INOVAÇÃO SOCIAL

A próxima grande revolução

Depois de um período em que a ideia de inovação esteve quase exclusivamente ligada ao domínio tecnológico, nos últimos anos, a noção de inovação social tem vindo a ganhar cada vez mais importância e a surgir nos mais variados âmbitos. Na bibliografia sobre a inovação social são especialmente recorrentes as iniciativas do terceiro sector dirigidas ao combate à exclusão social. Uma grande parte dos autores atribui este significado à inovação social, um processo que se desenvolve fora do mercado e frequentemente também sem a intervenção directa do Estado e que visa, prioritariamente, a inclusão social. Geoff Mulgan, um dos maiores especialistas mundiais na matéria, antigo director do gabinete de estratégia do primeiro-ministro britânico Tony Blair e actual director da Young Foundation, que esteve no ano passado em Portugal a convite da Fundação Calouste Gulbenkian, explica porquê: “Nos últimos 100 anos as pessoas foram ficando familiarizadas com a ideia de inovação, ligando-a sempre a avanços tecnológicos e nem perceberam que boa parte dos ganhos na saúde e na educação não tinham uma origem tecnológica, mas sim numa maneira diferente de organizar as coisas. A ideia de inovação social é muito simples: inovar sistematicamente nas soluções para os nossos problemas sociais”.

Do tecnológico para o social, a mudança de paradigma de desenvolvimento é evidente para Mulgan. “Muitos decisores políticos e grandes empresas já perceberam onde estão as maiores oportunidades económicas do século XXI: tratar dos mais velhos vai empregar muito mais gente do que construir automóveis. Já hoje, os green jobs são uma grande fonte de emprego no mundo”. Os estudos económicos estimam que 50% a 80% do crescimento económico mundial venha da inovação e do conhecimento. Há sinais de que a inovação social tem um papel cada vez maior nesse processo. 20% a 30% do produto interno bruto estará ligado aos sectores da saúde, da educação, das energias verdes e dos cuidados com os mais velhos.

A distinção entre inovação tecnológica e social nem sempre é clara. Numa primeira fase, entre os anos 60 e 80 do século XX, a inovação social esteve confinada aos domínios da aprendizagem (ensino e formação) e do emprego (organização no trabalho). Mais tarde, a partir dos anos 80, mas ainda na mesma linha, a inovação social surge também ligada ao campo das políticas sociais e do ordenamento do território. As perspectivas mais recentes afastam definitivamente a inovação social da tecnológica, atribuindo-lhe uma natureza não mercantil, um carácter colectivo e uma intenção que não só gera, mas também visa, transformações das relações sociais. Nesta óptica, a inovação social implica sempre uma iniciativa que escapa à ordem estabelecida, uma nova forma de pensar ou fazer algo, uma mudança social qualitativa, uma alternativa – ou até mesmo uma ruptura - face aos processos tradicionais. A inovação social surge como uma “missão ousada e arriscada”.

No campo das instituições de solidariedade social, são múltiplas as perspectivas de inovação. João Meneses, presidente da TESE, uma organização não governamental diz que a questão-chave é a “capacidade para a gestão da mudança”. “Para fazer face a este novo paradigma da inovação, nós todos vamos ter que ser nómadas do conhecimento. Vai ser muito importante a Web para a profusão e implementação da democracia, importantíssima para a difusão da criatividade e também da solidariedade”. O dirigente diz que estamos perante um momento de passagem de uma sociedade de abundância para uma sociedade de escassez, o que implica um “enorme empowerment” das comunidades locais e dos cidadãos. “O Estado também tem que encontrar formas criativas de capacitar e permitir que os cidadãos se organizem em comunidades locais, regionais e que sejam os promotores de novas respostas sociais, de novas ideias”.

Um dos grandes desafios apontados às organizações do Terceiro Sector é conseguir reduzir a subsídio-dependência. “A via do empreendorismo social é uma via que importa explorar, as instituições têm que ter actividade e gerar receitas próprias, para poderem viver à margem dos subsídios do Estado”. João Meneses salienta o papel decisivo dos líderes neste processo de empowerment das organizações. Segundo o dirigente, o líder deve ser um “propulsor” para a instituição de uma cultura de inovação social dentro da organização que dirige, sempre num esquema de horizontalidade das relações de trabalho.

