1 - Há quinze dias, ninguém diria que as eleições legislativas iam acabar como acabaram, com o PS a vencer tão folgadamente.
O PSD vencera as europeias e as sondagens posteriores apresentavam os dois principais partidos quase a par – no que o jargão da imprensa chama “empate técnico”, que se distingue do empate propriamente dito por não ser, na verdade, um empate.
(Nessa altura, ninguém alegava medo de responder aos inquéritos como justificação para os resultados das sondagens …)
Não eram só as sondagens …
O ambiente que se pressentia e se respirava era também nesse sentido, de luta taco-a-taco entre o PS e o PSD e de incerteza quanto à vitória nas eleições.
Na última semana da campanha, pela mão de Cavaco Silva, tudo mudou.
E, nos dias que precederam a ida a votos, o clima não enganava – não eram precisas sondagens para saber que a vitória não fugiria ao PS.
2 - O Parlamento está agora mais dividido pelos vários partidos - e nenhum dispõe de maioria absoluta.
Isso é bom.
Já aqui escrevi em várias ocasiões que, a ter de haver Governo, prefiro Governos fracos.
(Trata-se de uma versão mais temperada do celebrado dito anarquista espanhol: “Hay Gobierno? Soy contra!”)
Já Shakespeare escrevera que, “se o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente.”
E, na verdade, a nossa história recente, mesmo a posterior a Abril, contém exemplos da inescapável tendência para o abuso e para o arbítrio que contamina os Governos de maioria absoluta.
Os votos conferem legitimidade – não conferem razão.
As pessoas estarão ainda lembradas de que a discussão que se fazia no fim do cavaquismo, em 1995, não andava longe do debate sobre a “asfixia democrática” que veio agora à liça.
( A expressão “asfixia democrática” não é, aliás, famosa e não descreve o que com ela se pretende dizer. Com efeito, a asfixia, no sentido de ser amordaçada a liberdade de expressão e de crítica aos poderes públicos, isto é, como valoração negativa, nunca pode ser adjectivada como democrática – já que a democracia constitui um valor positivo.
Pelo contrário, tal asfixia é, necessariamente, antidemocrática.
Não há razão nenhuma para que o direito à crítica, legítimo, se não expresse em bom português)
Voltando às tentações autoritárias das maiorias absolutas, lembremos o debate, decisivo, entre António Guterres e Fernando Nogueira, nas eleições desse ano do tabú, que assentou na tentativa de Guterres amarrar Nogueira a um clima de crispação e de autoritarismo que marcaram os tempos finais dos governos de Cavaco Silva e de prenunciar que a sua vitória instauraria também um desanuviamento do ambiente político do País.
Com sucesso, como se viu.
O País precisava então de respirar melhor e de sacudir o ambiente de claustrofobia, que era, na ocasião, quase uma sensação física.
Como agora.
3 – Ora, a maior pulverização dos mandatos dos deputados vai impôr negociações e cedências, conversas e transigências, acordos e transacções.
O Parlamento, que os cidadâos elegem, mas que os partidos, em tendo maioria absoluta, tendem a tratar como uma excrescência inútil, beneficiará por ver reparada a sua dignidade de órgão de soberania.
Mesmo os deputados, que em tantos casos não ultrapassam o estatuto de obediência passiva aos directórios dos partidos, parecerão a si próprios dotados de importância.
E porventura tê-la-ão.
O PS vai formar Governo.
Mas vai ter menos poder sozinho.
Como cidadão, sinto-me mais aliviado assim.
4 – Também o CDS teve um bom resultado.
E teve o mérito de colocar na discussão pública, durante a campanha, temas claros e de marcar, também com clareza, linhas de clivagem.
As políticas sociais foram uma dessas áreas de separação de águas.
Tendo em conta os resultados, parece evidente que, em boa medida, colheu a proposta do CDS de rever o regime da atribuição do RSI – revisão que se traduziria, por um lado, na afectação às pensões de reforma de parte da dotação orçamental destinada ao RSI; e, por outro, na substituição de parte do subsídio por atribuições em espécie.
Do que tenho ouvido – muitas vezes por ouvintes do programa que, com o Pe. José Maia, mantenho numa rádio do Porto há mais de 13 anos -, esta substituição é defendida por muita gente, de vários quadrantes e com diversas opções de voto.
Muitos são eleitores do PS – que também entendem, como o CDS deixa implícito, que os beneficiários do RSI gastam mal a prestação pecuniária que recebem.
É aliás recorrente o argumento de que o gastam nos cafés ou nos tascos – tascos que, daqueles de ramo de loureiro à porta a anunciar o vinho novo, já quase não há, infelizmente.
Pela minha parte, considero que não me compete a mim decidir como os meus concidadãos devem gastar o dinheiro que é seu – nem colocar-me em tamancas de superioridade moral para avaliar as opções de cada um quanto aos seus gastos.
Essa decisão está no espaço da liberdade individual. E quanto menos os poderes públicos se meterem na nossa liberdade, ou na dos outros, melhor para cada um de nós.
De modo que espero que, se o PS escolher o CDS, como tantos auguram, para parceiro, oculto ou explícito, de Governo, esta mudança no RSI não entre nas trocas.
É que não são trocos…
Henrique Rodrigues – Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta
Data de introdução: 2009-10-09