A CNIS promoveu a 10 de Julho, em Fátima, um encontro de reflexão destinado a instituições de acolhimento de crianças e jovens sobre o Plano DOM, Desafios, Oportunidades e Mudanças. Estiveram presentes 99 representantes de 53 instituições para analisar e reflectir sobre as potencialidades e fragilidades do plano implementando pelo Instituto de Segurança Social em parceria com as IPSS, em Maio de 2007.
O tema geral “Enquadramento do Plano DOM” foi apresentado por Filomena Bordalo, assessora da direcção da CNIS para a área da acção social/cooperação e por Luís Dinis, presidente do Instituto Monsenhor Airosa, em Braga. O presidente da CNIS, Lino Maia, esteve igualmente presente no encontro.
Lúcia Saraiva, membro da direcção da CNIS explicou ao Solidariedade que o Plano DOM foi uma medida implementada numa situação de emergência, “aquando o caso das crianças da Oficina de S. José. (O caso remonta a Fevereiro de 2006, quando o Ministério Público acusou 13 menores, a maioria internos da Oficina de S. José, de tentativa de homicídio qualificado de um transexual conhecido por “Gisberta”, encontrado morto num fosso de um edifício inacabado da zona do Campo 24 de Agosto, no Porto.)
O projecto prevê um reforço de pessoal nas equipas técnicas das instituições, em várias áreas, de modo a possibilitar um acolhimento institucional transitório e promover um ambiente familiar nos lares. “Esse reforço técnico permite trabalhar melhor a família, acompanhar os casos de forma mais célere e mais próxima”, explica Lúcia Saraiva que adianta que tanto técnicos como dirigentes se mostraram muito satisfeitos com o aumento dos níveis de qualidade de trabalho. “Com mais apoios, que já reclamávamos há muito tempo, estamos a conseguir melhorar a prestação dos serviços e a qualidade está a ser cada vez mais real porque, finalmente, ao Estado olhou para as instituições”.
Dos principais pontos críticos sentidos pelas instituições que aderiram ao Plano Dom, mereceu destaque neste encontro o facto da Segurança Social não considerar as instituições enquanto parceiros efectivos de acção. Embora com “inequívocos sinais de bondade”, o projecto da Segurança Social deixou diversas “arestas por limar”, segundo a dirigente. “Inicialmente cabia Segurança Social a pré-selecção e a selecção dos técnicos que iriam ingressar as equipas técnicas das instituições, trabalhadores dependentes delas”. A questão foi de imediato levantada pela CNIS, uma vez que, segundo o Código de Trabalho, a base da contratação é a relação de confiança estabelecida entre o empregador e o trabalhador.
A gestão centralizada de vagas foi outro dos pontos em análise, uma vez que pressupõe o encaminhamento das crianças para as diferentes instituições através da Segurança Social, em teoria, para um melhor aproveitamento da capacidade instalada. No entanto, as IPSS defendem a necessidade de “consagrar a obrigatoriedade do consentimento da instituição de acolhimento proposto, no respeito pela sua identidade, estatutos e regulamentos internos”, conforme se pode ler na reflexão apresentada por Luís Dinis, presidente da direcção do Instituto Monsenhor Airosa. “Quando um director ou uma equipa técnica está preocupado com o perfil da criança ou do jovem que vai ingressar na sua instituição, não é porque não quer trabalhos ou sarilhos, mas porque está preocupado realmente com a estabilidade dos outros que já lá estão. Eu trabalho com meninos de rua desde 1990 e sei perfeitamente que um elemento pode desestabilizar uma casa de 20”, afirma Lúcia Saraiva. Para a dirigente social esta imposição vem colmatar uma lacuna do Estado com o progressivo encerramento dos centros educativos. “Quando dizemos que não temos perfil para ser casas de correcção, queremos dizer que não nos impinjam, e acho que é esta a palavra adequada, ao abrigo da gestão centralizada de vagas, crianças para as quais o Estado não tem resposta. Estão a fechar centros tutelares educativos e não há resposta para determinada população que está na margem da delinquência”.
As instituições sentem também que foi secundarizado o seu papel no que respeita à revisão das medidas de promoção e protecção, em que, pela própria natureza dos casos se geram, muitas vezes, situações de bloqueio, em que a continuidade do jovem na instituição se torna “prejudicial” e até mesmo “insustentável”. “Todos sabemos de casos em que o desenvolvimento pessoal de um/a jovem se encontrava no bom caminho, com progressos reconhecidos, mas a necessitar ainda de consolidação, que regrediram, ou se perderam mesmo, devido a este tipo de influências”, referiu o presidente do Instituto Monsenhor Airosa na sua reflexão apresentada no encontro.
Foi também deixado o alerta para a fragilidade do enquadramento das crianças e jovens nas famílias de acolhimento, pois, segundo a reflexão de Luís Dinis, “a tentação de apresentar momentaneamente números bonitos de diminuição da institucionalização” não deve “originar dramas graves no futuro”. “Quando se entende que o projecto de vida da criança passa pelo regresso à família biológica após uma fase temporária, o acolhimento familiar não se pode prolongar eternamente, pois pode causar danos irreversíveis como se viu agora recentemente no caso da Alexandra ou da Esmeralda”, explica Lúcia Saraiva. “Não tem havido suporte técnico de acompanhamento destas famílias e a certa altura a própria família de acolhimento desorienta-se e acha que vai ficar com a criança para o resto da vida”.
A ausência de condições reais para a autonomização apoiada dos jovens foi outra das deficiências apontadas pelas IPSS. Reconhecendo que a criação de apartamentos de pré-autonomia e de autonomização sejam uma boa medida, reclamam, no entanto, maior colaboração das entidades (câmaras, IEFP, etc.) para ajudar a promover e a sustentabilizar esse objectivo.
Outro dos descontentamentos das instituições de solidariedade prende-se com a fórmula de avaliação do trabalho efectuado ao abrigo do Plano DOM. Segundo o protocolo, cabe à IPSS de acolhimento colaborar com o centro distrital de Segurança Social na avaliação qualitativa e quantitativa, mas o centro procede à avaliação de forma unilateral, sem a obrigatoriedade de dar conhecimento da mesma à instituição avaliada. “Quando a Segurança Social resolve não continuar como Plano em determinada instituição, esta não tem como se defender, porque não conhece a avaliação, o que não faz qualquer sentido”, diz Lúcia Saraiva, para quem uma “verdadeira parceria” pressupõe sempre a avaliação conjunta, inclusive “para poder melhorar certos aspectos”. No caso de uma avaliação negativa da intervenção executada pela instituição, pode ser determinado a não continuidade do protocolo, com as consequências daí decorrentes. “Não está previsto o apoio financeiro para o fim dos contratos dos técnicos que são integrados nas equipas pelo Plano Dom, ou seja, a responsabilidade da indemnização pelo fim do contrato, caso não haja continuidade do projecto, continuidade definida pela Segurança Social, é suportada pelas instituições”, explica a dirigente da CNIS.
Apesar das alterações consideradas necessárias pelas instituições de solidariedade, Lúcia Saraiva considera que “está a ser um plano muito favorável à promoção dos direitos das crianças, porque os nossos dirigentes e os nossos técnicos assumiram o Plano Dom como uma oportunidade de mudança”.
Texto e fotos: Milene Câmara
Data de introdução: 2009-08-10