INSTITUTO DA HABITAÇÃO E DA REABILITAÇÃO URBANA PROMOVE CONFERÊNCIA

«A paz, o pão e a habitação» em discussão no Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza

“Não podemos deixar acontecer que de alguma maneira esta crise e os seus efeitos endureçam aquilo que foi um caminho de reforço da solidariedade que temos tido em Portugal ao longo das últimas décadas”. A afirmação pertence a Edmundo Martinho, presidente do Instituto de Segurança Social durante a conferência subordinada ao tema “Paz, Pão e a Habitação”, promovida pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana no passado dia 21 de Abril. O auditório do IHRU contou com um painel de convidados, entre eles o ex-Presidente da República, Jorge Sampaio e o presidente da Confederação Nacional de Instituições de Solidariedade Social, Lino Maia.

Integrada no Ano Europeu de Luta Contra a Pobreza e a Exclusão Social, o objectivo da iniciativa foi discutir o papel da habitação na luta contra a pobreza e a exclusão social. Os dados mais recentes mostram que 18 por cento da população portuguesa vive em situação de risco de pobreza. São 1,8 milhões de pessoas que não têm rendimentos suficientes, sendo as crianças o grupo da população mais afectado. O risco de pobreza em Portugal superava, em 2008, a média europeia e situava-se em 18 por cento, estando em igual risco 12 por cento das pessoas com emprego, segundo o estudo do Eurostat, apresentado no início deste ano.

O Presidente do Instituto de Segurança Social defendeu que o país deve aproveitar o momento de crise que atravessa para “aprofundar” as conquistas públicas em termos de políticas sociais. “Passámos por um período intenso de desenvolvimento e de consolidação da Segurança Social, de respostas no domínio da protecção (…) é importante que a esta expansão não suceda uma regressão forte”, afirmou Edmundo Martinho e apresentou como exemplos os avanços legislativos e de apoios financeiros no domínio da parentalidade e a expansão ao nível dos equipamentos sociais. Quanto à necessidade de consolidação das contas públicas, o presidente ISS considera que é um desafio “público” e não apenas do Estado, mas que apresenta riscos para a protecção social. “Corremos o risco de podermos vir a entender que o combate à pobreza se faz através de um regresso daquilo que podemos chamar, sem desprimor e sem desvalorizar, a intervenção solidária individual e institucional”. Edmundo Martinho acredita que este combate terá que se fazer através de uma combinação entre o reforço das qualificações, das oportunidades e das transferências sociais para as famílias mais vulneráveis. O representante do Governo defende ainda o caminho rumo a uma prestação única às famílias carenciadas, em função dos seus rendimentos. “A prestação única permitiria acabar com os estigmas que se associam a alguns tipos de apoios, evitava a acumulação de benefícios, permitiria uma boa gestão dos apoios públicos e acautelaria o entendimento e a leitura coerente da situação das famílias em todo o seu conjunto”.

Lino Maia salientou que o combate à pobreza é um “combate de gerações” e que deve ser estabelecido como “desígnio nacional”. “O Estado deve definir metas e objectivos, até pela segurança nacional, porque a pobreza é um factor de risco e de insegurança em qualquer país”, disse o líder das instituições de solidariedade. O presidente da CNIS apresentou ainda cinco “vias” para combater a pobreza, desde a promoção do empreendedorismo, à educação, às políticas de fomento e apoio à família, à habitação e ao envolvimento de cada pessoa no seu projecto de vida. “Isto de dar tudo não resolve nada. É preciso envolver as pessoas, é fundamental que as pessoas estejam envolvidas no seu projecto de vida”. Para este dirigente não é imperioso que o combate à pobreza seja feito através da transferência de mais verbas do Estado para o sector solidário, pois considera que tem havido “bastantes iniciativas” neste campo. “É evidente que defendo aquelas transferências que o Estado faz, como, por exemplo, o Rendimento Social de Inserção ou o Complemento Solidário para Idosos, mas é capaz de haver algum assistencialismo nisso, sem que as pessoas sejam envolvidas nesse processo de mudança”. Lino Maia defende ainda que as transferências de competências do Governo para as autarquias devem passar pelo campo da habitação e da promoção das qualificações das pessoas e não na área social. O Presidente da CNIS fala ainda em vários tipos de pobreza e considera que o grande nicho está naqueles que “herdaram a pobreza dos seus pais”.

O antigo presidente da república, Jorge Sampaio apresentou uma visão muito crítica das assimetrias sociais em Portugal e do fosso cada vez mais acentuado entre ricos e pobres. “Deve ser difícil ao trabalhador de uma grande empresa pensar que deu o seu contributo honesto para o produto final e ao mesmo tempo ter a noção que houve alguém premiado com um montante tal que ele levaria toda a sua vida para lá chegar e em Portugal ninguém se perturba muito com isto”, afirmou. O socialista falou também na necessidade do combate à corrupção e a um novo posicionamento dos partidos políticos que terão que encontrar novas formas de renovação social. “Percebemos que é crucial que haja uma contenção da despesa pública em Portugal, não percebemos é que todas as questões dos serviços públicos ou serviços essenciais ao desenvolvimento estejam apenas vocacionados para tratar os seus próprios agentes?!”, pergunta retoricamente o ex-presidente da República.

Para Jorge Sampaio a presença de Portugal na União Europeia e os efeitos da globalização condicionam a intervenção individual do país, mas as responsabilidades políticas continuam a ser à escala nacional. “Estou de acordo em manter as políticas sociais num contexto de finanças públicas muito difícil, assim como também estou de acordo que uma nova dimensão da solidariedade tem de funcionar à escala das nossas freguesias e autarquias”. O socialista fala dos tempos actuais como tempos marcados pela “ausência de alguma solidariedade”. “O que se vê é a reivindicação de um estatuto melhor para nós, a capacidade de paralisar tudo na certeza de que o Estado vai ceder”, numa alusão às várias greves nacionais desde a saúde, è educação ou transportes.

Outro dos intervenientes, o professor de direito Adriano Moreira, falou sobre a capacidade do Estado em obter um saldo positivo numa equação que balança entre as responsabilidades assumidas constitucionalmente e os recursos disponíveis para o fazer. “O Estado é pobre e há que perceber que não é a doutrina que está em crise, mas a dificuldade em que esta equação dê um saldo positivo”, afirmou. O professor falou ainda do avanço daquilo que vários autores classificam como “geografia da fome” que, segundo ele, está alastrou do continente africano e está a chegar ao Mediterrâneo. “Nós exportarmos a imagem das sociedades de abundância para o mundo inteiro como sendo todo o mundo um local que tivesse condições para responder à imagem desta sociedade. Vivem-se tempos de indiferença global”.
Quanto ao modelo de habitação social para o futuro, todos os intervenientes foram unânimes em considerar que os aglomerados sociais característicos das décadas de 80 e 90 já não têm lugar no mundo actual e é necessário avançar para modelos mais inclusivos. Edmundo Martinho vai mais longe e apresento uma solução para o problema da habitação social. “Se é possível perceber que em determinado momento foi preciso acabar com as centenas ou milhares de barracas e as soluções tinham que ser de facto de grande dimensão, hoje, se calhar, estamos em condições de perceber que talvez fosse preferível ajudar as famílias no esforço com o arrendamento, fomentando muito daquilo que pode ser o arrendamento urbano e que até ajudaria à reabilitação do tecido urbano nas cidades”.

Texto e fotos: Milene Câmara

 

Data de introdução: 2010-05-06



















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