As crianças, os idosos e os trabalhadores correspondem a 77% dos mais de 400 mil beneficiários do rendimento social de inserção (RSI). Apenas 23% são "empregáveis", o que, para o sociólogo Eduardo Vítor Rodrigues, revela a "hipocrisia" do debate político.
O "discurso populista" de ataque ao RSI é, a par da crise, um dos principais entraves ao sucesso da medida, que nasceu há 14 anos para combater a pobreza extrema. No momento em que muito se fala da obrigatoriedade dos beneficiários do RSI prestarem tributo à sociedade, os números clarificam que a exigência nem sequer seria aplicável à maioria das pessoas. Cada beneficiário recebe, em média, 89 euros por mês. Por família, o contributo médio é de 242 euros. Pelo menos em 31% dos casos, o subsídio serve para complementar um ordenado muito baixo.
"Estamos a perder tempo e a inventar medidas de tributo social, quando só 23% são empregáveis. Parte destas pessoas tem handicaps, como toxicodependência, problemas psíquicos, desqualificação ou desemprego de longa duração, que obstaculizam o acesso ao emprego. Estes dados frios mostram a hipocrisia do debate. E é penoso ver que a hipocrisia do debate colou bem nas representações sociais", sustenta Eduardo Vítor Rodrigues, professor e investigador da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, cuja tese de doutoramento reflectiu sobre o Estado Providência e os processos de imobilização social dos beneficiários do RSI. A obra sobre a tese, intitulada "Escassos Caminhos" é apresentada, pelas 21 horas de amanhã (27 de Maio), no anfiteatro nobre da Faculdade de Letras do Porto (FLUP).
O "brutal ataque" ao RSI agrava o estigma, dificulta a inserção social e conduz a uma burocratização exagerada da medida. "O que está a acontecer é um processo de estigmatização que afecta, de forma violentíssima, o beneficiário. Os empregadores acham que os beneficiários são malandros e não lhes dão emprego. Os políticos alimentam o estigma e as pessoas perdem a auto-estima", alerta. Em resposta, a Segurança Social exige relatórios e torna difícil o acesso ao RSI. Cada equipa multidisciplinar tem a seu cargo, no mínimo, 180 agregados. O acompanhamento próximo das famílias para diagnosticar e ajudar a resolver os problemas que travam a melhoria de vida é quase impossível.
Sem diagnóstico, não há ajuda
"Fruto da pressão social, as equipas estão a ser bombardeadas com relatórios. Têm de produzi-los de três em três meses. O acompanhamento técnico de proximidade está hipotecado pela carga burocrática", afiança o sociólogo.
Sem tempo para diagnósticos, receita-se aspirina a todos, negligenciando a heterogeneidade dos beneficiários. "O importante é descortinar as razões do imobilismo, que obstaculizam a empregabilidade", continua. A resposta é igual para todos: novos cursos, estágios e soma de carimbos. O problema de raiz fica por resolver.
Certo de que hoje a "carga do estigma é inultrapassável", Eduardo Vítor Rodrigues defende a reconfiguração da medida, que não pode continuar a ser encarada de forma dissociada do subsídio de desemprego. "Defendo a fusão do RSI e do subsídio de desemprego. Tem de haver interinstitucionalidade. É incompreensível que não exista hoje articulação institucional, até porque os técnicos de emprego sabem que o mais certo é que os desempregados caiam no RSI", conclui o investigador. Em todo o país, o distrito do Porto possui o maior número absoluto de beneficiários.
Fonte: Jornal de Notícias
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