Uma certa incredulidade domina o tom das conversas no seio de grande parte das Comissões de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ). Os técnicos contratados, em regime de outsourcing, para as reforçar estão a ficar fora do concurso público aberto para os integrar. Foi recebido com grande expectativa o concurso para preencher 153 postos de trabalho na carreira de técnico superior do Instituto de Segurança Social (ISS). Os 128 profissionais contratados em 2006 e os 30 contratados em 2007 acumulavam experiência, possuíam formação específica e, de seis em seis meses, tinham sido sujeitos a avaliações internas.Ninguém parecia capaz de os bater.
O anúncio saiu a 10 de Julho de 2009. As candidaturas foram entregues até ao final de Agosto. O burburinho propagou-se com os resultados da prova de conhecimentos. Muitos não foram aprovados: 60 questões de escolha múltipla para responder em 90 minutos. Quem pensara aquilo? Uma hora e meia parecia-lhes pouco para reflectir sobre tão complexas questões.
A revolta acentuou-se quando outros foram eliminados na primeira fase dos testes psicológicos. Só cerca de três dezenas passaram às outras duas fases - e temem agora não chegar à entrevista. "Nós investimos no sistema de protecção, o sistema de protecção investiu em nós. Avaliações sucessivas feitas pelas comissões que nos integram deram-nos como aptos para o serviço. Agora já não servimos. Parece uma limpeza", comentava uma técnica.
Reuniram-se terça-feira para debater o assunto. Bateram à porta da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública, que logo emitiu um comunicado a acusar o ISS de "colocar no desemprego mais de cem trabalhadores que exercem funções técnicas nas comissões".
Os profissionais contestam o método de selecção, sobretudo a avaliação psicológica. Alguns testes prendem-se, por exemplo, com preferências alimentares. "Sinto-me injustiçada. O meu trabalho no terreno é competente e agora sou eliminada por gostar mais de salsichas", diz outra técnica. "Há aqui uma incoerência!"
Queixam-se de irregularidades diversas. Por exemplo: na primeira lista de excluídos aparece o nome de uma candidata que fora rejeitada por não ter licenciatura adequada; o nome dela surge na lista rectificativa, mas não se vê na lista de convocados para a prova de conhecimentos; todavia, ela passa essa prova com 9,9 valores. Outro exemplo: o regulamento refere como primeira vogal suplente uma pessoa que assina as actas de reuniões como aquela na qual se definiu a estrutura da prova; ora, uma das notas mais altas dessa prova é a de um irmão dela.
Apesar das múltiplas tentativas efectuadas nos últimos dois dias, o PÚBLICO não conseguiu falar com o presidente da Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, Armando Leandro, nem com o presidente do ISS, Edmundo Martinho. À Antena 1, Edmundo Martinho afirmou-se preocupado com o que está a acontecer e referiu que o concurso de acesso não é responsabilidade do ISS, mas da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público.
Por norma, as entidades representadas nas comissões cedem os seus funcionários apenas uma manhã, uma tarde ou o correspondente a um dia de trabalho. Algumas viviam sem um único elemento a tempo inteiro.
Foi em 2005, no Dia Mundial da Criança, que o então ministro da Segurança Social, Vieira da Silva, anunciou o reforço técnico das comissões. O processo de contratação, que deveria estar concluído no final do ano, arrastou-se. Edmundo Martinho explicou o atraso com o recurso a "uma metodologia inovadora de contratação". Os profissionais não seriam integrados nos quadros da Segurança Social. Haveria um contrato de prestação de serviço ao qual poderiam concorrer empresas de recursos humanos, organizações não governamentais e outras entidades. Apesar da base nacional, as candidaturas far-se-iam a nível distrital. Na altura, Edmundo Martinho via nesta opção vantagens que iam muito além do não aumento de funcionários públicos. Desde logo, introduzia celeridade - "um concurso para a Segurança Social seria muito moroso". Depois, conferiria flexibilidade - se o número de processos se alterasse, uma comissão com dois técnicos passaria a três ou vice-versa. O concurso de agora reconheceria o vínculo.
Fonte: Público
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