no desporto para deficientes, Portugal tem feito um trabalho exemplar, dotando as instituições particulares de solidariedade social e organismos estatais de instrumentos de todo o tipo, adequados para o desenvolvimento humano e desportivo dos deficientes. Ou então podíamos, numa perspectiva bem mais sardónica, argumentar com as dificuldades com que o país brinda esses cidadãos diminuídos em todas as dimensões da sua vida. As barreiras arquitectónicas nos transportes, edifícios e emprego, a ausência de ajudas financeiras para equipamentos adaptados, a inexistência de materiais para cegos e para surdos, tais como áudio, comando verbal, interpretação gestual ou legendas, as dificuldades em obter seguros e créditos e a desconsideração e desatenção geral praticada por quase todos nós perante cidadãos diferentes potenciam as qualidades sobre-humanas dos deficientes com evidentes resultados em situações competitivas.
Podíamos, de facto, tirar estas conclusões mas… nem oito nem oitenta!
Data de introdução: 2008-09-09