Cristina Parente, investigadora e docente na área da sociologia na Universidade do Porto diz que é necessário potenciar a criatividade na gestão de pessoas nas organizações sociais. “A minha proposta vai no sentido da passagem para o paradigma da cooperação, que implica o envolvimento/participação dos trabalhadores e de uma gestão mais democrática, transparente e participativa”. Para a investigadora é necessário encontrar formas de gestão dos recursos humanos adequadas aos princípios da solidariedade, que implicam, necessariamente, relações de trabalho dignas e equilibradas. “Há uma questão muito concreta em termos da gestão interna das pessoas que é a necessidade de dignificação da relação de emprego dentro das IPSS que passa por um trabalho forte das direcções das IPSS e dos próprios trabalhadores no sentido de exigirem um tipo de salário, por exemplo, semelhante ao dos funcionários públicos”, refere. Cristina Parente considera que o tecido social português é ainda pouco empreendedor e está demasiado dependente dos subsídios estatais. “Tenho dúvidas que estejamos a dar os primeiros passos em termos de independência em relação ao Estado, o tecido corporativo é muito fraco e as instituições continuam a ser apenas prestadoras de um bom serviço ao Estado”.

Por sua vez, Raquel Francos, professora de gestão e marketing na Universidade Católica, acredita que o marketing no Terceiro Sector pode constituir uma ajuda preciosa para a optimização de recursos nas instituições de solidariedade social. “É necessário que se trabalhe o marketing como um facilitador de trocas, mas a maior parte destas organizações não têm pessoas de gestão ou economia na sua direcção”, diz. A docente atribui esse facto à falta de competitividade das organizações sociais em relação ao mundo empresarial no pagamento de salários, mas as exigências impostas pelo Estado têm obrigado a mudanças. “Tem sido feito, nos últimos anos, um grande caminho ao longo da formação nesta área e a Segurança Social com as exigências que tem feito de qualidade, certificação e qualificação tem obrigado estas organizações a formarem-se e a reflectir sobre questões de gestão aplicadas ao seu dia-a-dia e à sua estratégia”. A falta de um mapa que mostre as necessidades sociais do país é outra das lacunas que a especialista aponta como responsável pela sobreposição da oferta social. “Julgo que a concorrência é inegável e as organizações admitem-no no terreno. Apesar do discurso dominante ser no sentido da colaboração, há concorrência por recursos e por utilizadores”.

Raquel Francos encontra no marketing uma excelente ferramenta para a inovação social dentro das instituições. “O marketing vai ajudá-las a compreender melhor as necessidades e quanto mais participado for esse diagnóstico, há mais potencial para surgirem novas ideias e ideias inovadoras”.
Edmundo Martinho, presidente do Instituto de Segurança Social, admite que o Estado também precisa de inovar em muitas das suas metodologias e dos seus instrumentos, mas o papel das organizações do Terceiro Sector continua a ser fundamental. “Aquilo que se tem vindo a chamar de inovação social deveria ter um grande foco nas próprias metodologias internas e nos modelos organizacionais das instituições, ou seja, é preciso também inovar desse ponto de vista, para que depois as inovações instrumentais, sejam elas de financiamento ou de concretização, encontrem um terreno sólido, também ele preparado para acolher a inovação. Contudo, o representante do Estado diz que os programas de financiamento existentes ainda padecem de um peso regulamentar muito elevado, que pode ser “contraditório” com a inovação.
Ana Roque, especialista em consultadoria e comunicação para um desenvolvimento sustentável, refere a importância da identificação e envolvimento dos stakeholders no lançamento e consistência de projectos nas organizações sociais. “Muitas vezes pensa-se em partes interessadas na perspectiva de quem é que tem poder ou de quem é que tem recursos financeiros, mas existe uma série de entidades que estão à volta e que nos podem dar reputação e força e que podem ser aliadas fundamentais para que um projecto cresça de uma forma sustentada”. A especialista diz ainda que os progressos neste campo são visíveis e que há cada vez mais sensibilidade por parte das organizações para a identificação e envolvimento nos projectos dos stakeholders.

No campo das ideias práticas de inovação social, espaço ainda para referir um projecto recente lançado há cerca de dois meses no nosso país: a bolsa de valores sociais (BVS). É uma iniciativa da Atitude, uma associação para o desenvolvimento do investimento social criada em 2009 e que foi originalmente fundada no Brasil. Tem o apoio da Euronext Lisbon, da Fundação Calouste Gulbenkiam e da Fundação EDP e recria o ambiente da Bolsa de Valores, facilitando o encontro entre organizações da sociedade civil criteriosamente seleccionadas e dos investidores sociais dispostos a apoiar essas organizações através da compra das suas acções sociais. Gulherme Collares, da Fundação EDP, explica que a BVS “é uma ferramenta que está agora ao dispor de todo o Terceiro Sector para ter acesso a recursos financeiros, que o cidadão ou a empresa, que agora chamamos de investidor social irá fazer em projectos que uma determinada organização pretende lançar”. Depois, durante toda a vida do projecto, o investidor social pode acompanhar as suas acções e saber onde está o seu dinheiro. Mantêm-se os benefícios fiscais para empresas e particulares à semelhança das doações. “No estado em que estamos de crise, a Segurança Social e o Estado vão tendo cada vez menos possibilidade de acudir o Terceiro Sector e tem que ser a sociedade civil a intervir”, diz Guilherme Collares.

Texto: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2010-01-08



















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