1 - Concordo com o veto do Governo no negócio da PT.
Recordem-se os traços essenciais desse negócio:
Os accionistas da PT queriam vender aos espanhóis da Telefónica, que disseram que o queriam comprar, o mais valioso activo da nossa principal operadora de telecomunicações: a VIVO, a operar no crescente mercado brasileiro de comunicações móveis e que é detida pela referida PT.
Esses accionistas andaram mais de um mês a fazer uma campanha de contra-informação, com todas as regras e a sofisticação exigidas pelos mecanismos e artes da especulação financeira, para os espanhóis irem subindo o preço – campanha que teve reconhecido sucesso.
A meio desta semana, reuniu, para deliberar sobre o negócio, a assembleia geral da PT – e, nela, os donos do capital decidiram, por larga maioria, vender a VIVO aos espanhóis.
Ficou, destes últimos dias, a pairar a ideia de que os grupos privados portugueses que detinham as principais partes de capital da PT, nomeadamente o Grupo Espírito Santo, teriam assegurado informalmente ao Governo que iriam votar contra essa operação – pelo que a venda a Espanha estaria condenada ao fracasso.
Mas, chegado ao momento, lá votaram no sentido para onde os seus privativos interesses financeiros os chamavam – e votaram pela venda a Castela, na esteira do que já se passou, nos últimos anos, com tanto património nacional.
(O capitalismo não tem pátria, como se sabe.)
Confrontado com essa decisão dos sócios da PT, que, por folgadíssima maioria, votara pela venda, contra o que era a expectativa criada, o Governo utilizou os seus poderes especiais de sócio, previstos no pacto social ( a que os jornais chamam
golden share) – e vetou a consumação do negócio.
2 - Como disse, concordo com o veto.
E concordo por várias razões:
Em primeiro lugar - como, com sentido de oportunidade, aliás habitual nele, lembrou Paulo Portas -, porque, se fosse ao contrário – isto é, se fosse uma empresa portuguesa a querer compar em Espanha um activo de uma grande empresa do país do lado - o Governo espanhol faria o mesmo e também se oporia ao negócio.
É já o que sucede, aliás, com múltiplos outros negócios, de bem menor importância do que este – em que as empresas portuguesas deparam com inúmeras dificuldades e restrições administrativas, para poderem concorrer com as empresas espanholas do mesmo ramo em concursos que as regras comunitárias obrigam à concorrência sem restrições em todo o espaço europeu, mas que, na prática, já trazem o retrato do vencedor antecipado – e sempre caseiro.
(Como sabem, por experiência própria, os nossos empresários da indústria e do comércio.)
É, por exemplo, o que sucede na construção civil – onde uma empresa portuguesa só ganha um concurso por excepção contada por escassos dedos.
Em segundo lugar, porque me parace incompatível, ao menos no plano ético, a possibilidade de a Telefónica, sendo accionista da PT, propor à PT um negócio que, podendo embora ser bom para os accionistas da PT, individualmente considerados, não o é, no juízo nacional dominante, para a própria empresa.
É certo que o Presidente da Assembleia Geral não permitiu que a Telefónica votasse na decisão de venda.
Mas tem algo de bizarro a Telefónica, enquanto grande accionista da PT, integrar o respectivo Conselho de Administração, supondo-se trabalhar pelo sucesso da empresa – ao mesmo tempo que congemina um negócio conta os interesses dessa mesma empresa que administra.
Uma terceira razão tem que ver com as expectativas.
Quando o capital estrangeiro entrou no capital social da PT, sabia que o Estado Português iria manter direitos especiais, não obstante deter apenas 250 acções do capital social.
Estava – e está – nos Estatutos.
Quis o apoio e as vantagens do encosto do Estado na internacionalização – por exemplo, para o Brasil – do negócio da PT.
Não desdenhou a intervenção do Estado quando tocava a concorrer nas vantagens e nos lucros.
O mesmo se diga do capital financeiro nacional, também bafejado na partilha dos despojos das grandes empresas públicas.
Mas que, ao soar a trombeta castelhana, a chamar o capital a reunir – e como sucedeu com as nossa fracas elites, tantas outras vezes ao longo da nossa História – não tardou a alinhar as suas forças sob o pendão de Santiago.
Deixando para o povo a luta sob a bandeira das quinas – pela Pátria e pela vitória.
3 – Este episódio deu para perceber, a quem estava distraído, quem, quando é a valer, manda na PT.
Não é o mercado; não são os sócios.
É o Governo.
Já se sabia que nada relevante se passa na PT sem que o Governo o saiba ou o queira.
E assim regressa, por esta porta inprevista, o assunto da TVI.
Para quem já se esqueceu, esta PT que o Governo pôs com dono, por ser detentor de poder e vontade para isso, é a mesma PT que quis comprar a TVI, para acabar com o telejornal da 6ª-feira.
É a mesma PT que teve como administrador o Dr. Rui Pedro Soares e como assessor jurídico o Dr. Paulo Penedos.
E é ainda a mesmíssima PT, que paga aos seus gestores e comissários políticos os salários e prémios de escândalo, de milhões de euros anuais – e escândalo, quer em relação aos seus próprios méritos, quer em relação ao estado do País.
O Governo, depois do veto, não pode mais assobiar para o lado, quando esses episódios pouco edificantes vêm à tona.
Este veto reforça em muitos espíritos mais cépticos, ou mais habituados à lógica da razão do que à da propaganda, a convicção de que o Governo, que
todo lo manda na PT, não será de todo alheio a esses
faits-divers que, até há dias, nos preencheram os ócios.
Há, até, aqui um curioso paralelo:
- o Grupo Espírito Santo e outros grandes accionistas da PT querem a coligação e a cumplicidade com o Estado, quando se trata de comprar em saldo as grandes empresas que eram públicas ou de reforçar por via política e administrativa os seus negócios e lucros - mas preferem descartar o mesmo Estado quando este os impede, por razões aliás estimáveis, de realizar um negócio contra os interesses do País;
(Queriam sol na eira e chuva no nabal.)
- mas, pelas mesmas razões, também o Governo não pode argumentar com os seus direitos especiais quando se trata de exercer o poder de ordenação e gestão de uma grande empresa para proibir um negócio por ela livremente celebrado; e dizer que nada tem a ver com a empresa e que deixa que nela funcionem, sem intervenção sua, as regras do mercado livre, quando se trate de uma operação melindrosa e hostil contra um meio de comunicação social ou se definam as condições de remuneração, as mordomias e as assessorias das verdadeiras legiões do pessoal cartonado que, com o aval do mesmo Governo, a comanda e suga.
Ou o Governo manda sempre – e manda, quer se trate do veto, quer se trate do resto.
Ou não interfere e deixa tudo para o mercado – mas então não veta.
O que não convence é dizer que manda e que é responsável pelo que se passa às 2sª, 4sª e 6sª, quando dá jeito – mas que já não manda nos outros dias da semana, em que as decisões são mais difíceis de apresentar e rendem menos simpatias.
Ubi commoda, ibi incommoda.
Por HENRIQUE RODRIGUES – Presidente da Associação Ermesinde Cidade Aberta
Data de introdução: 2010-07-08